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África para os africanos

Devemos entender os líderes anticoloniais africanos sob uma nova luz: como atores que tinham opiniões influentes sobre o significado exato da modernidade
Frank Gerits
Exposição “Espíritos Africanos” de Samuel Fosso, no Musée du quai Branly – J. Chirac, em Paris. (Foto: Jean-Pierre Dalbéra / Flickr)

Na noite de 6 de março de 1957, enquanto Kwame Nkrumah enxugava suas lágrimas, ele declarou a independência da antiga colônia britânica da Costa do Ouro, rebatizada como Gana. O primeiro-ministro ganense proclamou que “a partir de agora, há um novo africano no mundo… pronto para lutar suas próprias batalhas e mostrar que, afinal, o homem negro é capaz de administrar seus próprios interesses”. De acordo com Nkrumah, a “Personalidade Africana” – composta por um africano confiante e independente – precisava ser promovida para que a versão africana da modernidade tivesse algum efeito. No entanto, as palavras de Nkrumah (assim como as declarações e ideias de outros líderes pós-coloniais) foram frequentemente rotuladas como inconsequentes, obscuras e utópicas. Numa versão alternativa, os líderes dos estados recém-independentes da África e da Ásia na década de 1950 foram vistos como forjadores de alianças frágeis entre si por medo de serem esmagados por impérios em declínio ou pelas superpotências em ascensão na Guerra Fria. Eles potencializaram seus interesses em um mundo bipolar, jogando a União Soviética e os EUA uns contra os outros.

Está claro que nosso pensamento sobre as relações internacionais ainda sofre de um foco míope na Europa e na Guerra Fria. Desde 1945, Washington e Moscou têm suas próprias esferas de influência na Europa Oriental e Ocidental e têm procurado dividir o resto do globo. O que está ausente nessas narrativas, entretanto, é a centralidade da ideologia e das visões de mundo na formação desses polos, algo que os historiadores já perceberam.

Após a queda do Muro de Berlim em 1989, os historiadores sustentam, os EUA saíram na frente após um impasse de quatro décadas com sua rival ideológica, a União Soviética. As duas superpotências estavam presas em uma competição ideológica pela alma da humanidade porque se consideravam defensoras do Iluminismo, um movimento intelectual do século 18 moldado por pensadores como Jean-Jacques Rousseau e John Locke, cuja obsessão pela modernidade e pela razão derrubou reis e rainhas na Revolução Francesa. Os EUA, que se viam como o império da liberdade, e a URSS, como o império da igualdade, canalizaram sua animosidade em uma batalha por corações e mentes na Europa durante a  Guerra Fria, pois as armas atômicas tornavam impossível uma guerra total. Quando o Sputnik, um satélite soviético, foi lançado ao espaço em 4 de outubro de 1957, as duas superpotências intensificaram sua batalha para provar a potência de seu próprio modelo social de modernização. A Agência de Informações dos Estados Unidos e a agência de propaganda da URSS, a Telegrafnoye Agentstvo Sovetskogo Soyuza (TASS), montaram exposições para mostrar quem estava na vanguarda da ciência e da tecnologia.

No Sul Global, as autoridades norte-americanas e soviéticas (e, a partir de 1963, as chinesas) queriam provar a eficácia de seu modelo de sociedade como remédio contra o subdesenvolvimento, forçando os líderes pós-coloniais a escolher entre uma dessas ideologias em sua própria luta contra a pobreza. Com a escolha de um aliado, vinha o dinheiro para o desenvolvimento. A tirania dessa escolha, segundo os historiadores, provocou guerras civis sangrentas entre facções opostas dentro de estados recém-independentes. Por exemplo, enquanto a guerra de independência contra Portugal esquentava nas décadas de 1960 e 1970, a Angola foi dilacerada pela luta entre o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), comunista, e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), anticomunista.

Nessa análise, a ação dos líderes do Sul Global limita-se, portanto, a aproveitar a Guerra Fria para maximizar os possíveis benefícios. Nkrumah foi visto como alguém que jogou o Oriente contra o Ocidente para obter o máximo de financiamento possível para a Represa Akasombo, um projeto hidrelétrico no Rio Volta que forneceria eletricidade para a indústria do alumínio e que ainda está em operação. Ao mesmo tempo, Nkrumah e outros membros da coalizão afro-asiática tentaram preservar uma posição não-alinhada: neutralidade entre os dois blocos da Guerra Fria, uma posição consagrada na Conferência de Belgrado de setembro de 1961 e na criação do Movimento dos Não-Alinhados. O Grupo dos 77 e a coalizão do Sul Global no atual Painel Climático da ONU afirmam ser seus sucessores. Nkrumah, que, como líder da Convenção do Partido Popular da Costa do Ouro, alcançou o estrelato político em 1952 por exigir independência imediata a seu país, supostamente só foi capaz de resistir ou explorar as pressões de um sistema internacional imutável e hostil que estava fora de seu controle.

Os historiadores da Guerra Fria consideram a crise do Congo, que eclodiu após 30 de junho de 1960, quando os colonizadores belgas se retiraram, como emblemática dessa dinâmica. Depois de um discurso contundente do primeiro-ministro Patrice Lumumba condenando o racismo do colonizador belga no Dia da Independência, os soldados se revoltaram, a província de Sud-Kasai e a província de Katanga, rica em minérios, se separaram, e Lumumba pediu ajuda aos soviéticos porque achava que as tropas da ONU estavam protelando sua ação. Com suas medidas, Lumumba deu início a uma era de competição entre os EUA e a União Soviética no continente, enquanto pan-africanistas mais experientes, como Nkrumah, que haviam enviado tropas no contexto da operação da ONU no Congo, perceberam que não podiam mais se ater à neutralidade da Guerra Fria. Depois que Lumumba, aliado pan-africanista de Nkrumah, foi assassinado, ele adotou cada vez mais o modelo soviético e, ao mesmo tempo, recebeu ajuda para sua represa Akosombo do então presidente dos EUA, John F. Kennedy, e do empresário norte-americano Edgar Kaiser. Dependendo de a quem você perguntasse, Nkrumah era tachado de comunista ou capitalista, uma ambiguidade que o líder ganense explorou para garantir a sobrevivência de seu estado recém-independente.

No entanto, essa narrativa restringe a habilidade diplomática de líderes como Nkrumah à sua capacidade de praticar a realpolitik. Sob ela, os profundos compromissos ideológicos e as visões de futuro que animaram a luta contra o império foram supostamente deixados de lado assim que os líderes pós-coloniais entraram na arena internacional. No entanto, como revelam os discursos noturnos de Nkrumah e os arquivos de Gana, a disseminação da modernidade pan-africana era um objetivo fundamental da política externa de Acra nas décadas de 1950 e 1960. Diferentemente das potências do Norte Global, os líderes africanos acreditavam que a missão civilizadora – a crença de que os brancos precisavam desenvolver psicológica e economicamente os não brancos, incapazes de se autogovernar – e não a tradição, era inimiga do progresso.

Surpreendentemente, essa ambição de corrigir a modernidade europeia adotando uma imagem idealizada e “autêntica” do passado, algo que Nkrumah chamou de “Personalidade Africana”, não seguia as leis da realpolitik da Guerra Fria. A modernidade pan-africana não surgiu em oposição ou alinhamento com a ideologia norte-americana ou soviética. Em vez disso, Nkrumah e outros lutadores pela liberdade no continente africano compartilhavam uma ambição comum de alcançar a modernidade anticolonial e tornar real a promessa da Revolução Haitiana. Em 1791, um carismático general negro, Toussaint Louverture, organizou uma revolta na possessão colonial francesa de São Domingos (na região do atual Haiti) depois de o Estado napoleônico ter revertido a abolição da escravidão, efetivamente limitando aos brancos os valores revolucionários franceses de liberdade e igualdade. Os valores que os impérios europeus e as superpotências da Guerra Fria transformaram no núcleo de seus respectivos modelos sociais, e que os levaram a colonizar e intervir em sociedades além de suas fronteiras, foram, desde o início, alvo de resistência, por serem excludentes e racistas.

Portanto, devemos entender Nukrumah e outros líderes anticoloniais sob uma nova luz – não como um grupo desarticulado de homens e mulheres que resistiram às pressões da Guerra Fria, mas como atores que tinham opiniões influentes sobre o significado exato dos valores do Iluminismo que estruturaram o século 20. Os intelectuais anticoloniais eram revolucionários do século 19 que queriam traçar uma rota inclusiva para o progresso prometido pela Revolução Haitiana, e os Estados independentes lhes proporcionaram essa oportunidade. Eles não eram muito diferentes de outros revolucionários que também haviam incorporado com sucesso suas crenças nos Estados recém-criados que suas revoluções lhes proporcionaram. Os marxistas da União Soviética queriam atingir os objetivos da Revolução Bolchevique, os capitalistas dos EUA estavam ansiosos por exportar as ideias da Revolução Americana e os imperialistas dos estados-nação europeus buscavam disseminar os benefícios da Revolução Industrial.

Os nacionalistas africanos da década de 1950 estavam imersos na tradição intelectual revolucionária haitiana por meio das Índias Ocidentais francesas e britânicas. O economista de Santa Lúcia, Arthur Lewis, foi levado a Gana para elaborar uma estratégia de desenvolvimento econômico alinhada com a cultura e a história pré-colonial da África, porque ele ficou famoso por não aderir a uma única teoria de desenvolvimento econômico e por dar mais importância às características sociológicas e históricas das sociedades subdesenvolvidas. Nkrumah acreditava que a modernização e a industrialização eram ferramentas poderosas que haviam sido usadas por pessoas que erroneamente acreditavam que a modernidade significava o fim da tradição, e não o fim da missão civilizatória. Portanto, a ajuda externa poderia ser aceita de todos os lados, mas sempre deveria ser acompanhada pela educação ideológica a serviço da libertação psicológica: a libertação dos africanos do complexo de inferioridade da missão civilizatória.

Enquanto sustentava a economia de Gana com fundos britânicos, americanos e soviéticos, o Gabinete do Presidente de Gana priorizou a produção de “The Ghanaians” (Os Ganeses), um filme que incitava os países africanos a seguirem a Gana moderna, mostrando estudantes interagindo com seus professores em um prédio que ainda estava em construção. Desenhos animados e cartões postais evocavam um rico passado africano. Nkrumah instruiu os combatentes da liberdade que participaram da Conferência de Todos os Povos Africanos em Acra, em 1958, a não ignorar o “lado espiritual da personalidade humana”, porque as “necessidades materiais” dos africanos os tornavam vulneráveis à subjugação. A libertação da psique africana também guiou o líder queniano Tom Mboya, que afirmou que os quenianos eram “capazes de perceber as segundas intenções” daqueles que ofereciam ajuda, enquanto Julius Nyerere, da Tanzânia, queria que a educação libertasse o corpo e a mente porque a “educação colonial” havia “induzido atitudes de discriminação humana”.

O centro nevrálgico da libertação psicológica e cultural do império era o Escritório de Assuntos Africanos de Gana. Com sua gráfica, biblioteca, secretaria linguística, sala de conferências e seção de publicações, ele tinha de divulgar a ” Personalidade Africana”, a noção de que os africanos deveriam abraçar a cultura africana e rejeitar o complexo de inferioridade colonial. Ao unir o continente, o segundo pilar da modernidade pan-africana, os africanos poderiam ser protegidos de alternativas ideológicas e a liberação psicológica poderia ser acelerada. Em “Pan-Africanismo ou Comunismo? A luta vindoura pela África”, George Padmore, um dos conselheiros mais próximos de Nkrumah, procurou criar uma ideologia pan-africana autônoma mais capaz de enfrentar o desafio do subdesenvolvimento. Os esquemas pan-africanos e pan-árabes eram classificados paralelamente ao imperialismo, ao comunismo ou ao capitalismo, e não eram entendidos apenas em termos políticos ou raciais, mas vistos como modelos alternativos de desenvolvimento. Mesmo para o astuto teórico Immanuel Wallerstein, isso era evidente. “A força do impulso pan-africano”, escreveu ele em 1961, tinha de ser “atribuída precisamente ao fato de ser uma arma dos modernizadores”. Se o projeto pan-africano fracassasse, a modernização também sofreria um retrocesso.

Sob um céu repleto de fogos de artifício na véspera da independência, Nkrumah já havia deixado claro o quanto sua visão de mundo era total e o que estava em jogo. A questão da independência seria “sem sentido” a menos que estivesse “totalmente ligada” à do “continente”. O ministro das finanças Komla Agbeli Gbedemah estava de acordo, declarando durante sua visita à Índia em setembro de 1957 que a liberdade era “indivisível”. Nas palavras do Comitê de Direção da Conferência do Povo Africano: a “paz estável” era impossível em um mundo que era “politicamente meio independente e meio dependente”. Se o anticolonialismo de Gana parasse em suas fronteiras, o país não conseguiria permanecer independente. A modernidade pan-africana tinha um foco continental, mas aspirava a refazer o mundo como um todo. Nas palavras de C.L.R. James, “a modernização necessária no mundo moderno” só poderia ser alcançada a partir “de uma perspectiva africana”.

Gana não hesitou em projetar sua marca de modernidade anticolonial em outras partes da África. Para converter a força simbólica de Gana em influência real, Nkrumah e seus ministros desenvolveram uma estratégia de rede. Depois de tecer teias de combatentes pela liberdade, os ativistas políticos convenceriam a população em geral e, uma vez no poder, fixariam seu foco em Acra, levando à unidade africana. Para isso, Acra foi convertida em uma Meca revolucionária, e a Conferência dos Estados Africanos Independentes (CIAS), realizada em abril de 1958, bem como a Conferência do Povo Africano, realizada no final do mesmo ano, foram organizadas para atrair líderes e ativistas. Em novembro de 1959, Nkrumah anunciou seu plano de converter o Winneba Party College em um instituto onde membros destacados de todos os movimentos nacionalistas pudessem ser treinados para “propagar” a “essência da unidade africana […] em todo o continente africano”. Esse local, que se tornou o Instituto Ideológico Kwame Nkrumah e também a Escola de Treinamento de Jovens Kwame Nkrumah e a Brigada de Construtores para desempregados, era um exemplo do modelo de modernização de Gana, que mesclava a cultura e o progresso africanos. Como a maioria dos alunos vinha de outros países africanos que não eram necessariamente adeptos do socialismo, o Escritório de Assuntos Africanos, que havia elaborado um programa de treinamento de dez semanas, decidiu retirar o socialismo do currículo. Em vez disso, as técnicas de relações públicas e os cursos sobre organização de partidos políticos – com temas como eleições, filiais do partido e veículos de propaganda – foram colocados em primeiro plano para fortalecer o impulso em direção à unidade africana e incentivar a Personalidade Africana.

Os conceitos de “imunização” e a “vacinação” eram comumente utilizados pelos especialistas em guerra psicológica da Europa e dos EUA na década de 1950, mas também foram empregados depois de 1960 pelos nacionalistas africanos, que perceberam uma possível ameaça à autêntica cultura africana e se preocuparam com as consequências da interferência. Nkrumah acreditava que os ganenses e os africanos precisavam ser imunizados contra ideias estrangeiras e que o continente deveria ser protegido da propaganda neocolonial – a mais recente versão de uma longa história de exploração continental que se originou com o comércio de escravos e evoluiu para o projeto colonial. Da mesma forma, Hastings Banda, do Malaui, foi inflexível quanto à singularidade africana, El Ferik Ibrahim Abboud, do Sudão, definiu a “ideologia política” como um tipo de intrusão porque levava à “doutrinação política”, e Haile Selassie falou sobre o “ingurgitamento” – um processo gradual que destruía a identidade. Uma posição não alinhada, portanto, tinha de incluir uma resistência ativa contra as ideologias não africanas e a intrusão neocolonial. Os africanos tinham de ficar atentos aos neocolonialistas, que, mesmo após a independência, procuravam minar a África para obter seus próprios ganhos por meio de todos os tipos de atividades subversivas, desde a penetração econômica e a assimilação cultural até a dominação ideológica e a infiltração psicológica.

Uma visão de mundo na qual os neocolonialistas poderiam minar psicológica e culturalmente a Personalidade Africana, e não a Guerra Fria, foi o que moldou o entendimento de Nkrumah sobre o não-alinhamento. Nkrumah sempre evitou explorar a rivalidade da Guerra Fria, porque “quando os elefantes brigam, é a grama que é pisoteada”. Jogar a URSS e os EUA um contra o outro não traria benefícios, mas resultaria na destruição de nações fracas e tornaria mais difícil alcançar a unidade africana. Embora líderes como Julius Nyerere também tenham expressado seu medo de se tornarem grama pisoteada, a Doutrina Monroe de Nkrumah para a África tornou a postura de Acra distinta. Em um discurso ao Congresso em 1958, Nkrumah relacionou sua leitura de “África para os africanos”, de Marcus Garvey, com a doutrina da política externa dos EUA de 1823: “Nossa atitude […] é muito parecida com a dos Estados Unidos ao observar as disputas da Europa no século 19. Não queremos nos envolver”. Mesmo depois do assassinato de Lumumba, em janeiro de 1961, os arquivos mostram que Nkrumah não queria desistir de sua posição não alinhada, apesar de uma assistência externa ter procurado convencê-lo a “jogar o Oriente contra o Ocidente”. Dentro dos círculos pan-africanos em Gana, o assassinato de Lumumba foi visto como uma justificativa da visão de que a África precisava se unir se quisesse proteger seu próprio caminho para o progresso. A crise do Congo não foi uma derrota, mas a prova de que “o regime colonial” estava “dando seu último suspiro”.

O Oriente e o Ocidente foram impedidos de usar Gana como um “fórum de propaganda” depois que Nkrumah soube que planos de guerra psicológica eram desenvolvidos em reuniões da OTAN. O secretário permanente do Ministério das Relações Exteriores, Michael Dei-Anang, ordenou uma investigação sobre os comunicados de imprensa de todas as embaixadas em Acra depois de se deparar com um projeto de pesquisa dos EUA sobre métodos psicológicos “usados pelos capitalistas e colonialistas para conquistar os ganenses”. Nkrumah também tentou convencer pessoalmente outros líderes africanos da necessidade de imunizar suas populações contra o neocolonialismo. Em uma carta a Nyerere, em dezembro de 1961, Nkrumah escreveu sobre como uma integração econômica africana bem-sucedida dependia de uma “direção política estável”, que somente um projeto ideológico comum poderia proporcionar. Em uma carta ao líder queniano Jomo Kenyatta, Nkrumah disse que a opinião pública tinha de ser administrada porque a imprensa era uma “arma mortal” que permanecia no arsenal dos imperialistas e exigia um “antídoto eficaz”. Ele se ofereceu para enviar um especialista da Guinea Press, uma corporação patrocinada pelo governo, para ajudar os jornalistas locais.

A história de Gana mostra como os líderes do Sul Global não surgiram nos acontecimentos mundiais apenas após a queda do Muro de Berlim ou como consequência do crescimento econômico explosivo dos anos 2000. Ao contrário, eles sempre estiveram envolvidos em lutas pela direção do globo. Os líderes nacionalistas não foram apenas forçados a escolher entre um polo capitalista ou comunista, mas procuraram corrigir e melhorar a modernidade europeia eliminando o racismo e o desdém pela cultura pré-colonial e promovendo seu próprio projeto de modernização anticolonial, que via a cultura pré-colonial não como um obstáculo, mas como uma pré-condição para um desenvolvimento eficaz.

O reconhecimento dessa história nos ajuda a ver a influência duradoura das críticas anticoloniais expostas por países que bradam contra o neocolonialismo, como a China, a Índia ou o Brasil, como algo mais do que simples hipocrisia. A atitude desafiadora é uma expressão de ideias profundamente enraizadas sobre uma versão melhor da modernidade, que fazem parte do século 20 tanto quanto o comunismo e o capitalismo. Os debates sobre justiça climática e justiça social não são, portanto, um terreno fértil para a multipolaridade, mas simplesmente um lembrete de que existem vários caminhos para a modernidade desde que a modernidade e o progresso foram classificados como objetivos políticos após a Segunda Guerra Mundial.

(*) Frank Gerits é professor-assistente na Universidade de Utrecht (Holanda) e pesquisador do Grupo de Estudos Internacionais da University of the Free State, na África do Sul.

(*) Tradução de Pedro Marin

Africa is a Country O Africa is a Country é um site de opinião e análise sobre e a partir da esquerda africana fundado por Sean Jacobs em 2009.

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