George W. Bush, em 2006, disse que a América era viciada em petróleo. Dito isso, para diminuir a dependência estadunidense das importações do petróleo, aumentou a produção interna e hoje os EUA são responsáveis por 10% do petróleo consumido no planeta.
Talvez a afirmação do ex-mandatário ianque não fosse somente uma constatação baseada em números pragmáticos do consumo desenfreado de petróleo pelos EUA, mas sim um eufemismo para justificar todo tipo de violência perpetrada em nome do “vício” norte-americano em petróleo, mundo afora.
Um dos alvos de predileção de Washington, em verdade quase um fetiche de sua violenta e ávida política de expansão externa no cerne da guerra do petróleo, tem sido a República Islâmica do Irã e sua imensa jazida petrolífera.
Nos últimos quase 70 anos as ingerências externas têm sido prática contínua na indústria do petróleo iraniana.
Porém, colocar de joelhos os estoicos persas não parece ser tarefa fácil.
O rastro histórico e inglório de uma batalha suja
O primeiro-ministro iraniano, democraticamente eleito em 1951, Mohammad Mosaddeq, travava e liderava uma intensa batalha pela nacionalização da indústria petrolífera persa – construída em 1913 pelos ingleses – contra os interesses do governo da Grã-Bretanha, que economicamente ainda se recuperava dos danos colaterais da segunda Guerra e temia a nacionalização do petróleo iraniano.
Em 1952 o governo britânico idealiza um plano para a derrubada do primeiro-ministro iraniano, e pressiona os EUA a embarcarem em sua empreitada golpista. Justificativas econômicas e políticas foram o mote do golpe. Uma possível expansão do comunismo pelo Oriente Médio – um alinhamento iraniano com Moscou – era o maior temor de Washington.
Em 19 de agosto de 1953, Mosaddeq é então “arrancado” do cargo pelas mãos do imperialismo, através da CIA e do M-16 britânico. O conluio é conhecido como Operação Tapajax ou Operação Ajax no Ocidente, ou ainda 28 Mordad 1332 Coup d’état no Irã – referência ao calendário persa. Mohammad Mosaddeq, defensor da democracia secular e símbolo da resistência à dominação estrangeira no Irã, ficou preso por três anos, posteriormente ficando em prisão domiciliar até sua morte. Em 2013 os EUA reconheceram o seu envolvimento no golpe como parte de seus interesses externos.
Em seu lugar, EUA e Grã-Bretanha chancelaram o general alinhado Falollah Zahedi, que dois dias após o golpe recebe secretamente cinco milhões de dólares para o regime que iniciava. O passo primal para manter o petróleo iraniano em mãos estrangeiras havia sido dado.
Em 1954 cria-se um consórcio entre norte-americanos e britânicos para administrar as jazidas de “ouro negro” persa. 80% das ações foram divididas igualmente, isto é, 40% para cada, e os 20% restantes ficaram nas mãos de outras companhias europeias.
A ingerência norte-americana na industria do petróleo iraniana e em sua política foram demandas urgentes da insurgente e bem sucedida Revolução iraniana em fevereiro de 1979.
Até 1977, antes da greve na industria do petróleo persa, a produção iraniana era de 6 milhões de barris/dia – aproximadamente 10% da produção mundial na época. Com a greve, a produção ficou abaixo de um 1 milhão de barris por dia. Após a Revolução Iraniana, de 7 de janeiro de 1978 a 11 de fevereiro de 1979, a produção caiu para 4 milhões de barris diários.
A redução na produção de petróleo no Irã, a partir de 1979, era parte de uma estratégia e entendimento, por parte da Revolução Iraniana, de que o país não estava sob o controle das políticas regionais estadunidenses, portanto não precisaria produzir e exportar grandes quantidades de seu petróleo – desempenhando papel “estratégico” e medíocre parecido ao que cabe a Arábia Saudita hoje – para converter a venda de óleo na aquisição de material bélico norte-americano.
Sendo assim, reduzir a produção satisfazia perfeitamente as necessidades cambiais do país. Além disso, havia também a compreensão de que as reservas eram um legado para as futuras gerações iranianas.
A invasão da embaixada norte-americana em Teerã por estudantes islâmicos que queriam a extradição do xá Reza Pahlavi para julgamento em território iraniano, a chamada Crise dos Reféns, em novembro de 1979, causou uma crise diplomática, política e econômica que impactou profundamente as exportações do petróleo iraniano para os EUA.
Em represália, o presidente norte-americano Jimmy Carter anunciou o cancelamento por completo da compra de petróleo do Irã. Atitude que foi respondida à altura pelo governo persa, com a suspensão de encomendas de companhias estadunidenses para compra de seu petróleo.
As exportações despencaram vertiginosamente, para 3,5 milhões de barris/dia. Ainda que novos clientes substituíssem o buraco de quase 1 milhão de barris por dia deixado pelos norte-americanos, o impacto foi grande para a indústria petrolífera iraniana.
Durante o imbróglio da Crise dos Reféns, que se estendeu entre 4 de novembro de 1979 e 20 de janeiro de 1981, países europeus e o Japão suspenderam temporariamente parte de suas encomendas de óleo cru, o que foi revisto posteriormente. Após o término da crise, empresas como a Shell e a BP britânica retomaram novos contratos para compra de petróleo do Irã.
A queda nas exportações iranianas de petróleo encontraram na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) um grande freio institucional. A entidade resolve cortar sua produção, que em 1979 representava 31 milhões de barris ao dia, para 16 milhões de barris em 1985, para manter o preço do petróleo nas alturas.
Após uma longa disputa entre os persas e a OPEP, a cota do Irã ficou estabelecida em 2,4 milhões de barris, em março de 1983.
Com o término da guerra Irã/Iraque, em 1988, o governo iraniano embarca no estratagema da OPEP e abraça a “participação de mercado”, proposta pela entidade. Motivado, tenta elevar a produção de petróleo para a meta de 4 milhões de barris por dia.
Após a Revolução, a queda na produção de petróleo no Irã tem sido constante, em grande parte, por intromissões externas em sua indústria. Porém, metas internas muitas vezes conflitantes, como o desejo pela diminuição da dependência das receitas provindas da indústria do petróleo, se tornaram, também, um dos fatores intrínsecos à diminuição da produção.
O ardil de Washington como arma de estagnação
Ao longo dos anos 90 e 2000, resoluções unilaterais de diferentes administrações norte-americanas, através de sanções, boicotes, pressões e ameaças, impuseram fortes limitações ao desenvolvimento – principalmente pela falta de investimentos – pleno da industria petrolífera no país persa.
Durante o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad, de 2005 a 2013, a questão do programa nuclear iraniano, defendido firmemente pelo então presidente, foi motivo de tensões e discórdias entre Teerã e Washington. Como resultado, nesse período, a indústria do petróleo do país viu encolher suas exportações em 2,5 milhões de barris/dia.
Em 2013, o presidente eleito, Hassan Rouhani, após entendimento com as potências, decidiu levar adiante o incremento da indústria petrolífera iraniana.
Com o sucesso – em um primeiro momento – do Plano de Ação Global Conjunto (JCPOA), as sanções impostas contra o petróleo persa foram suspensas em 2016. O que fez o Irã elevar sua produção próximo aos 4 milhões de barris diários.
Porém, o ranço, má fé e má vontade históricas com o Irã novamente eclodem na administração Donald Trump, que após violar o acordo nuclear (JCPOA), se retirando dele de forma unilateral, impôs duríssimas sanções para desestabilizar e humilhar a resiliente República Islâmica do Irã – uma tentativa de enfraquecê-la como liderança de estabilidade regional – atingindo em cheio sua cobiçada indústria petrolífera.
Com isso, a rival Arábia Saudita, se aproveitando da situação, ofertou injetar mais petróleo no mercado. O “oportunismo” saudita foi veementemente rechaçado por Teerã, que entende que nenhum membro da OPEP “deve assumir a participação de outro membro nas exportações de petróleo”.
Hoje o Irã produz cerca de 3% da demanda por petróleo no Mundo. Após a última rodada de sanções impostas a Teerã, por Washington, no último dia 5 de novembro, o país perdeu uma posição no ranking da OPEP; de segundo, passou a terceiro produtor, atrás do Iraque.
O Irã conhece bem as manobras e práticas de estrangulamento usadas por Washington sempre que contrariado ou quando desesperado. Difícil saber o resultado dessa nova onda nefasta de punições que recaem sobre sua indústria petrolífera.
Aparentemente, o conflito histórico pelo controle do petróleo no Irã definitivamente está muito longe de findar-se. De certo, sabe-se que Teerã em hipótese alguma se curvará perante a arrogância e cobiça imperialista.
*Com informações do Iran Daily