Desde sua posse, o presidente Donald Trump tem travado uma batalha sem fim contra inimigos reais e imaginários – e a sua última ofensiva é uma verdadeira peça.
“Os custos oportunos do socialismo”, publicado no ano passado pelo Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, tenta difamar o socialismo – a propriedade dos meios de produção pelos trabalhadores – como uma ideologia falida. O relatório de 72 páginas aproveita o aniversário de 200 anos do nascimento de Karl Marx como trampolim para condenar todos que não oram no altar do livre mercado. Nem mesmo sociais-democracias capitalistas, como Noruega e Suécia, foram poupadas dos ataques raivosos.
O relatório em si não é nenhuma novidade. É uma regurgitação de velhas narrativas implantadas contra projetos socialistas com o objetivo de convencer os trabalhadores dos países capitalistas de que não há alternativa real para a exploração do trabalho. Aplicam um verniz acadêmico a afirmações que ouvimos um milhão de vezes e citam apenas historiadores e pesquisadores com reputação de serem anti-comunistas convictos. Não é de se espantar que o documento distorce a história do socialismo e, deliberadamente, evita traçar um quadro geral e completo.
Rigor acadêmico risível à parte, o relatório conseguiu acertar pelo menos uma coisa: existe um renovado interesse no socialismo e no marxismo no mundo inteiro. As realizações monumentais dos países que assumiram a responsabilidade de prosseguir com o socialismo estão se tornando cada vez mais difíceis de ignorar, especialmente quando as condições para as pessoas comuns em nações capitalistas continuam piorando.
Os EUA não conseguem mais apontar para a relativa estabilidade e prosperidade dentro de suas fronteiras para combater essa onda, já que os salários estagnaram desde a década de 1970 e quase toda a riqueza criada desde a crise financeira de 2008 foi direcionada para uma pequena elite capitalista. Não deveria ser uma surpresa quando a classe trabalhadora explorada e largada à miséria começa a buscar outras opções, quando a esmagadora maioria dos “novos empregos” gerados por Trump e sua Casa Branca são temporários ou sazonais e não trazem benefícios reais. Esse ataque ao socialismo mostra que Trump tem muito mais medo do poder operário do que o Partido Democrata – sua oposição oficial.
Ele está certo em se sentir assim. Nos EUA, partidos e organizações socialistas anteriormente minúsculas têm visto um aumento maciço de suas fileiras. O contra-ataque a narrativas populares sobre o legado do socialismo também cresceu exponencialmente desde a crise de 2008 e a eleição presidencial de 2016. Contudo, mais e mais pessoas estão fazendo pesquisas independentes sobre a realidade dos sistemas socialistas, e muitas estão descobrindo que foram enganadas por muito tempo.
Mas à medida que a popularidade do socialismo cresce, as forças reacionárias também tentam suprimir essa nova onda de entusiasmo. Certamente, esse relatório é apenas o início. Trump continua demonizando países que ele vê como rivais com problemas que suas próprias políticas causaram. Estamos chegando perigosamente perto de uma segunda Guerra Fria, e se o mundo mergulhar em um conflito mais uma vez, não haverá dúvidas sobre quem é o culpado.
Todavia, há uma alternativa à guerra. Como muitos desses novos ativistas e militantes estão descobrindo, e não importa o que Trump tente fazer acreditar, existem inúmeros triunfos na ainda breve história do socialismo.
A União Soviética se recuperou rapidamente de duas guerras devastadoras, transformando uma sociedade agrária semi-feudal em uma potência industrial mundial em apenas algumas décadas. Cuba e Coreia do Norte provaram sua resiliência a um período aparentemente interminável de cerco, resistindo à perpétua agressão econômica e militar e mantendo sua independência. O embargo contra Cuba – mais parecido com um bloqueio – está em vigor há 60 anos, e apesar do duro período da década de 1990, a pequena ilha caribenha fez milagres. O setor de saúde cubano causa inveja no mundo inteiro, oferecendo tratamento médico gratuito e realizando descobertas incríveis na pesquisa, como a vacina contra o câncer de pulmão.
Talvez a maior resposta às alegações de fracasso do socialismo venha da República Popular da China. Semelhante à União Soviética, a China emergiu de um passado feudal pauperizado, tornando-se a segunda maior economia do mundo em um curto período de tempo. Fez isso mantendo sua soberania e escolhendo seu próprio caminho – um erro fatal para outros que desafiaram o dogma capitalista, como Salvador Allende no Chile e Mohammed Mossadegh no Irã. Ao introduzir certos mecanismos de mercado, ao mesmo tempo em que defende a propriedade estatal das principais indústrias, além de sustentar a liderança do Partido Comunista como a vanguarda da classe trabalhadora, a China tem conseguido crescer de vento em popa enquanto expande a renda e os benefícios desse crescimento para toda sua população.
O processo incrivelmente bem sucedido de eliminação da pobreza é a peça central dessa missão. Nos últimos 40 anos, mais de 800 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza extrema na China, um feito incomparável com qualquer outro lugar do mundo. O documento da Casa Branca tenta dar crédito ao capitalismo por essa conquista, mas convenientemente ignora que a taxa de pobreza dos EUA permaneceu praticamente a mesma desde a década de 1960. Os países capitalistas mantêm pobre e desempregada uma certa porção de suas populações, tanto como consequência inevitável da extração de lucro quanto como método de disciplinar a classe trabalhadora. Mas na China, a pobreza e o desemprego continuam caindo, uma vez que a eliminação desses males sociais é uma das principais prioridades do Partido Comunista chinês. Isso não seria possível em um sistema capitalista de estilo ocidental.
É verdade que alguns países prosperaram e se desenvolveram sob o capitalismo, como o Japão e a Coreia do Sul. Porém eles não só fizeram uso de uma forte intervenção estatal, como ainda tiveram que obedecer à risca as regras impostas pelos EUA e pela Europa. O Japão, em particular, viu sua ascensão na década de 1980 ser interrompida pela interferência do Ocidente, quando as demandas e a mercantilização dos EUA levaram a uma bolha de ativos calamitosa. Após o fim da União Soviética, a Federação Russa viu, quando sofreu uma transição capitalista guiada pelos EUA, a expectativa de vida em queda livre e o desemprego crescente. Como esses e muitos outros exemplos mostram, seguir a liderança de Washington tem consequências graves.
Nesse sentido, a China e outros países governados por partidos comunistas conseguem se manter firmes na medida em que foram capazes de traçar seu próprio caminho e resistir à agressão imperialista. Eles não foram submetidos às mesmas limitações severas que mantêm boa parte do mundo em desenvolvimento definhando na pobreza e na dívida, limitações que seguem as mesmas regras de extração de lucro analisadas por Marx no Capital.
O documento da Casa Branca citou o famoso ditado da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher: “o problema do socialismo é que um dia o dinheiro dos outros acaba”. Sabendo o que sabemos hoje, uma leitura mais atenta seria: “o problema do capitalismo é que um dia os países dos outros acabam”.