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O yuan abre caminho no comércio mundial

Com uso coercitivo do dólar se tornando cada vez mais comum, China abre caminhos para uso do yuan no comércio mundial.

Com uso coercitivo do dólar se tornando cada vez mais comum, China abre caminhos para uso do yuan no comércio mundial. Via Misión Verdad – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: faungg)

“O dólar pode ser nossa moeda, mas é seu problema”: é isto que dizia em 1971 o então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Connally, a um grupo de ministros europeus no contexto da desvinculação do dólar do padrão ouro, movimento que resultou na hegemonia da moeda estadunidense em escala global.

Mas, apesar do dólar ainda ser a moeda padrão de reserva e de comércio internacional, houve grandes manchetes recentemente sobre a decisão de alguns países de realizar transações em yuan:

  1. Brasil: no último 7 de fevereiro, o Banco Popular da China (PBOC) anunciou a assinatura de um memorando de entendimento sobre o estabelecimento de acordos de compensação em yuans chineses com o Banco Central do Brasil. Isso permitiria que os países realizassem transações comerciais e financeiras diretamente mediante o intercâmbio de yuans por reais, ou vice-versa, ao invés de primeiro converter suas moedas ao dólar estadunidense.
  2. Argentina: no início deste ano, China e Argentina ampliaram seu intercâmbio de divisas. A sucursal argentina do Industrial Commercial Bank of China lançou um serviço de compensação de yuans, que trará facilidades para transações transfronteiriças.
  3. França: em março de 2023 as companhias energéticas China National Offshore Oil Company (CNOOC) e a francesa TotalEnergies assinaram o primeiro acordo sobre o comércio de gás natural liquefeito (GNL) em yuan, por meio da Bolsa de Petróleo e Gás Natural de Xangai.
  4. Iraque: o Banco Central do Iraque anunciou em fevereiro de 2023 que financiará suas importações da China em yuan pela primeira vez, especialmente no comércio de petróleo cru.
  5. Rússia: no segundo semestre de 2022, a Gazprom anunciou a assinatura de um acordo com a China para que o fornecimento de gás à China fosse pago em yuans e rublos, em vez de dólares estadunidenses. Atualmente, o yuan já substituiu o dólar como a moeda mais negociada na Rússia.
  6. Irã: Ehsan Khandouzi, ministro iraniano de Assuntos Econômicos e Finanças, declarou em 2022 que “uma parte dos intercâmbios comerciais entre Irã e China foram realizados em yuan”. Há mais de uma década o Irã realiza transações diretas com a China em yuan, devido aos grandes obstáculos gerados pelas sanções unilaterais estadunidenses.

Os novos acordos bilaterais com o yuan como padrão de intercâmbio financeiro são sinais claros do avanço do que foi pactuado no XX Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh) de 22 de outubro do ano passado: “avançaremos ordenadamente na internacionalização do yuan”.

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Esse avanço pode ser comprovado em cifras. Segundo um informe do Banco Central da China de 2022, os pagamentos transfronteiriços em yuan em setores não-bancários alcançaram a cifra de 36,6 bilhões de yuans em 2021, um aumento interanual de 29%.

Por exemplo, com a Argentina, o primeiro swap cambial entre aquele país e a China foi assinado em 2009 no valor de 70 bilhões de yuans, e para este ano aumentou em 130 bilhões de yuans. Além disso, de forma relevante, de acordo com o instituto de pesquisas russo Kommersant, os bancos russos estão aumentando o volume de empréstimos a clientes corporativos em yuan. Ou seja, com tendência de aumento progressivo, o yuan começa a ocupar espaço nas finanças globais.

Além disso, existem vários razões para que os países desejem se livrar da hegemonia do dólar americano, como as facilidades e os baixos custos nas transações com o yuan, as amplas garantias de manutenção dos compromissos no comércio bilateral de forma estável, e justamente pela arbitrariedade no uso coercitivo do dólar, com a imposição de “sanções” e bloqueios do sistema financeiro SWIFT; isso alertou os países para os enormes riscos inerentes à dependência do dólar.

A adoção de novas formas de câmbio ou indicadores de reservas não será imediata, mas as novas iniciativas para diversificar a economia global tomam ritmo acelerado em meio à atual crise sistêmica.

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Em 2009, Zhou Xiaochuan, quando ainda presidia o Banco Popular da China, explicou — referindo-se ao dólar — que a crise mostrou os perigos de depender da moeda de um país para pagamentos internacionais e que, por sua vez, a China não pretendia substituir o dólar ou outra moeda fiduciária, mesmo com o yuan atuando como uma das principais moedas das novas arquiteturas financeiras desdolarizadas que estão surgindo no mundo.

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