Pesquisar
,

Equador: a virada bonapartista de Lasso e a oposição tíbia

No Equador, Guillermo Lasso dissolve Parlamento para escapar de impeachment. Militares e EUA o apoiam, e oposição se divide querendo colher frutos nas próximas eleições.

No Equador, Guillermo Lasso dissolve Parlamento para escapar de impeachment. Militares e EUA o apoiam, e oposição se divide querendo colher frutos nas próximas eleições. Por Eloy Osvaldo Proaño | CLAE – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
O presidente do Equador, Guillermo Lasso. (Foto: presidencia.gob.ec)

A crise no Equador deu um salto político com a guinada bonapartista realizada pelo presidente Guillermo Lasso que, com o apoio das Forças Armadas, decretou a “morte cruzada” e passou a governar por decreto a partir de já até a realização das eleições gerais – presidenciais e parlamentares – daqui a seis meses.

O Equador está passando por dias críticos: apenas um dia após o início de um processo de impeachment contra ele, o presidente Guillermo Lasso, que se viu “entre a espada e a parede”, decidiu dissolver o Congresso. Ele é acusado de peculato por não ter rescindido um contrato entre a Flota Petrolera Ecuatoriana (Flopec) e o consórcio Amazonas Tankers para o transporte de derivados de petróleo, o que causou sérios danos econômicos aos cofres do Estado.

Ele disse que “o Equador não vai parar”, em plena alusão ao fato de que dará andamento a um conjunto de leis que estavam paralisadas na Assembleia Nacional por não terem o apoio parlamentar necessário para serem aprovadas. A Assembleia Nacional é composta por 137 parlamentares e, para a censura e destituição do presidente, são necessários 92 votos (dois terços da Câmara), o que a oposição afirmava ter conseguido.

Lasso previu uma derrota certa no parlamento, onde não apenas sofreria impeachment, como também poderia, uma vez fora da presidência, enfrentar processos criminais por corrupção, e possivelmente a prisão. É por isso que ele recorreu ao decreto de “morte cruzada”, dando a si mesmo um espaço de respiro e sobrevivência política. E, por meio dele, poderá exercer o poder por meio de decretos para aprovar medidas econômicas e políticas ainda pendentes, garantindo uma chance nas próximas eleições gerais.

O presidente da poderosa Conaie (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador), Leónidas Iza Salazar, considerou a medida um “autogolpe”. No entanto, a Conaie já declarou que descarta a realização de manifestações para enfrentar a “morte cruzada”. “Nós nos reuniremos em um conselho ampliado com nossas bases”, disseram eles. “Não queremos uma reação social, como muitos setores nos acusaram; você pode imaginar uma convulsão social neste momento, seria catastrófico”, disse Iza.

Para alguns analistas, a Conaie está tentando evitar que a revolta social com a deterioração das condições de vida da população ganhe força com a resistência à guinada antidemocrática do governo, o que colocaria em xeque o regime político equatoriano. Prosseguem com o papel pacificador que desempenham hoje de forma preventiva, e que também desempenharam durante a rebelião popular de 2019 e as greves de 2022.

Lasso está avançando com sua guinada bonapartista e, nesses seis meses, aplicará por decreto grande parte das medidas antipopulares, enquanto todos apelam para a necessidade de manter a “estabilidade constitucional” e “resolver” a “discórdia” no âmbito do regime político, nada de uma “convulsão social”, como sustentam os líderes da Conaie.

Parece que há um acordo para continuar a controlar a força do movimento de massas e não aproveitar a crise para lutar por uma perspectiva independente dos trabalhadores, dos povos originários, das mulheres trabalhadoras, da juventude e dos grandes setores populares, diz o jornal Opción.

Para alcançar uma solução progressiva para a atual crise política e atender aos interesses da grande maioria dos explorados do país, é urgente recuperar a demanda dos levantes nacionais que o povo vem liderando e que colocaram em xeque os vários governos de momento, como o levante de 2019 e o mais recente, em junho de 2022. Infelizmente, as lideranças só têm buscado, nos momentos mais cruciais, fazer pactos e tirar as massas das ruas, acrescenta o diário.

Morte cruzada apoiada pelos EUA

A constituição de 2008, texto garantista, introduziu a figura da morte cruzada, um estratagema político para impedir que a Assembleia Nacional navegue contra a maré do Poder Executivo. A “revolução cidadã” de Rafael Correa pretendia permanecer no poder por muitas décadas, mas seu sucessor, o corrupto Lenin Moreno, montou seu próprio roteiro e se rebelou, truncando o projeto correísta.

A crise política persiste no ambiente equatoriano, produto das contradições entre os interesses do povo contra as políticas neoliberais do governo e a podridão de suas instituições; e as contradições no topo, ou seja, entre os diferentes grupos econômicos que controlam o poder, por meio de diferentes partidos de direita.

Essa crise, que já vinha se arrastando e se agravou após a derrota política sofrida por Guillermo Lasso nas últimas eleições regionais e no referendo de fevereiro deste ano, ganhou impulso com o julgamento de impeachment contra Lasso e a declaração da morte cruzada, com a convocação de eleições para presidente e membros da assembleia para concluir o mandato atual.

O presidente do Equador já estava enfrentava o próprio declínio mesmo antes das eleições de fevereiro, e daí a convocação, além das eleições, de uma consulta popular para recuperar a iniciativa em um parlamento já fragmentado. Assim, ele infligiu uma derrota a si mesmo, e o resultado da eleição apenas ratificou a decadência e o desencanto com o governo do banqueiro Lasso e suas medidas neoliberais.

Vários setores aproveitaram o momento político e solicitaram um julgamento de impeachment por desvio de dinheiro, buscando sua destituição do cargo. O argumento era julgá-lo politicamente pelo crime constitucional de peculato (apropriação indevida de fundos públicos) e removê-lo da presidência. Mas os vários setores de oposição ao banqueiro-presidente se abstiveram de convocar as massas para as ruas diante da medida bonapartista reacionária de Lasso.

Os Estados Unidos apoiaram a medida e garantiram, na quarta-feira (17), que seu relacionamento com o governo do Equador continua “forte” após o decreto de morte cruzada do presidente Lasso. O porta-voz do Departamento de Estado, Vedant Patel, explicou que a administração de Joe Biden está “ciente” da decisão de Lasso, ofereceu seu apoio às “instituições e processos democráticos do Equador” e expressou seu respeito “pela vontade do governo e do povo equatoriano”.

A morte cruzada já estava sobre a mesa, pois Lasso já havia ameaçado aplicá-la antes. A espera se concentrou nas negociações políticas e no fracasso em alcançar os 2/3 de parlamentares na Assembléia Nacional. Essa é a primeira vez que a medida é aplicada.

A iniciativa recebeu apoio imediato das Forças Armadas, que iniciaram uma operação policial e militar para proteger o prédio da Assembleia, impedindo a entrada de funcionários do legislativo. O Comando Conjunto das Forças Armadas considerou a medida constitucional e expressou seu apoio por meio de um comunicado oficial.

O bloco progressista no Parlamento (UNES) considerou que não havia razão para a “morte cruzada”, alegando que “não há comoção interna” para motiva-la, mas que a respeitaria, não apoiando nenhuma alegação de inconstitucionalidade do decreto de Lasso. Diante do movimento bonapartista de Lasso e com a vitória nas recentes eleições regionais de fevereiro, em que emergiram como a principal força política, eles preveem que podem retornar à presidência imediatamente, sem ter que esperar dois anos, e nesse processo conseguir uma melhor representação na Assembleia Nacional.

A inconstitucionalidade do decreto de Lasso é o que o Partido Social Cristão, que tem 12 deputados no Parlamento, está discutindo, assim como o movimento Pachakutik, que está dividido desde que um grupo de 11 parlamentares anunciou que não votaria a favor da censura e da destituição de Guillermo Lasso. Ambos apresentarão ações judiciais perante a Corte Nacional de Justiça.

Além disso, a reforma tributária

Juntamente com o decreto de dissolução da Assembleia Nacional, Lasso assinou outro decreto, relativo à reforma tributária, denominado “Decreto Lei para o Fortalecimento da Economia Familiar”, que foi enviado ao Tribunal Constitucional, dirigido à classe média, pois aumenta a margem de despesas que as famílias podem deduzir ao calcular seu imposto de renda. Ele aumenta o teto do que pode ser deduzido de pouco mais de 5 mil dólares para mais de 15 mil dólares.

No Equador, milhões de indígenas e pobres não fazem declaração de imposto de renda, e os trabalhadores geralmente são isentos, devido aos seus salários baixíssimos. Em outras palavras, Lasso busca consolidar seu apoio na classe média e dividi-la dos setores populares.

Ele também está preparando o Decreto Executivo 730, que declara o terrorismo uma ameaça ao Estado, com algumas disposições inspiradas nas medidas do presidente salvadorenho de ultradireita Nayib Bukele, decreto que já havia sido enviado à Assembleia Nacional na semana passada.

Continue lendo

A cantora e agricultora americana Kelis é a mais recente celebridade a se aventurar na África Oriental, supostamente sob o pretexto da sustentabilidade. (Foto: Kelis / Instagram / Reprodução)
O pan-africanismo sob o domínio das elites
A fumaça branca sobe da Capela Sistina em 2013, na eleição do Papa Francisco. (Foto: Jeffrey Bruno / Flickr)
Frei Betto: breve história das eleições papais
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista a Terry Moran, da ABC NEWS. (Foto: White House / Joyce N. Boghosian)
A extrema-direita não pode ser quebrada com o martelo da razão

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina