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A tarefa e as bananas de Jair Bolsonaro

Aos poucos, depois de todo o falatório eleitoral, se vai descobrindo que Bolsonaro não é peça-chave para o novo ordenamento político e econômico.

por Pedro Marin | Revista Opera
Presidente Jair Bolsonaro cumprimenta populares no Palácio da Alvorada. (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)

Como temos reforçado, o presidente Jair Bolsonaro, a despeito de toda a terminologia do “bolsonarismo”, é uma peça descartável e secundária do novo ordenamento político que vemos se formar à frente de nossos olhos. Em editorial recente, a Folha de São Paulo parece enfim concordar, ao dizer que o presidente não tem vocação de longo prazo. A Istoé, por sua vez, estampa em sua capa o desejo crescente de setores da política nacional em fazer da profecia uma vocação, e a nomeia: “Impeachment!”. Por fim, a palavra vai se materializando, à medida que o poder do Partido Fardado cresce dentro do governo.

Bolsonaro nada é senão a representação carismática, no mundo da encenação, do antipático programa econômico que o ministro Paulo Guedes representa no mundo real. Não é por acaso que os representantes sem máscaras de tal programa, como Meirelles, Amoêdo ou Alckmin, não tenham conseguido atingir sequer 10% dos votos das últimas eleições. Não é por acaso que a estratégia de Bolsonaro durante o processo eleitoral tenha sido nada falar sobre economia, nem pode ela ser explicada só pela demonstrada ignorância do presidente quanto ao tema. “Paulo Guedes” era a contra-senha de Bolsonaro aos ricos, e o traço indecifrável, logo suprimido por uma piromania qualquer, dos pobres. Bolsonaro era a distração, o bobo da corte, a cabeça de toucinho dos verdadeiros intérpretes e porta-vozes pelos quais se buscaria consolidar o novo ordenamento, e o Cavalo de Tróia que dentro de si trazia seus verdadeiros guardiões.

Atrás do balcão, no banco de reserva, os chefes militares esperam o chamado a atuar. Não como ferramenta de consolidação do novo ordenamento, como agentes da transição, mas como condição somente sob a qual o novo ordenamento pode ser mantido e se desenvolver. É pelo corte da “cabeça de chapa” que a coisa toma corpo.

Do ponto final no governo Dilma fez-se as reticências de Michel Temer. De suas reticências, a vírgula de Bolsonaro. Da vírgula do presidente, a exclamação de Guedes. Exclamação que só pode sobreviver ao peso do tempo e às aflições da história pelo ponto final dos militares. O ancestral novo partido, fundador da República Velha, será gerente do novo ordenamento, sepultador da Nova República.

Para que fique claro: a velha ditadura militar, que nascera no calor da Guerra Fria, desfez-se à medida que a guerra também se desfazia. Ali nascia a Nova República, o novo ordenamento político, democrático, pelo qual se iniciava também a nova fase econômica, do domínio completo das finanças, sob a qual a dependência nesse lugar de um povo de canto se desenvolvia sobre a cabeça de “empresários nacionais”. No campo e na cidade, nos latifúndios e na fábricas, a riqueza gerada por mãos camponesas e operárias, numa cadeia integrada, era compartilhada por bolsos nacionais e estrangeiros; aqueles submetidos a estes.

O pacto da dependência, consolidado pelo Plano Real em uma dolarização ajustada, manteve-se sob os governos petistas, beneficiando ambos os sócios: nacionais e estrangeiros. Ao desenvolvimento da dependência o governo chamava “desenvolvimento”, dissimulando sua parte fundamental. Mas, assim como a tendência do capital é a expansão, a tendência da sociedade dos negócios são os negócios em competição: o mais forte come o mais fraco, o mais rico o mais pobre; e pela luta econômica o sócio-chefe logo busca se desfazer do sócio-subordinado, visto como um empecilho, um parasita.

E então, em 2016, gritava-se: “Impeachment!”. Atordoado com o desejo de alguns pelo fim do pacto que mantivera, o Partido dos Trabalhadores buscou repactuar a qualquer custo, trocando de programa como se troca de fantasias e tornando realidade as propostas do candidato contra o qual, no discurso, Dilma se opôs durante as eleições. Trocara o discurso da oposição pela prática da situação, o pacto de todos pela guerra de alguns. Os sócios fracos da cadeia, raivosos e estimulados, viam por sua vez no Partido dos Trabalhadores a razão da falência do pacto, e contra ele avançavam, auxiliando os verdadeiros conspiradores. Representavam seus sócios-maiores na luta contra si mesmos, e empunhavam armas contra o petismo imaginando lutar pelo pacto. Não imaginavam que os parasitas eram eles, e que do veneno jogado contra o governo eles próprios se envenenavam. Atropelavam a pequena política petista imaginando que as reivindicações de seus sócios-maiores eram por uma outra pequena política, quando em verdade sua política era de tal grandeza que não podia tolerar os sócios-menores.

O grito se firmou, e ao abrigo de seus ecos Dilma desocupava o trono, dando espaço a Temer. As comportas da privatização são abertas, os direitos se flexibilizam, os serviços de inteligência se rearranjam. O fim do governo Dilma vira o começo do governo Temer: literal, política e economicamente.

Chegamos, enfim, à marionete pela qual o atual verdadeiro presidente – o das finanças – pode fixar a cruz do novo ordenamento sobre a cova do velho pacto. Ao velho desenvolvimento, com a dependência dissimulada, sobrepõe-se a dependência, com o desenvolvimento escondido. Não é afinal assim que se traduz a decisão de abrir mão do status preferencial para países em desenvolvimento na OMC em troca da entrada no “clube dos ricos”? Ao domínio nacional da burguesia que tem por sócios o lucro internacional, sucede o domínio internacional sem sócios. Não é isso o que significa o capital estrangeiro absoluto nas empresas aéreas e a entrega da EMBRAER? O império das finanças sobre a propriedade produtiva de commodities é substituído pelo império sobre a propriedade em si. Não é o que diz a lei que libera a venda de terras a estrangeiros? E sobre o controle dos setores estratégicos nacionais ergue-se a estratégia de controle dos setores nacionais.

À Quarta Revolução Industrial, à disputa pela Quinta Geração de sistema sem fio, que vai parindo a Segunda Guerra Fria, corresponde a Terceira Colonização. Tendo por horizonte uma segunda independência, temos contra nós a terceira colônia. Não vemos protestos do chamado agrobusiness, afinal, pela falta de responsabilidade do presidente com o comércio exterior? Não exclamam alguns empresários que a China não deve ser desprezada? Não comemoram a demanda por carne no país asiático, pela qual aumentam seus lucros e preços internos? Enquanto isso, o império segue descontente, balbuciando as palavras de Monroe. Quem reclamará se o império, mais do que o controle das finanças, tiver a propriedade? À Nova República se sobrepõe a República das Bananas. A ela, seus gerentes: a aristocracia rentista militar e judicial.

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Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
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