Pesquisar
,

A geopolítica do Brics

Apesar de críticas, o Brics já respondem por ¼ do PIB mundial, 42% da população do mundo, ⅓ do território do globo e cerca de 20% do investimento global

Aníbal García Fernández
Foto oficial dos líderes do BRICS durante a XV Cúpula do bloco. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A 15ª Cúpula do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, foi realizada em Joanesburgo, África do Sul, de 22 a 24 de agosto. A declaração final do bloco aventa a possibilidade de adoção de moedas nacionais no comércio internacional, pede uma reforma do Conselho de Segurança da ONU e das Instituições Financeiras Internacionais e determina a inclusão do Egito, Argentina, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos no bloco a partir de 2024.

A seguir, descrevemos a agenda do encontro e contextualizamos a importância do Brics na atual disputa geopolítica.

A importância do Brics

O Brics respondem por 25% do PIB mundial, pouco menos que o PIB do G-7 (27%). Os países do bloco respondem ainda por 16% do comércio global, 42% da população mundial, um terço do território mundial e cerca de 20% do investimento global.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do bloco dispõe de 100 bilhões de dólares. Atualmente, 32,8 bilhões de dólares estão destinados a financiar 96 projetos aprovados. Seus objetivos incluem: promover projetos de infraestrutura e desenvolvimento; estabelecer uma rede de alianças com outras instituições multilaterais e bancos de desenvolvimento; e garantir o equilíbrio geográfico dos projetos. Além dos países do Brics, é composto pelo Egito, Emirados Árabes, Bangladesh e Uruguai.

O NBD tem a característica de financiar projetos nas moedas dos membros. Entre 2016 e 2023, foram aprovados projetos financiados em renminbi (RMB), dólares e na moeda da África do Sul, o rand (ZAR). Em RMB, foram financiados 9 projetos no valor de 4,2 bilhões, e em ZAR há 4 projetos no valor de 11,3 bilhões. Em dólares, há 55 projetos no valor de 4,2 bilhões de dólares no Brasil (18), China (3), Índia (16), Rússia (11) e África do Sul (7).

Participação no evento

Estiveram presentes os presidentes da China (Xi Jinping), Índia (Narendra Modi), África do Sul (Cyril Ramaphosa) e Brasil (Lula da Silva). A Rússia foi representada pelo ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, pois o presidente Vladimir Putin tem um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) – do qual a África do Sul é membro – e estaria obrigada a prendê-lo por ter assinado o Estatuto de Roma. Nenhum presidente do Norte global foi convidado. Essa é a primeira reunião presencial do bloco desde 2020.

Trinta e quatro países participaram e 20 líderes internacionais também foram convidados, incluindo o secretário-geral da ONU, o presidente da Comissão da União Africana e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff. 67 dirigentes de alto nível da África e do Sul Global também estiveram presentes para participar dos diálogos Brics-África e Brics Plus.

Cuba participou pela primeira vez do evento do Brics. O presidente Miguel Díaz-Canel preside o Grupo dos 77 e China, um bloco que busca uma agenda concertada com o Brics.

Agenda

No primeiro dia da cúpula, 22 de agosto, foi realizado o Fórum Empresarial.

– Lula da Silva mais uma vez enfatizou a urgência de se rejeitar um colonialismo verde que impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias. Ele esclareceu que o Brics não são um contraponto ao G7 ou ao G20, mas uma organização do Sul global para atuar em pé de igualdade. Ele apoiou ainda a adoção de uma moeda de referência para o bloco.

– Vladimir Putin enviou sua participação em um vídeo no qual denunciou a gravidade das sanções econômicas contra a Rússia. Ele destacou o processo de desdolarização do grupo, já que o comércio em dólares dentro do Brics representou 28,7% em 2022.

– Ciryl Ramaphosa enfatizou a importância de reformar as instituições financeiras globais.

– Wang Wentao, ministro do Comércio da China, que participou do Fórum Empresarial, afirmou que a expansão do Brics é um esforço para ampliar a arquitetura da paz e do desenvolvimento.

No dia 23, houve duas sessões: a primeira foi com os líderes do bloco, a portas fechadas, juntamente com dez representantes de cada delegação. Eles discutiram geopolítica, segurança, finanças e economia; a segunda sessão incluiu representantes do Conselho Empresarial, da Aliança Empresarial Feminina e do NBD, com relatórios apresentados por essas organizações. Uma declaração final foi adotada ao término da cúpula.

Declaração final: aspectos mais relevantes

– Os países participantes do grupo consideram a possibilidade de adotar moedas nacionais no comércio internacional e entre os membros do grupo. Há também o fortalecimento de medidas macroeconômicas coordenadas e a promoção de instrumentos de pagamento locais.

– Solicitam o fortalecimento da segurança alimentar e energética.

– Propõem a reforma de instituições multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, para incluir países do Sul Global, bem como a reforma das instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial).

– Compartilham sua preocupação com a situação na região do Sahel, no Sudão e na Líbia e defendem uma solução duradoura e aceitável para a questão do Saara Ocidental.

– Eles reconhecem o papel fundamental do NDB na promoção de infraestrutura. Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos aderem ao Banco.

– Propõem o estabelecimento de uma Rede de Centros de Estudos Financeiros; para esse fim, serão designados os principais centros de estudos dos países membros.

– Reafirmam a implementação da Agenda 2030, a implementação do Acordo de Paris e outros mecanismos para mitigar as mudanças climáticas.

– É assinado um acordo entre as agências espaciais dos membros do Brics para compartilhar dados de satélite.

– Concordam em incluir a Argentina, o Egito, a Etiópia, o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos como membros do bloco a partir de 2024.

– Reiteram suas posições nacionais sobre a guerra na Ucrânia e tomam nota das propostas de mediação para a resolução pacífica do conflito.

– Expressam sua preocupação com a situação no Haiti e pedem a construção de um consenso entre as forças políticas locais.

Diferenças entre o Brics

– A China tem pressionado para expandir o Brics e tem colocado a questão na agenda desde 2022. A Rússia, por outro lado, defende a expansão gradual do bloco. A Rússia também expressou divergências sobre a criação de uma moeda comum. A África do Sul apoia a expansão.

– É importante considerar as disparidades econômicas entre os membros. A China sozinha responde por 71% do PIB do Brics. O grupo poderia ser dividido em potências e potências médias. A principal potência seria a China, com um PIB de 16,3 trilhões de dólares, seguida pela Rússia, com 1,4 trilhão de dólares. As potências médias são a Índia, com 2,9 trilhões de dólares, o Brasil, com 1,9 trilhão de dólares e a África do Sul, com 360 bilhões de dólares.

– Os países membros do Brics têm relações relevantes com os EUA e a União Europeia, como é o caso da Índia, do Brasil e da África do Sul. Além disso, todos eles são membros do G-20.

A geopolítica do Brics

O Brics formam uma proposta geopolítica multipolar que visa a expansão dos países em espaços geográficos relevantes, por exemplo, Índia e China no Indo-Pacífico; África do Sul, Brasil – e agora Argentina – no Atlântico Sul. Esses dois espaços são atualmente disputados pelos EUA e pela China.

– A expansão também envolve países que são relevantes em termos de minerais estratégicos e energia. O Brics mais o Irã, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita controlariam 41% das reservas comprovadas de petróleo, 53,1% das reservas comprovadas de gás natural e 40,4% das reservas de carvão.

– Em termos de minerais, a entrada da Argentina no Brics significa que o grupo é responsável por 32,1% das reservas de lítio. A China controla 77% da produção mundial de baterias de lítio, detém 80% das reservas mundiais de terras raras e produz 56% do aço do mundo.

– O Brics também são uma potência exportadora de produtos agrícolas: a China é o principal exportador, o Brasil é o terceiro, a Índia é o quarto e a Rússia é o quinto.

Disputa na África

– A participação dos países numa cúpula do Brics na África do Sul é ainda mais relevante considerando os recentes conflitos na região do Sahel e o contexto de mudanças no fornecimento de energia na Europa e na Ásia devido à guerra na Ucrânia.

– O investimento estrangeiro direto na África em 2021 atingiu 83 bilhões de dólares, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), com destaque para os setores de energia e mineração. A China investiu 7,35 bilhões de dólares em 2020, de acordo com o Relatório Anual de Relações Econômicas e Comerciais China-África. A Europa investiu 223 milhões de dólares em 2020.

– A Rússia, por sua vez, tem acordos de cooperação técnico-militar com 40 países africanos. Enquanto isso, a China formou o Primeiro Fórum China-África sobre Segurança e Defesa em 2018. Desde 2017, a China tem a primeira base naval estrangeira em Djibouti, um país estratégico, pois está localizado em um estreito marítimo em direção ao Canal de Suez, por onde passam 25% das exportações mundiais, principalmente petróleo.

– Por fim, há pelo menos 15 empresas petrolíferas europeias com presença na África, incluindo BP, Shell, Total e Premier Oil. Os EUA têm 7 empresas de petróleo, incluindo Exxon, Chevron e ConocoPhillips.

CELAG Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica

Continue lendo

Novo mapa-múndi do IBGE "inverte" representação convencional. (Foto: Reprodução)
O IBGE e os mapas
Cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial sobre o fascismo. Praça Vermelha, Rússia - Moscou. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
80 anos depois: lembrando a derrota do fascismo ou testemunhando seu retorno?
Robert Francis Prevost, o papa Leão XIV, se dirige aos fiéis no Vaticano durante sua posse. (Foto: Mazur / cbcew.org.uk / Catholic Church England and Wales / Flickr)
Frei Betto: o legado de Francisco e os desafios do papa Leão XIV

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina