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Como os países se preparam para o crescimento e o declínio populacional

No mundo todo, diversas iniciativas estão sendo introduzidas pelos governos para gerenciar as flutuações populacionais
John P. Ruehl
No início de 2023, a Índia ultrapassou a China como o país mais populoso do mundo. (Foto: Mehmet Turgut Kirkgoz / Pexels)

No início de 2023, a Índia ultrapassou a China como o país mais populoso do mundo, com a China tendo 850 mil pessoas a menos ao final de 2022, marcando o primeiro declínio populacional do país desde a crise de fome de 1959 a 1961. Embora essa redução possa parecer modesta, considerando a população atual de 1,4 bilhão de chineses, espera-se um declínio contínuo, com projeções da ONU sugerindo que a população da China poderá diminuir para menos de 800 milhões até 2100.

As populações se alteram por meio de imigração, emigração, mortes e nascimentos. A política anterior de um filho único da China, aplicada de 1980 a 2015, e o desequilíbrio de gênero resultante dela reduziram a taxa de natalidade. O governo chinês está tentando aumentar as taxas de natalidade, inclusive desencorajando o aborto.

O modelo malthusiano de crescimento populacional, proposto nos anos 1700, sugeria que as populações cresciam exponencialmente e superavam a disponibilidade de recursos até que controles inevitáveis, como fome, doenças, conflitos ou outros problemas, fizessem com que a população diminuísse. Durante as altas taxas de crescimento da população global no início da década de 1960, essas preocupações eram constantes. No entanto, em todo o mundo, o crescimento populacional diminuiu drasticamente e, na China e em muitos outros países, o declínio natural já está em andamento.

Um estudo de 2020 publicado na revista médica Lancet revelou que, com base nas tendências populacionais atuais, mais de 20 países estão a caminho de reduzir suas populações pela metade até 2100. O think tank Pew Research, por sua vez, declarou que 90 países verão suas populações diminuírem até 2100, enquanto o Centro de Especialização em População e Migração (CEPAM) prevê que a população global atingirá o pico de 9,8 bilhões por volta de 2070 a 2080.

O medo de uma população cada vez menor e mais velha atinge tanto governos quanto economistas. Pagamentos maiores para os sistemas de previdência e bem-estar social sobrecarregarão uma força de trabalho reduzida, ao passo que as populações mais jovens contribuem mais para o crescimento econômico e a inovação. Os países também podem sofrer uma redução em sua influência global, principalmente por causa de uma menor população disponível para o serviço militar.

Há várias métricas que medem a fertilidade e as taxas de natalidade, mas a taxa de fertilidade total (TFR), que mede o número de filhos que uma mulher terá durante sua vida, é a mais usada. No entanto, atingir taxas de fertilidade de nível de reposição, normalmente 2,1 filhos por mulher, tem se mostrado um desafio.

O declínio nas taxas globais de fertilidade pode ser atribuído a mudanças sociais e culturais, iniciativas de planejamento familiar, maior acesso a métodos contraceptivos, melhores taxas de mortalidade infantil, aumento do custo da criação dos filhos, urbanização, casamentos e partos adiados devido a demandas educacionais e profissionais e sistemas de bem-estar social que reduzem a dependência do apoio familiar.

Um exemplo disso é o Japão, cuja população atingiu o pico de 128 milhões em 2008 e, desde então, diminuiu para menos de 123 milhões. É estimado que a população se reduza até 72 milhões, visto que esse declínio é sustentado por uma baixa taxa de fertilidade, pelo envelhecimento da população (quase 30% da população tem 65 anos ou mais) e pela imigração limitada. As iniciativas para desacelerar esse declínio incluem mudanças nas leis de imigração e “encontros de solteiros” patrocinados pelo governo.

Curiosamente, apesar de ter atingido uma baixa recorde em 2022, a TFR (total fertility rate – taxa de fertilidade total) do Japão agora é maior do que a da China e da Coreia do Sul. Desde 2006, a Coreia do Sul investiu mais de 200 bilhões de dólares na criação de creches públicas, berçários gratuitos, cuidados infantis subsidiados e outras iniciativas para aumentar sua TFR. Porém, com 0,78, a TFR da Coreia do Sul continua sendo a mais baixa do mundo. O governo da Coreia do Sul também introduziu reformas na imigração no início do século XXI, ao mesmo tempo em que liderava o mundo em automação, com 1 mil robôs para cada 10 mil funcionários – mais do que o dobro do segundo colocado, o Japão.

Na Europa, os esforços para aumentar a população vêm ocorrendo há décadas. Por exemplo, a Romênia criminalizou o aborto e proibiu a contracepção, exceto em determinadas condições médicas, em 1966. Consequentemente, os abortos ilegais aumentaram e, como resultado, a Romênia teve a maior taxa de mortalidade materna da Europa na década de 1980. Embora a TFR da Romênia tenha se estabilizado em 2,3 no final da década de 1980, ela entrou em colapso na década de 1990, junto com o êxodo da população por meio da emigração, que se manteve após a adesão da Romênia à União Europeia em 2007.

Outras nações do Leste Europeu sofreram declínios semelhantes na TFR e na emigração. Em contraste, os países da Europa Ocidental conseguiram crescer ligeiramente desde 2000, mas em grande parte apenas devido à imigração. Mesmo assim, países como a Itália registraram declínio populacional, estimulando iniciativas do governo para oferecer casas a estrangeiros por apenas 1 euro, em um esforço para repovoar pequenas cidades.

Os EUA têm uma média de idade mais baixa do que a maioria dos países europeus e registraram uma recuperação nas taxas de TFR nos anos 2000. Mas esse índice caiu após a recessão de 2008 e nunca mais se recuperou. E, ao contrário dos países europeus, a expectativa de vida continuou diminuindo após a COVID-19. A imigração atenuou esses problemas, mas, como na Europa, a imigração se tornou um tema cada vez mais polêmico, e a taxa de crescimento populacional dos EUA diminuiu consideravelmente. Embora não haja uma política oficial para aumentar as taxas de natalidade, os EUA promovem iniciativas de planejamento familiar no exterior. Enquanto isso, as administrações republicanas e democratas têm oscilado desde 1984 entre a aplicação e a revogação da Política da Cidade do México, exigindo que as ONGs estrangeiras não “realizem ou promovam ativamente o aborto como método de planejamento familiar” para receber financiamento do governo dos EUA para iniciativas de planejamento familiar.

A TFR da Rússia enfrentou uma rápida queda após o colapso da União Soviética, atingindo o mínimo de 1,16 em 1999 e causando um declínio populacional. No entanto, as iniciativas do governo fizeram com que ela se recuperasse para 1,8 em 2014, antes de cair novamente. O Kremlin anunciou uma TFR desejada de 1,7 em 2020 e aumentou os pagamentos para pais de pelo menos dois filhos. Para estabilizar ainda mais sua população, a Rússia também se baseou na imigração e na aquisição de partes da Ucrânia.

As políticas de natalidade do Irã flutuaram nas últimas décadas. Durante a década de 1950, o Irã implementou controles de fertilidade, mas os aboliu após a revolução islâmica de 1979. No entanto, eles foram reintroduzidos no final da década de 1980 para aliviar a pressão sobre a economia. Antes vista como uma “história de sucesso“, a TFR do Irã caiu mais rápido do que o previsto, para 1,6 em 2012. Naquele ano, o governo iniciou tentativas de aumentar a taxa de natalidade limitando o acesso ao controle de natalidade, aborto e vasectomias.

Embora a Índia agora detenha o título de país mais populoso do mundo, sua TFR está abaixo do nível de reposição. No entanto, sua população continuará crescendo, num movimento impulsionado por uma população grande e jovem – uma característica demográfica cada vez mais comum no Sul Global. Embora a projeção seja de que a população indiana comece a diminuir na década de 2060, a Índia está atualmente lidando com sua população jovem por meio de iniciativas como a promoção de oportunidades de emprego no exterior.

Os perigos da não utilização de uma grande população ativa vão além do potencial econômico não realizado. Sem perspectivas econômicas, as grandes populações jovens podem gerar uma significativa agitação social e política. O vizinho Paquistão está tentando reduzir o crescimento de sua população para evitar o aumento das pressões sobre os recursos, a infraestrutura, a educação e os sistemas de saúde.

As preocupações do Paquistão são semelhantes às de grande parte da África. Além do Afeganistão, os 20 principais países com a maior TFR estão todos localizados na África. Se prevê que a população da Nigéria cresça dos atuais 213 milhões para 550 milhões em 2100, enquanto algumas projeções preveem metade de todos os nascimentos do mundo ocorrerão na África entre 2020 e 2100. Mesmo assim, os programas de planejamento familiar ajudaram a desacelerar o crescimento populacional nos últimos anos em todo o continente.

Em contraste, a experiência de países onde as campanhas de apoio à fertilidade tiveram algum sucesso (incluindo Alemanha, República Tcheca e Hungria) sugere que incentivos financeiros diretos, isenções fiscais, creches baratas/gratuitas, licenças maternidade/paternidade generosas, assistência habitacional e abordagens mais flexíveis para o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal são bem-sucedidos na interrupção do declínio.

Embora a igualdade de gênero tenha sido frequentemente citada como uma barreira para o aumento das taxas de natalidade no passado, esse parece não ser mais o caso. Mulheres com alto nível de instrução tinham a menor taxa de fertilidade nos EUA em 1980, por exemplo, mas isso não era verdade em 2019. Além disso, a TFR da Mongólia diminuiu de 7,3 filhos por mulher em 1974 para menos de dois em 2005. Mas as taxas de natalidade da Mongólia aumentaram para cerca de três filhos por mulher em 2019, apesar das mulheres da Mongólia estarem se tornando mais instruídas, cada vez mais representadas em campos tradicionalmente dominados por homens e tendo acesso a melhores serviços de saúde materna rural.

No entanto, o recente boom populacional da Mongólia resultou em lotação de escolas, poluição, problemas de moradia e outras questões, e aponta para a necessidade de abordagens flexíveis para o crescimento, o declínio e a estabilização da população.

Com uma idade média na Europa de 44,4 anos e uma idade média de cerca de 19 anos na África, diferentes partes do mundo exigirão medidas distintas para lidar com a flutuação do número de habitantes neste século. A China não está sozinha na percepção de que envelhecerá antes de enriquecer, e esses países desenvolverão seus próprios métodos para lidar com o envelhecimento das sociedades. Deve-se priorizar a criação de abordagens sustentáveis de longo prazo para o controle populacional, que evitem a coerção, mas que também ajudem as pessoas que criam filhos.

(*) Tradução de Raul Chiliani

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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