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Por que a mídia dos EUA é cega para as atrocidades de guerra estadunidenses?

Por qualquer padrão consistente, os horrores que os EUA causaram a tantos civis desde 2001 não foram menos terríveis para as vítimas do que o que a Rússia está fazendo na Ucrânia.
Por qualquer padrão consistente, os horrores que os EUA causaram a tantos civis desde 2001 não foram menos terríveis para as vítimas do que o que a Rússia está fazendo na Ucrânia. Por Norman Solomon | Globetrotter – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
Operação Tempestade no Deserto, realizada pelos EUA no Iraque em 1991. (Foto: U.S. Air Force)

No primeiro dia de março de 2022, os visitantes da página inicial do The New York Times viram uma manchete na parte superior de suas telas em letras maiúsculas enormes:

“CHUVA DE FOGUETES MATA CIVIS”

Era o tipo de manchete de notícia de última hora que poderia se referir a inúmeros ataques com mísseis dos EUA e outros ataques militares durante as duas décadas anteriores, relatando mortes de civis no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria e em outros lugares. Mas essas mortes na “guerra contra o terrorismo” não se qualificavam para grandes manchetes. O que levou o Times a publicar rapidamente uma notícia sobre mortes de civis foi – conforme relatado na primeira página de sua edição impressa – “um ataque mortal com foguetes russos a Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, que disparou novos alarmes sobre até onde o Kremlin estaria disposto a ir para subjugar seu vizinho menor”.

Nos meses que se seguiram, o New York Times estava entre os milhares de veículos americanos que dedicaram o tipo de cobertura jornalística à guerra da Rússia na Ucrânia que teria sido impensável quando se tratava de informar sobre as guerras dos EUA. No início de abril, 40 dias após o início da invasão russa, uma manchete chocante em letras maiúsculas – “HORROR SOBRE A MATANÇA NA UCRÂNIA CRESCE” – ocupava a parte superior da primeira página da edição impressa do Times. Em abril, 14 matérias na primeira página do jornal “tratavam principalmente de mortes de civis como resultado da invasão russa, todas elas aparecendo no topo da página”, revelaram os pesquisadores da Fairness and Accuracy In Reporting (FAIR). Em um período comparável, depois que os EUA invadiram o Iraque, o Times publicou “apenas uma matéria sobre mortes de civis nas mãos dos militares dos EUA na primeira página”.

Por qualquer padrão consistente, os horrores que os militares dos EUA causaram a tantos civis desde o outono de 2001 não foram menos terríveis para as vítimas do que o que a Rússia está fazendo na Ucrânia. Mas a cobertura da mídia dos EUA tem sido muito mais imediata, explícita, extensa e indignada com o morticínio da Rússia do que com o morticínio dos Estados Unidos. Nas raras ocasiões em que um dos principais veículos de notícias dos EUA fez uma reportagem detalhada sobre as mortes de civis causadas pelas forças americanas, os artigos eram geralmente retrospectivos, aparecendo muito tempo depois do fato – postmortems com pouco impacto político e escasso desdobramento –, quase não dando um pio nas câmaras de eco da mídia.

Por mais sofisticado que seja seu armamento de alta tecnologia, a guerra em larga escala da Rússia na Ucrânia é bárbara. O fato de que o mesmo poderia ser dito sobre a guerra americana no Afeganistão e no Iraque era uma verdade que constituía quase um tabu para ser dita na mídia de massa dos EUA. Tanto os Estados Unidos quanto a Rússia desrespeitaram descaradamente a lei internacional, cruzando fronteiras e persistindo com força letal maciça. Princípios coerentes condenariam e esclareceriam cada caso. Mas, apesar da liberdade de imprensa nos Estados Unidos, pouquíssimos jornalistas de renome e seus imitadores na profissão se dispuseram a romper com a essência das narrativas oficiais de guerra de Washington, que, no fundo, não são muito mais matizadas do que a suposição de que o caráter nacional exemplar dos Estados Unidos foi mobilizado para derrotar o mal absoluto do inimigo.

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O nacionalismo disfarçado de jornalismo cobre a guerra com escuridão e luz, dizendo-nos por quem os sinos dobram. Assim, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e começou a aterrorizar, matar e mutilar, a mídia dos EUA estava a postos, com reportagens empáticas e comoventes na TV, no rádio, na mídia impressa e on-line. Mas quando os mísseis americanos e as bombas gigantes atingiram os centros populacionais nas duas décadas anteriores, as tragédias humanas raramente receberam algo mais do que uma pequena atenção da mídia dos EUA. As diferenças extremas na quantidade e no tom da cobertura refletem – e reforçam – as agendas dos promotores de guerra estabelecidos em Washington.

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