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China: subsumindo as finanças

O Partido Comunista da China vem reformando sua relação com o setor financeiro desde 2017, com uma postura vigorosa de centralização e aumento de controle estatal e partidário
Nathan Sperber
O presidente e secretário geral do Partido Comunista da China, Xi Jinping. (Foto: GovernmentZA / Flickr)

De acordo com o ranking Global 2000 da revista Forbes, a maior empresa de capital aberto por ativos no mundo atualmente é o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), um banco estatal chinês. O ICBC é seguido no ranking por outro banco estatal chinês (Banco Agrícola da China), depois por outro (Banco de Construção da China) e depois por outro (Banco da China). Em quinto lugar está o JPMorgan Chase, de Wall Street. É bem conhecido que a economia da China é altamente financeirizada e que seu setor bancário – o maior do mundo até o momento – encontra-se majoritariamente sob controle do governo. E, no entanto, desde a ascensão de Xi Jinping à liderança do país, em 2012, o Partido Comunista da China (PCCh) tem agido como se sua autoridade sobre as altas finanças ainda fosse insuficiente. Desde 2017, em particular, uma revolução vinda de cima tomou conta do setor financeiro da China, resultando em uma série de expurgos, prisões, a ocasional pena de morte, retificação implacável dos segmentos mais duvidosos dos mercados de capitais e – o que é mais significativo – a reordenação institucional no topo, transferindo a liderança operacional sobre o setor financeiro dos órgãos governamentais para o Comitê Central do PCCh.

O vigor com o qual Pequim disciplinou as finanças nos últimos seis anos não era previsível. Desde que o ex-primeiro-ministro Zhu Rongji reformulou a arquitetura financeira da China na década de 1990, as principais alavancas do sistema financeiro deveriam estar firmemente sob o controle das autoridades centrais. As maiores instituições financeiras, sejam elas bancos comerciais, bancos de investimento, seguradoras ou gestores de ativos, são controladas pelo Estado. Isso normalmente envolve a propriedade de ações majoritárias por parte de entidades afiliadas ao governo. As nomeações de executivos nessas corporações financeiras são feitas por vários comitês partidários; o Departamento de Organização Central (COD) do Comitê Central é responsável por confirmar a seleção dos diretores das instituições mais importantes. O presidente do conselho do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), por exemplo, é o equivalente a um vice-ministro no sistema de cargos políticos da China – uma posição respeitável, mas ainda um degrau abaixo dos cerca de trezentos cargos que reivindicam o posto ministerial completo na atual hierarquia de quadros. As bolsas de valores chinesas não são corporações com fins lucrativos como nos países ocidentais, mas órgãos subordinados à Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC). Os principais emissores e adquirentes de títulos são o Ministério das Finanças, bancos estatais, empresas estatais e veículos de financiamento de autoridades locais. Além disso, os controles de capital restringem drasticamente a circulação dos fluxos de dinheiro através das fronteiras da China, apesar da capacidade dos privilegiados de ocasionalmente contorná-los.

E, no entanto, como costuma acontecer na China, a concentração nominal de poder em um sistema de partido único não impede a fragmentação organizacional, a dispersão da autoridade e até mesmo, ocasionalmente, a desordem total. Tudo isso e muito mais ficou evidente na área financeira durante o primeiro mandato de Xi como secretário do partido, de 2012 a 2017. Naquela época, a financeirização da economia chinesa estava se acelerando. Por um lado, isso era resultado de decisões burocráticas, em especial o estabelecimento de uma estrutura estatal acionária nos anos anteriores a Xi. Essa configuração institucional envolve uma multiplicidade de empresas holdings afiliadas ao Estado, encarregadas de gerenciar, alocar e, em última instância, aumentar os ativos financeiros colocados sob sua supervisão pelos governos central e locais.

Por outro lado, as repercussões da crise financeira global de 2008 desencadearam uma dinâmica de rápida expansão financeira que ultrapassou as intenções das autoridades centrais da China. O estímulo por meio de investimentos locais em infraestrutura e propriedades, inicialmente ditado por Pequim, levou ao rápido acúmulo de dívidas nos instrumentos de financiamento dos governos locais. Essas plataformas de financiamento levantaram capital não apenas por meio de empréstimos bancários, mas também, cada vez mais, por meio de “produtos de gestão de patrimônio”, “produtos fiduciários” e outros instrumentos bancários paralelos de alto retorno e alto risco.

Essa última tendência chegou ao ápice em meados da década de 2010, com o colapso de vários instrumentos de investimento que deixaram os pequenos investidores impossibilitados de resgatar suas poupanças. Ao mesmo tempo, todo um setor de plataformas de fintech [tecnologia financeira, empresas do segmento bancário que operam majoritariamente por meio digital] baseadas na Internet havia se juntado ao crescimento do shadow banking [sistema bancário paralelo] chinês, sendo que as mais sombrias delas executavam esquemas de pirâmide sob o pretexto de fornecer financiamento entre pares (Peer-To-Peer – P2P).

Como a confiabilidade do crédito não bancário parecia declinar, grandes quantidades de fundos foram deslocadas, durante o primeiro semestre de 2015, para os mercados de ações de Xangai e Shenzhen, em busca de uma oportunidade alternativa de obtenção de dinheiro. Como era de se esperar, surgiram avaliações exageradas e uma paixão por ações de curta duração, seguidas por uma quebra abrupta. Embora os órgãos do governo tenham ordenado que as entidades estatais comprassem ações como forma de sustentar o mercado, ficou claro que a Comissão de Valores Mobiliários (CSRC) e o Banco Central estavam trabalhando em paralelo, implementando medidas contraditórias para lidar com a volatilidade financeira. Uma desvalorização equivocada do yuan pelo Banco Central em agosto de 2015, decretada após a derrocada do mercado de ações, desencadeou uma fuga significativa de capital que durou até 2016 – sendo apenas parcialmente contida pela aplicação mais rigorosa dos controles de capital.

Essas dificuldades financeiras da década de 2010 nos permitem entender o fato de o PCCh ter reformulado sua relação com as finanças a partir de 2017. Essa mudança política foi sinalizada por uma reunião de estudos do Politburo sobre “salvaguardar a segurança financeira nacional” em abril de 2017, que antecipou uma Conferência Nacional de Trabalho Financeiro convocada em julho do mesmo ano. Em ambos os eventos, Xi Jinping enfatizou o imperativo de lidar com o risco financeiro, declarando que “a segurança financeira é uma parte importante da segurança nacional”. Com relação ao papel específico do PCCh nas finanças, ele pediu o “fortalecimento da liderança do partido sobre o serviço financeiro” e a “manutenção da liderança centralizada e unificada do Comitê Central”. Desde então, esses ditames cuidadosamente medidos têm sido examinados em grupos de estudo de quadros e reiterados inúmeras vezes na mídia oficial.

Em nível institucional, a conferência de 2017 decidiu criar uma Comissão de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento (FSDC) subordinada ao Conselho de Estado (governo central da China). Instalada no Banco Central, mas não subordinada a ele, a FSDC foi encarregada do “projetamento de alto nível” (dingceng sheji – 顶层设计) em questões financeiras, uma frase intimamente associada à era Xi. Acima de tudo, o objetivo era orquestrar de forma mais eficaz o trabalho das agências reguladoras financeiras e do Banco Central, cuja ação descoordenada teria agravado a crise do mercado de ações de 2015. O vice-premiê Liu He, braço direito de Xi em assuntos econômicos na época, dirigiu a FSDC de 2018 até sua dissolução, em 2023.

Quando Xi iniciou seu segundo mandato como secretário geral, após o 19º Congresso do PCCh em outubro de 2017, as negociações de Pequim com o mundo das finanças se tornaram menos pacíficas. Na frente anticorrupção, os órgãos disciplinares do Partido Comunista da China intensificaram as investigações e as prisões no setor. Em 2018, um funcionário do partido no Banco Central chegou a declarar que uma “liga de gatos e ratos” estava minando o setor (os “gatos” se referiam aos reguladores, em conluio com os “ratos” financistas criminosos). Entre as notáveis prisões anticorrupção: o chefe do órgão regulador de seguros, Xiang Junbo, preso em 2017; o chefe do órgão regulador de valores mobiliários, Liu Shiyu, preso em 2019; o presidente da Huarong, uma gigante financeira controlada pelo Estado, Lai Xiaomin, preso em 2018 e executado em 2021; dois ex-presidentes do Hengfeng Bank, Jiang Xiyun e Cai Guohua, condenados à morte com uma prorrogação de dois anos em 2019 e 2020, respectivamente; o presidente do China Merchants Bank, Tian Huiyu, e um vice-governador do Banco Central, Fan Yifei, presos em 2022; e, mais recentemente, o ex-presidente do Banco da China, Liu Liange, preso em 2023.

A batalha financeira mais árdua do segundo mandato de Xi, no entanto, ocorreu em uma frente diferente; na vigorosa, embora seletiva, campanha de redução da dívida liderada por Guo Shuqing. De 2018 a 2023, Guo foi simultaneamente secretário do partido no Banco Central e chefe da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC), o que não é de forma alguma um cargo duplo típico. Na CBIRC, ele desencadeou uma “ventania regulatória” contra os segmentos menos favorecidos do sistema bancário paralelo. Suas ações conseguiram provocar uma reversão parcial da financeirização em produtos de gestão de patrimônio e plataformas de empréstimos entre pares (P2P), sendo que estas últimas foram declaradas extintas no final de 2020. Mais tarde, Guo desempenharia um papel central na inibição das ambições financeiras do fundador do Alibaba, Jack Ma, com uma listagem cancelada no mercado de ações para o Ant Group de Ma em outubro de 2020, seguida por uma aquisição parcial pelo estado de seu negócio de empréstimos e, finalmente, o término do controle de Ma sobre o grupo, anunciado no início deste ano.

No entanto, apesar dos alvos da Conferência Nacional de Trabalho Financeiro de 2017, o cenário financeiro da China dificilmente poderia ser descrito como estável no início do terceiro mandato de Xi como secretário geral, a partir do final de 2022. A ênfase no controle de riscos e na “segurança financeira nacional” não foi capaz, assim como a criação da Comissão de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento (FSDC), de impedir que novos picos de dívida corporativa ocorressem no conturbado setor imobiliário – uma fragilidade identificada por Guo em um artigo de 2020 como a maior ameaça iminente ao sistema financeiro. Três bancos falidos – Baoshang, Jinzhou e Hengfeng – também tiveram que ser resgatados pelo estado central em 2019. Isso foi seguido por uma aquisição regulatória de uma empresa de títulos futuros, duas empresas fiduciárias, duas corretoras de valores mobiliários e quatro seguradoras em julho de 2020.

Esses tremores financeiros persistentes podem explicar por que, em um movimento dramático em março de 2023, a FSDC foi abolida e suas funções transferidas para uma recém-criada Comissão Financeira Central (CFC) localizada não no Conselho de Estado, mas no Comitê Central do PCCh. Esse exemplo típico de substituição de estado por partido (yi dang dai zheng – 以党代政) da FSDC para a CFC parece ser o resultado lógico do apelo feito por Xi em 2017 no sentido de ampliar a autoridade do partido no setor financeiro – a existência da CFC serve explicitamente para “fortalecer a liderança centralizada e unificada do Comitê Central sobre o setor financeiro”, de acordo com os documentos do partido.

A CFC terá seu próprio escritório dentro do Comitê Central, que será compartilhado com a Comissão Central de Trabalho Financeiro (CFWC), também anunciada em março. A CFWC tem a tarefa de lidar com as questões do partido (desde a avaliação de quadros até a disseminação ideológica), deixando a liderança operacional do setor financeiro para a CFC. Na mesma ocasião, do lado do governo, a Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC) foi transformada em uma Administração Nacional de Regulamentação Financeira mais ampla, que, de acordo com a mídia chinesa, está planejando 3 mil inspeções de instituições financeiras este ano.

Três lições principais podem ser extraídas das vicissitudes políticas das finanças chinesas na última década. Em primeiro lugar, em contraste com o Ocidente, grande parte dos riscos está localizada dentro da esfera pública, ou seja, dentro do Estado em geral – abrangendo o partido, o governo e as empresas estatais. Embora a domesticação do proprietário de capital privado Jack Ma gere boas manchetes na imprensa financeira, trata-se obviamente de uma disputa desigual. Apesar de toda a popularidade de seu aplicativo Alipay como plataforma de pagamentos e empréstimos, os ativos do Ant Group de Ma, na véspera de sua cotação ser suspensa, somavam cerca de 40 bilhões de dólares americanos – menos de 1% dos 6 trilhões do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC). Rivalidades maiores estão ocorrendo nos próprios órgãos públicos, em linhas horizontais (por exemplo, o Banco Central versus agências reguladoras) e verticais (por exemplo, o Conselho de Estado versus governos provinciais). Como disse certa vez um estudioso perspicaz das hierarquias políticas e econômicas da China: “O setor financeiro da China é um importante campo de batalha para os atores políticos e econômicos mais poderosos, que tentam se beneficiar do seu controle sobre os ativos estatais. O setor financeiro pode, portanto, ser legitimamente tratado como parte integrante do sistema político”.

Uma segunda lição diz respeito à divisão de trabalho em desenvolvimento, entre o partido e o governo. A hierarquia dos comitês do PCCh é paralela à dos gabinetes do governo, sem nunca se fundir com ela. Os canais do partido – digamos, do Comitê Central para um comitê provincial do partido, ou do comitê do partido no Banco Central para o comitê do partido do Banco Industrial e Comercial da China – mantêm sua própria integridade para além – ou melhor, por trás –, das relações administrativas incorporadas na máquina do governo.

Desse ponto de vista, uma mudança significativa no equilíbrio entre o governo e o partido ocorreu no mundo das finanças sob o comando de Xi. Isso foi anunciado na Conferência Nacional de Trabalho Financeiro de 2017, o que acabou levando à criação da Comissão Financeira Central do partido em março deste ano. Esse desenvolvimento representa um afastamento da estrutura pré-existente na qual os “assuntos do partido” (dangwu – 党务) nas instituições financeiras – como seleção de quadros e anticorrupção – eram deixados para as organizações do partido, enquanto a supervisão dos “negócios profissionais” (yewu – 业务) era reservada aos órgãos governamentais. Agora, por outro lado, são duas novas comissões do Comitê Central que assumirão a respectiva liderança sobre os dois aspectos.

Implicitamente, isso parece confirmar que, no atual ciclo da política chinesa, o Conselho de Estado é considerado inadequado para assumir a liderança do que se considera ser os empreendimentos de maior prioridade do país. Isso ficou ainda mais evidente este ano, quando uma nova Comissão Central de Ciência e Tecnologia foi estabelecida no Comitê Central, juntamente com a Comissão Financeira Central (CFC) e a Comissão Central de Trabalho Financeiro (CFWC). De acordo com Xi, é melhor que o “projetamento de alto nível” em áreas importantes não seja deixado para o governo. Isso pode ser visto de forma negativa, sugerindo que um dos dois centros de poder da China passou a desconfiar do outro. Por outro lado, pode-se apontar que a “partidarização” das missões e escritórios do governo, se aplicada seletivamente, representa uma maneira eficaz de aumentar a importância atribuída às áreas prioritárias dentro dos parâmetros da configuração política da China. Essa última leitura é, como seria de se esperar, a preferida pela liderança atual. Nas palavras de Guo Shuqing: “Para realizar bem o trabalho financeiro, o princípio mais fundamental é manter a liderança centralizada e unificada do partido. Essa é a maior força do nosso sistema”.

A terceira e última lição a ser tirada é que “liderar o trabalho financeiro” na China, como o PCCh gosta de dizer, é e sempre será uma tarefa de Sísifo. Desde a década de 1990, quando a atual arquitetura financeira da China foi moldada por Zhu Rongji e seus associados, Pequim tem usado sua autoridade sobre as instituições financeiras e os circuitos financeiros como um meio de influenciar os desenvolvimentos no âmbito da economia política de forma mais ampla. O sistema financeiro foi colocado a serviço de objetivos mais extensos, simultaneamente econômicos e políticos. No entanto, nesse processo, o caráter do próprio Estado foi transformado, pois tanto o governo quanto o partido adotaram normas e lógicas financeiras e se reconfiguraram para acompanhar a impressionante expansão material do setor.

A última rodada de reformas do partido-estado, que inclui, mas não se limita, à criação da Comissão Financeira Central, reflete esse processo de incansável adaptação organizacional. Apesar de todas as idiossincrasias de cada geração de lideranças políticas, os padrões de reforma institucional se repetem de um ciclo para o outro. A centralização – que transfere a autoridade das cidades e províncias para Pequim – e a partidarização – que transfere a autoridade do Conselho de Estado para o Comitê Central – podem parecer marcas registradas da era Xi, mas o próprio Zhu Rongji recorreu a ambas, especialmente quando a Crise Financeira Asiática de 1997 levantou o espectro do risco financeiro iminente.

De uma geração para a outra, o crescimento desenfreado do capital financeiro foi enfrentado com sucessivas rodadas de reordenamento institucional. Essas são medidas iterativas, de caráter político e administrativo, necessárias para dominar uma dinâmica contínua de acumulação de capital. À medida que a expansão financeira na economia política chinesa atinge novos patamares, a resposta de Pequim está se tornando cada vez mais vigorosa, embora nunca seja suficiente para acompanhar seu ritmo.

(*) Nathan Sperber é PhD pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) em Paris e pesquisa a China no seu pós-doutorado na Fudan University’s School of Social Development and Public Policy.

(*) Tradução de Pedro Marin

Sidecar O Sidecar é o blog da revista New Left Review, fundado em 2020.

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