Pesquisar
,

O Equador votou para defender sua Constituição e proibir bases militares estrangeiras

Eleitores rejeitaram bases militares dos EUA no Equador e reafirmam a Constituição progressista de 2008, em dura derrota à política de segurança do governo Daniel Noboa

Eleonora Piergallini
O presidente do Equador, Daniel Noboa, durante sua posse em novembro de 2023. (Foto: Carlos Silva / Presidencia de la Republica)
O presidente do Equador, Daniel Noboa, durante sua posse em novembro de 2023. (Foto: Carlos Silva / Presidencia de la Republica)

Em um resultado surpreendente, os equatorianos disseram “Não” às quatro questões de um referendo promovido pelo presidente Daniel Noboa. Além de rejeitar a Questão B, sobre o corte de financiamento público para partidos políticos, e a Questão C, sobre a redução do número de membros da Assembleia Nacional, os equatorianos também votaram contra a Questão A, sobre a reintrodução de bases militares estrangeiras em solo equatoriano, e a Questão D, sobre a convocação de uma assembleia para redigir uma nova constituição. Com isso, os equatorianos optaram por manter a sua Constituição progressista de 2008.

De acordo com os resultados preliminares do Conselho Nacional Eleitoral, 60,29% votaram “Não” na Questão A e 61,44% na Questão D, bloqueando a tentativa de Noboa de recolocar em pauta a presença militar estrangeira no país, proibida de longa data, e de redigir uma nova constituição.

A Constituição do Equador de 2008 é amplamente conhecida por proibir a interferência estrangeira em tratados internacionais, por consagrar os direitos da natureza, por oferecer forte proteção trabalhista e por dar prioridade às empresas estatais na gestão de recursos naturais e setores estratégicos.

Noboa tentou eliminar várias dessas disposições por meio de um referendo em abril de 2024, mas não conseguiu garantir a aprovação dos eleitores. Com a Questão D, ele tentou novamente – e foi ainda mais longe –, propondo uma reformulação da Constituição que muitos temiam que beneficiasse a elite do Equador às custas da classe trabalhadora, das comunidades indígenas e do meio ambiente do país. Os eleitores reconheceram a importância e o valor dos amplos direitos consagrados na Constituição de 2008 e rejeitaram as alegações alarmistas de Noboa de que a estrutura atual estimula o crime e dificulta o crescimento econômico.

Os eleitores equatorianos também enviaram uma mensagem clara ao rejeitar a proposta de reforma constitucional do presidente Noboa que permitiria o estabelecimento de bases militares estrangeiras em solo equatoriano.

O resultado representa uma forte repreensão à gestão do presidente da questão mais importante para os eleitores: a espiral de violência e a crescente insegurança no Equador. O ano de 2025 deve ser o mais violento já registrado no país, com uma taxa de homicídios que deve ultrapassar 50 homicídios para cada 100.000 habitantes. Noboa não conseguiu apresentar resultados concretos em sua “guerra interna” contra o crime.

A reforma proposta para trazer de volta bases militares estrangeiras – especialmente norte-americanas – tem sido o centro da estratégia militarizada de Noboa para lidar com a crescente crise de segurança no Equador. Na semana passada, um relatório do International Crisis Group criticou as políticas de segurança de Noboa por não terem produzido resultados positivos e por dificilmente terem sucesso em um futuro próximo, alegando que “a repressão pouco contribuiu para enfraquecer o tráfico de drogas e aparentemente fomentou uma onda de violações dos direitos humanos”. Várias organizações de direitos humanos também denunciaram o aumento acentuado de torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos nas mãos das forças de segurança.

Além disso, ao convidar o envolvimento militar direto dos EUA e sua presença permanente em bases militares – o que foi enquadrado como uma parceria para combater o tráfico de drogas e o crime organizado –, Noboa vinculou a segurança e a soberania do país às ambições regionais de Washington. O voto “Não” recente, portanto, ressalta a inquietação generalizada do público com essa abordagem e reflete o ceticismo do povo equatoriano em relação à forte dependência do governo em relação ao apoio da administração Trump. De maneira geral, essa votação levanta dúvidas sobre os efeitos e a popularidade dos últimos anos de aproximação e cooperação em matéria de segurança entre o Equador e os Estados Unidos, que incluem, entre outros acordos, um Acordo sobre o Estatuto das Forças assinado em 2023 que permite a presença – e concede imunidade – às forças norte-americanas no Equador.

Grupos de cidadãos fizeram uma forte campanha contra a presença militar dos EUA nas Ilhas Galápagos, um arquipélago equatoriano. Noboa autorizou a presença de navios de guerra e aviões dos EUA e concedeu imunidade ao pessoal militar dos EUA nas ilhas desde dezembro de 2024.

A vitória do “Não” também sinaliza uma afirmação ampla da soberania equatoriana em meio à crescente presença militar dos EUA na América Latina e no Caribe. Não deve passar despercebido que, ao mesmo tempo em que os EUA estão embarcando em seu maior esforço militar no Hemisfério Ocidental em décadas, supostamente para combater os traficantes de drogas, os eleitores equatorianos optaram por distanciar sua nação da intensificação da militarização da chamada Guerra às Drogas – uma campanha que, em toda a região, resultou em violações de direitos humanos, vítimas civis e pouco sucesso na redução do narcotráfico. Ao rejeitar a proposta, os eleitores reafirmaram o compromisso do Equador com a independência, a paz e a cooperação regional baseada em soluções civis, e não militares.

A vitória do “Não” à reintrodução de bases militares estrangeiras revela uma profunda insatisfação dos eleitores com as políticas de segurança do governo e dúvidas sobre a agenda mais ampla de segurança e política externa do presidente Noboa. É, até o momento, a maior derrota eleitoral do governo Noboa.

(*) Tradução de Raul Chiliani

CEPR O Center for Economic and Policy Research (CEPR) é um think-tank fundado em 1999 pelos economistas Dean Baker e Mark Weisbrot para promover debates sobre questões econômicas e sociais nos EUA.

Continue lendo

Igreja na Cidade de Benin, estado de Edo, na Nigéria. (Foto: David Iloba / Peels)
O mito do genocídio cristão
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. (Foto: Official White House Photo / Daniel Torok)
Sobre a Doutrina Miami
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. (Foto: Daniel Torok / White House)
O Caribe tem duas opções: juntar-se à tentativa dos EUA de intimidar a Venezuela ou construir sua soberania

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina