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Geografia política do Coronavírus na América Latina

Na América Latina, a reação exagerada de alguns líderes que enfrentavam grandes contestações sociais e políticas é notória.
por Celag | Tradução de Caio Sousa para a Revista Opera
(Imagem: Estúdio Gauche)

Na América Latina, a chegada da pandemia da COVID-19 aborreceu todos os apriorismos de analistas e formadores de opinião. Cada país, uma realidade. Os posicionamentos na cartografia ideológica, econômica e demográficas não servem para nos guiar quanto a medidas de confinamento, toques de recolher, suspensão de eventos eleitorais e outras medidas preventivas frente à crise.

Entretanto, em meio dessa atomização  nacional das respostas, é possível identificar  alguns lugares comuns que traçam tendências regionais comuns reconhecíveis.

É notória a reação exagerada de alguns líderes que enfrentavam grandes contestações sociais e políticas. O coronavírus estaria sendo assim uma desculpa para intensificar ataques à oposição, dissipar protestos populares e exibir o músculo repressivo.

Efetivamente, Ánez, na Bolívia, não demorou em adiar as eleições, a aprovar o toque de recolher e iniciar a perseguição de jornalistas e cidadãos críticos nas redes. Em El Salvador, apenas um mês atrás, Bukele invadia a Assembleia Legislativa com as forças armadas. Neste cenário, ele se apressou (sem nem ter um caso confirmado de COVID-19) em fechar as fronteiras do país, iniciar um toque de recolher  e pactuar um tipo de lei marcial com o crime organizado das gangues salvadorenhas. No Equador, o decadente governo de Lenín Moreno, que enfrentou graves conflitos com o movimento popular nas serras equatorianas, não demorou para aprovar um toque de recolher em todo o país, sem distinção entre a costa de Guayas (que ainda é menos hostil ao governo) e o resto do país. Finalmente, no Chile, Piñera se “aproveitou” da situação para adiar um plebiscito constitucional que o tinha contra a parede e para dissipar a população em protesto nas ruas com um rígido toque de recolher sem racionalidade médica. Na Guiana, ainda é “desconhecido” o resultado das eleições presidenciais, um mês após a nomeação eleitoral.

Outro eixo destacável como lugar comum é o que opõe a economia e a saúde. No campo dos apaixonados pela econometria se destacam Brasil, Chile e Colômbia, países em que os governos e seus ministros de Saúde subestimaram e minimizaram o impacto do vírus no seu estágio inicial (Brasil) ou sob a pressão do establishment empresarial para relaxar ou finalizar as medidas de confinamento (Colômbia).

Nesses casos, se mostram as outras facetas marcantes da geografia política dessa crise: o papel dos governos distritais e locais na frente de defesa da saúde pública contra seus governos. As lideranças na crise estão em campo distrital. No Brasil, o Supremo Tribunal de Federal anulou a tentativa de Bolsonaro de acabar com as quarentenas impostas pelos governadores e prefeitos como João Dória (São Paulo) ou Wilson Witzel (Rio de Janeiro). No Chile, o prefeito de Valparaíso, Jorge Sharp, liderou 56 prefeitos que exigiam a quarentena para o indolente Piñera. Na Colômbia, o governador de Magdalena, Carlos Caicedo, e a prefeita de Bogotá, Claudia López, enfrentam abertamente um presidente comprometido com o fim das quarentenas.

Em todo caso, o que parece claro é que, no contexto do tobogã emocional causado pela pandemia, a população está em busca de certezas para se agarrar. Os presidentes que agiram com rapidez e de forma indubitável estariam – por enquanto – recebendo o apoio da opinião pública. E isso ocorre independente da pertinência epidemiológica de suas medidas. Assim, por exemplo, embora Bukele parecesse exagerar ao adotar medidas de contenção em vez de adotar medidas de acompanhamento e prevenção antes de ter qualquer caso no país, sua imagem se recupera. Pelo contrário, no México, as medidas ajustadas às recomendações da OMS e à realidade nacional – de um país com capacidade farmacológica e com um dos sistemas de saúdes mais robustos da região – estariam sendo penalizadas por sua precisão e moderação. Piñera  e Duque estão dando um respiro de alívio graças à aprovação de suas medidas iniciais – como toque de recolher -, embora ainda esteja por decidir como evoluirá o conflito com as forças distritais e o desequilíbrio entre economia e saúde.

Enquanto isso, os líderes de partidos opositores estão se vendo em uma dura prova. Efetivamente, a maioria dos líderes opositores regionais, da esquerda à direita, estão desaparecidos ou fagocitados. No Uruguai, a Frente Ampla não encontra uma figura que possa disputar com Lacalle Pou, que joga com a vantagem da herança recebida pelo último governo, saneada na esfera econômica e no setor da saúde. Na Argentina, um Macri derrotado e seus seguidores suportam silenciosamente a liderança esmagadora de Alberto Fernández, algo semelhante ao que acontece no Paraguai, onde Efraín Alegre se vê com dificuldade de levantar a voz enquanto a ala pactista do liberalismo-  Blas Llano – aparece abraçada ao presidente Mario Abdo para afrontar a crise. No Peru, um fortalecido Vizcarra, vencedor moral das eleições legislativas de janeiro, não encontra ninguém à sua frente, sendo apoiado por medidas ágeis e imaginativas de todos os tipos.

Foge desta situação o senador Gustavo Petro na Colômbia, que acompanha a rejeição dos prefeitos ao governo e à frouxidão de Duque e Rafael Correa no Equador, que apesar dos últimos casos de violência contra sua figura via lawfare, continua sendo uma ótima alternativa ao colapso do governo de Lenín Moreno.

Mas, para saber com detalhes como o cenário se desenrola, vamos ver o que acontece em todos os cantos da região.

Um passeio pela região

Equador e o presidente ausente

As medidas de contenção no Equador tiveram duas fases. Na primeira, foi declarado um estado de exceção em 16 de março, com o decreto de toque de recolher das 21h às 05h (a partir das 16h em Guayaquil desde o dia 18 de março e a partir das 14h em todo o território desde 24 de março). Os voos nacionais, o transporte interprovincial e a circulação de automóveis particulares foram suspendidas. A mobilidade foi limitada a apenas saídas para compra de alimentos.

Na segunda fase, iniciada no dia 2 de abril, foram prolongadas as medidas já existentes e incrementada a suspensão da jornada de trabalho presencial até o dia 12 de abril (uma medida que também fora adotada na Espanha e Itália tendo em vista os 100.000 contagiados). Por sua vez, se mantém a suspensão do transporte internacional e interprovincial de passageiros em todo o mês de abril, a proibição de circulação de pessoas entre as províncias, a suspensão de grandes eventos e espetáculos públicos entre abril e maio, e foi estabelecida uma ordem obrigando a todas as autoridades dos GAD  (governos de Estado, prefeituras, etc.) a acatar as resoluções de um Comitê de Operações de Emergência (COE).

Apesar das medidas, o impacto da pandemia exacerbado pela presença de cadáveres nas ruas de Guayaquil acabou corroendo a imagem presidencial de Lenín Moreno, que já estava sendo seriamente abalada pela dura crise que o Equador está passando. Sua gestão errática, irradiando pouca confiança e deixando em dúvida os próprios gerentes de crise indicados por ele (a quem ele questionou o número de mortos e infectados) fez sua liderança pessoal cair a menos de 5% de aprovação e comprometeu seriamente a capacidade do governo nacional de liderar um processo que requer disciplina social e orientação. Um relatório recente do IPSOS revela que a medida de quarentena é aprovada pela maioria da população, embora a aprovação do governo como um todo seja de 29%.

Como se isso não bastasse para o presidente, que está no grupo de risco, não está na vanguarda da crise, que dirige seu vice-presidente, o que diminui ainda mais a confiança equatoriana em seu governo.

A demanda por certezas está crescendo e o governo atualmente não está ajudando a reduzir o caos. As autoridades da área mais atingida pela crise, na província e cidade de Guayas – Guayaquil, um conglomerado político que aspirava herdar o governo Moreno na figura de Jaime Nebot, também estariam vendo-se atingidas por sua incapacidade de responder operacionalmente à crise com instituições com recursos mínimos, após décadas de governos locais neoliberais. No que se refere à confrontação política, a principal linha de discurso do governo é contra Rafael Correa, encabeçada por Maria Paula Romo e o porta-voz mais virulento, Guillermo Lasso. A dura sentença ditada contra o ex-presidente no contexto de uma crise de reputação governamental pode acabar se voltando contra todo o argumento anti-correista do governo.

A tensão entre economia e saúde também está em um momento crítico, segundo o IPSOS, até 24% da população declara que precisa sair para comprar certos produtos e não tem dinheiro para isso. Em um contexto socialmente explosivo, a possibilidade de adiar as eleições presidenciais e legislativas de 2021 devido à emergência sanitária do covid-19 , proposta por Diana Atamaint, presidente do Conselho Nacional Eleitoral, não contou com o apoio do presidente Moreno. Ele rejeitou a proposta dia 30 de março.

No que se refere ás medidas de proteção social, um vale de proteção social de 60 dólares foi estendido para ajudar 400.000 pessoas que trabalham por conta própria e estão na linha de pobreza (renda inferior a 400 dólares por mês). No plano da economia formal, o ministério do trabalho estabeleceu que os empregadores do setor privado determinarão a forma e a recuperação de até 12 horas por semana, fazendo com que o ônus da rescisão autorizada de 25% das horas da jornada de trabalho recaia sobre os trabalhadores. Até 25 de março, 6.027 empresas haviam se beneficiado da suspensão, redução e modificação emergente da jornada útil. A principal pressão para expandir as medidas em favor das empresas vem de Nebot, que propõe a aprovação de jornadas reduzidas/parciais, uma medida cujo os resultados em termos de precarização são amplamente conhecidos.

Brasil e o beijo de judas no Messias

No caso do Brasil, foi a própria cidadania que se rebelou contra a indiferença governamental, exigindo medidas para prevenir o contágio massivo. Bolsonaro está entre os dirigentes que, junto com Trump, começaram menosprezando o impacto do coronavírus. Os diferentes panelaços contra Jair Bolsonaro também revelaram as diferenças nas ações dos governos locais com estigmas políticos distintos. Por final, até a muita politizada Justiça brasileira na última sexta feira de março ordenou ao governo central o cancelamento de uma campanha publicitária que visava suspender o isolamento devido a pandemia. O Brasil não é apenas o país mais populoso do continente, mas também o país com o maior número de infecções e mortes por COVID-19.

As ações de Bolsonaro não seguiram nenhuma das orientações da OMS e clamou repetidamente pela volta da vida normal, argumentando que os alertas eram apenas produtos da “histeria coletiva”. Entre os discursos do Bolsonaro, se destacaram o seu apelo à virilidade e ao misticismo religioso. Incrivelmente, ele também foi o primeiro impulsor de notícias falsas nas redes sociais. A oposição à má gestão de crise do Executivo veio por parte dos governos estatais e locais, inicialmente oriundos do nordeste brasileiro, mas também de governadores que até recentemente serviam como aliados, alguns prefeitos, e de pouco a pouco, até o próprio ministro da saúde, o congresso e o Supremo Tribunal Federal se opuseram. O confronto com o Executivo adquiriu um termo de vida ou morte, que acabou fortalecendo a unidade da oposição junto com diversas figuras públicas.

Segundo a última pesquisa conhecida, realizada entre os dias 1 e 3 de abril em todo o pais, enquanto o ministério da saúde recebeu 76% de aprovação (boa e muito boa), Bolsonaro recebeu 33% (teve 35% de aprovação até o dia 25 de março). Ao tempo, desde o pico de poder de Bolsonaro, a distância para uma possível saída do presidente vem sendo encurtada, razão pela qual não é irracional afirmar que sua falta de reflexos diante da crise e sua dissonância com as demandas sociais de maior contenção poderiam chegar a ser um fator decisivo para sua queda.

Chile e o impasse do pinochetismo encurralado

No Chile, a pandemia ocorre logo após a maior onda de protestos de massas que não apenas devastou a legitimidade presidencial, mas também conseguiu um processo constituinte, que permitiria varrer os andaimes jurídicos do pinochetismo. O plebiscito convocado para esse fim, já foi adiado para 25 de outubro, após a pandemia, em um acordo entre os partidos.

As medidas restritivas impostas com entusiasmo pelo governo não apenas serviram para evitar o contágio, mas também para evitar a presença multitudinária da sociedade nas ruas. No dia 18 de março, as fronteiras foram fechadas para estrangeiros. Nesse mesmo dia, foi decretado um “estado de exceção” de 90 dias por meio de um toque de recolher, uma medida mais ideológica do que eficaz em termos epidemiológicos. Também foi criada uma Mesa Solidária COVID-19 com diferentes atores políticos e sociais. A quarentena não é obrigatória, exceto em 6 comunidades de alta renda em Santiago e na Ilha de Páscoa.

As últimas pesquisas conhecidas revelam que essa estratégia de dura resistência ao vírus melhorou parcialmente a rejeição da imagem presidencial. Um estudo da Cadem, realizado entre 18 e 20 de março, mostrou que nas últimas duas semanas houve um aumento consecutivo na aprovação do presidente: subiu 3% e agora possui 21% de aprovação.

A rejeição a sua administração também foi reduzida de 71% para 68%. Quanto ao seu governo, 19% o aprovam, enquanto 73% rejeitam seu desempenho. Por sua vez, a pesquisa da Criteria, realizada entre o dia 26 e 30 de março, indica que Piñera tem sua imagem positiva estagnada entre 15% da população. Em relação a gestão de combate ao coronavírus, os chilenos avaliam em 13% de aprovação seu governo, 52% de aprovação ao Colégio Médico [ed: entidade associativa que compõe a Mesa Solidária] e o trabalho dos prefeitos em 54%.

A chegada da pandemia no Chile expôs a extrema privatização do sistema de saúde chileno e as restrições existentes de acordo com a renda para receber os cuidados adequados.

Por outro lado, o Chile expõe como nenhum outro país a tensão existente entre economia e saúde. Piñera tomou medidas bastante frouxas para o sistema de saúde, como um vago aumento do orçamento e ordens de restrições quanto a mobilidade. Quarentenas seletivas e a recusa em impor isolamento obrigatório para todos visam aliviar a desaceleração da atividade econômica e possíveis surtos.

As principais tensões políticas com o Executivo ocorreram em três setores: (i)os movimentos sociais e ciadãos que lideraram os protestos no final do ano passado e que estão latentes na organizando a resistência pelas redes sociais; (ii) o Colégio Médico do Chile, que defende a plena implementação das recomendações da OMS,  em franco desacordo com o Ministério da Saúde, que minimiza o perigo do vírus, e (iii) os chefes de muitos governos locais. Nesse último, os prefeitos, inclusive aliados do presidente, estão tomando medidas próprias.  Esta tensão tem seu atrito principal no controle da ordem pública, muito centralizado no Chile.

De fato, o controle das quarentenas decretadas em alguns municípios requer força de ordem pública, e isso é de responsabilidade do governo central. A “Mesa Social” criada no final do mês retrasado, buscou ser uma instância de acordos, embora tenha tido pouca eficácia diante da recusa do governo em endurecer as medidas de proteção da população.

Colômbia e as novas lideranças pedagógicas

Na Colômbia, a resposta do presidente Ivan Duque ante a pandemia veio de forma paulatina e pressionada pelas decisões das autoridades locais, especialmente do prefeito de Bogotá. A posição inicial do governo central foi imitar a posição do governo central brasileiro de minimizar e subestimar o perigo do vírus e fechando a possibilidade de parar a economia com isolamento social geral.

As ações concretas do governo começaram no dia 10 de março com a Resolução 380 do Ministério de Saúde e Proteção Social, onde medidas preventivas foram estabelecidas mas sem declarar isolamento ou outras medidas de grande impacto. Dois dias depois, o Ministério declarou uma emergência de saúde e mais tarde, por decreto, declarou emergência econômica, social e ecológica foi promulgada.

Após a declaração de toque de recolher de forma autônoma pelos líderes do municípios e a declaração de uma medida particular de isolamento pedagógico em Bogotá, Duque se viu obrigado a decretar o isolamento obrigatório desde o dia 24 de março a 13 de abril para depois estendê-lo até o fim do mês.

Em Bogotá, a prefeita Claudia López, definiu uma simulação obrigatória de isolamento do dia 20 a 24 de março, ainda que não fosse uma medida efetivada em todo o país. Enquanto isso, o governador de Magdalena, Carlos Caicedo, decretou uma quarentena desde o dia 21 de março, 3 dias antes do decreto presidencial. Em ambos os casos, os líderes locais procuraram a mídia para explicar as medidas e orientações corretas sobre o gerenciamento da pandemia.

Os meios de comunicação tradicionais vem sendo o centro da estratégia governamental durante a pandemia, com a preocupação de melhorar a desgastada imagem presidencial. Neste contexto, algumas pesquisas de opinião indicam que 46% dos entrevistados afirmam estar de acordo ou muito de acordo com as ações do Presidente Duque, enquanto, por exemplo, a aprovação de Claudia López atinge 86,2%.

Mesmo em contexto extraordinário, o Estado Colombiano segue fiel ao seu estilo, com medidas de forte tom repressivo repressiva. O toque de recolher é realizado na presença do exército enquanto o congresso está fechado e em prática, Duque governa por decreto. Por final, a saúde está sendo organizada em um sistema misto, com um regime contributivo e um subsidiado, no qual se encontra a totalidade da população. Empresas privadas e mistas (com ações estatais) que prestam serviços de saúde (EPS) estão recebendo recursos estatais e privados dos dois regimes e administram o acesso ao direito á saúde. Com a declaração da emergência de saúde pelo COVID-19, o governo adiantou o pagamento dos EPS e começou a compra de roupas de cama, respiradores e outros suprimentos básicos para enfrentar a pandemia. Todos esses insumos devem ser comprados do exterior e evidenciam o caráter deficiente do sistema sanitário.

Vizcarra se destaca

No caso do Peru, Martin Vizcarra adotou cedo medidas e contenção sem nenhuma hesitação. As medidas de contenção de isolamento unidas a um bônus adiantado para 800.000 famílias mais vulneráveis seriam a chave do aumento de 16 pontos em sua popularidade, que agora chega a 87% de aprovação.

Vizcarra entrou pela porta pequena, mas mostrou que sabe aproveitar das crises. Durante seu mandato, ele varreu a oposição Fujimori, deslocando-a do Congresso e formando uma nova oposição altamente fragmentada. No meio dessa crise, ele aumentou sua popularidade com medidas restritivas e um toque de recolher total para a Páscoa.

Em termos de comunicação política, Vizcarra sustentou aparições recorrentes na mídia pública com o objetivo de fornecer relatórios sobre o estado da pandemia e transmitir cada uma das notícias à população para mostrar que existe uma coordenação política avançada com os diferentes atores, poderes governamentais e instâncias do Estado. Note-se que o Peru realizará eleições gerais em 2021 e que na Constituição é proibida a reeleição imediata; Vizcarra não tem apoio partidário nem apoio na esfera legislativa. Para mostrar apoio por parte do Estado, foi formado um grupo de trabalho integrado pelas máximas autoridades do congresso, do poder judiciário, Ministério Público, Defensoria do Povo, Tribunal Constitucional e Controladoria Geral. Ao encontro desses grupos foi adicionada uma teleconferência com os governadores regionais, onde Vizcarra afirmou que “essas medidas terão o resultado esperado na medida em que sejam apoiadas pelas autoridades regionais e locais”.

No meio da pandemia, Vizcarra imitou práticas antigas de seus supostos inimigos: o autoritarismo fujimorista. O país foi militarizado para controlar a quarentena geral e as garantias de liberdade foram suspensas pelo estado de emergência; além disso, se promulgou uma lei de gatilho fácil. A regra tem caráter permanente, não se limita ao estado de emergência e exime os membros das forças de segurança ao usarem suas armas contra a população “no comprimento de seus deveres”. Além disso, como no Panamá, ele providenciou que os homens e mulheres apenas saíssem em dias alternados, embora mais tarde se declarasse como o primeiro presidente a reconhecer e a incluir a comunidade trans em seu discurso presidencial. Dessa maneira, o jogo maniqueísta entre punitivismo, direitos de terceira geração e governança por meio de pesquisas de opinião, foi selado.

Por final, o governo aproveitou suas linhas de crédito com um programa ambicioso de US $26 bilhões de dólares para aliviar a quarentena e prestar assistência à enorme enorme proporção de trabalhadores informais. Apesar disso, para o The Economist, o PIB pode contrair pelo menos 4,5%

Bolívia, punitividade e eclosão de medidas coercitivas pós golpe

Na Bolívia, após o golpe de Estado, as ações repressivas se seguiram. O uso de figuras penais de sedição e terrorismo para perseguir ex-autoridades do MAS, líderes sociais e pessoas que expressam posições críticas ao governo do golpista são permanentes. A pandemia não foi uma exceção na abordagem do Estado.

Em primeiro lugar, o toque de recolher foi emitido no dia 18 de março, das 17h00 ás 06h0. Essa medida não mostra uma preponderância de argumentos técnicos sanitários para tomá-la e, como não foi planejada adequadamente, causou aglomerações entre a população em determinados horários que pioraram a probabilidade de contágio entre as pessoas.

Quando a quarentena total foi estabelecida no dia 23 de março, foram institucionalizadas medidas penais e de multa de até Bs$1.000$ (143$ dólares estadounidenses) para as pessoas que não cumprirem a quarentena. As declarações de ministros do governo chamam a atenção por relacionarem o MAS com alguns casos de incumprimento da quarentena desde o início da mesma, estigmatizando até uma cidade como El Alto, definindo-os como selvagens os suplentes que alegavam que a quarentena não poderia ser eficaz sem medidas sociais e econômicas para acompanhar essa decisão. Na última semana, destacam-se as declarações do ministro Wilfredo Rojo, nas quais ele declara que o MAS “sob o pretexto da fome” usa a distribuição de alimentos e dinheiro para promover na sociedade a quebra da quarentena. Houve muitos casos de prisões de pessoas que protestaram porque as medidas socioeconômicas têm sido insuficientes, como em Riberalta (Beni) e Ypacani (Santa Cruz).

Múltiplas ameaças também foram feitas por ministros de Estado, principalmente por parte de Arturo Murillo (Ministro do governo e encarregado da segurança interna) para aprisionar até funcionários de saúde subnacionais que fornecem “informações falsas” sobre o coronavírus. Também foi anunciado que as redes sociais estão sendo monitoradas.

Uma questão particularmente controversa foi a decisão do governo golpista de não permitir a entrada de 300 bolivianos e bolivianas vindos do Chile, entre os quais se encontravam crianças e mulheres grávidas. Esta decisão violou uma recomendação específica de organizações internacionais, como a OMS, que recomenda que os Estados permitam que as pessoas possam retornar aos seus países. Paralelamente, o governo de Jeanine Anez coordenou voos de repatriamento de estrangeiros da Bolívia para os EUA e Europa.

No que diz respeito ao escudo social, o governo de Anez reagiu reforçando os vínculos que atendem aos setores populares (Juancito Pinto e a Renta Dignidad) mas não adotou medidas para mitigar o golpe econômico na economia informal majoritária.

Quanto ao conflito entre os diferentes níveis de governo, desde o início houve uma forte tensão inicial entre o governo central e o governo municipal de Santa Cruz sobre as horas de proibição de movimento durante o toque de recolher, antes do decreto da quarentena total obrigatória. Essa tensão política é o resultado de uma luta entre distintas posições da direita, posições que já estavam ficando tensas no contexto pré-golpe.

Da mesma forma, houve tensões entre as autoridades nacionais e as autoridades subnacionais identificadas com o MAS, dentre as quais se destaca a tensão com o governador e o prefeito de Oruro. Essas autoridades emitiram a quarentena obrigatória antes que o governo nacional o fizesse, quando 8 casos de COVID-19 foram encontrados neste departamento. Também existem fortes tensões entre as autoridades de saúde, particularmente entre o ministério e o serviços de departamento de saúde. Destacam-se os casos de Cochabamba (em que Murillo ameaçou aprisionar publicamente o diretor departamental de saúde por ter denunciado que havia muito atraso no processamento de exames laboratoriais) e em La Paz, (onde o Ministro da Saúde denunciou publicamente uma grande dificuldade de coordenação com a instância departamental).

Uruguai e as vantagens da herança recebida

A crise da pandemia no Uruguai explodiu duas semanas depois da instalação do novo governo de direita. A partir de então, todos os dias o Executivo realiza uma conferência de imprensa transmitida ao vivo. Os porta-vozes mudam mas Luis Lacalle e/ou o secretário do presidente, Álvaro Delgado, está presente em todos eles. As primeiras medidas adotadas foram de natureza sanitária e concentraram-se em mitigar a entrada de casos “importados” do COVID-19. Isso inclui, “fechamentos de fronteiras” com quarentena obrigatória de 14 dias para passageiros de países declarados em risco.

O primeiro a se destacar é que, após 15 anos de governo da Frente Ampla, as capacidades do Estado para enfrentar a pandemia são de enorme força. Desde a saúde pública às tecnologias de comunicação que atingem praticamente todos os lugares (incluindo a Internet e o plano Ceibal, que concede um computador por criança). Há também a confiança do país na esfera internacional, que dá origem a linhas de crédito de até 1.500 milhões de dólares, se necessário.

O segundo conjunto de medidas sanitárias visa reduzir a circulação interna do vírus. Nesse sentido, a exortação a ficar em casa tem sido constante, mas até agora não foi declarado o caráter obrigatório. Nesse conjunto de medidas, destacam-se a suspensão de aulas em todos os níveis educacionais e a suspensão de todos os espetáculos artísticos, para evitar multidões. No mesmo sentido, foram tomadas medidas para reduzir as linhas de transporte. Outras medidas no âmbito econômico envolvem a extensão dos planos sociais existentes, novos programas, linhas de crédito para as empresas, implementação do teletrabalho e a expansão de modalidades abrangidas pelo seguro-desemprego. A publicação de uma lista de preços de produtos básicos também foi estipulada, mas o preço desses produtos não foi determinado, apesar do comportamento abusivo de várias empresas e comércios.

O segundo conjunto de medidas sanitárias visa reduzir a circulação interna do vírus. Nesse sentido, a exortação a ficar em casa tem sido constante, mas até agora não foi declarado o caráter obrigatório. Nesse conjunto de medidas, destacam-se a suspensão de aulas em todos os níveis educacionais e a suspensão de todos os espetáculos artísticos, para evitar multidões. No mesmo sentido, foram tomadas medidas para reduzir as linhas de transporte. Outras medidas no âmbito econômico envolvem a extensão dos planos sociais existentes, novos programas, linhas de crédito para as empresas, implementação do teletrabalho e a expansão de modalidades abrangidas pelo seguro-desemprego. A publicação de uma lista de preços de produtos básicos também foi estipulada, mas o preço desses produtos não foi determinado, apesar do comportamento abusivo de várias empresas e comércios.

A demagogia não está ausente no Uruguai e toma o rosto contra os apelos por cortes temporários dos cargos políticos, bem como nos “altos” salários dos funcionários públicos. Isso contribuiria para um fundo criado para receber doações e outras outras fontes de renda para a crise. A quantidade de recursos gerados por esses “cortes” é insignificante em termos de custo total, mas a ação política é clara (mais de 80% da população o apoia. Por outro lado, confronta os trabalhadores públicos e privados e ajuda a fortalecer o preconceito sobre eles e, portanto, contra o Estado, que será um expoente para se posicionar quando as posições neoliberais retornarem claramente.

Dentro dos movimentos sociais, o primeiro grupo a sair forte em propor medidas foi o Sindicato Médico do Uruguai, que instou promover a quarentena geral antes das medidas do governo. Da mesma forma, o movimento sindical realizou várias ações, por exemplo, um acordo entre o Sindicato da Construção e o sindicato dos empregadores para interromper as obras (exceto as de hospitais). A princípio, o governo os impediu, mas depois aprovou a proposta. Por sua parte, a Universidade da República convocou um comitê de crise acadêmica em 16 de março e tem sido um ator importante, principalmente por colocar o componente científico em debate e colaborar com a pesquisa, tanto nos kits de teste quanto na tecnologia disponível para a avaliação da amostra.

A Frente Ampla é o único partido da oposição e tem tido dificuldade em tomar uma posição clara e centralizada. Embora tenham desenvolvido um conjunto de medidas que eles acreditam que devem ser implementadas, a falta de um porta-voz legítimo e ordenado impediu que ele fosse capaz de superar a barreira midiática.

Argentina, o progressismo se reinventa

A Argentina foi o primeiro país a tomar medidas contra a pandemia, em parte porque também foi o primeiro país da região com casos. Desde então, as medidas do executivo tiveram a aprovação da maioria da população. Tanto os consultores da M&F como os da Poliarquia y Analogias concordaram que o governo nacional tem um alto nível de aprovação, enquanto a imagem positiva de Alberto Fernandez subiu para níveis recordes. No estudo da M&F, 91,7% dos entrevistados que aprovam muito (65,2%) e aprovam algo (26,5%) na forma de como Alberto Fernandez conduz o problema do coronavírus no país. Desagregado pelos votos no presidente, 87,2% dos que votaram na Frente de Todos aprovam em “muito” as ações do governo, enquanto 45,3% dos que votaram no Juntos pela Mudança aprovaram em “muito” o governo.

Para a Poliarquia, 64% dos pesquisados valorizam positivamente a administração do presidente, com uma tendência ascendente. Último, Analogias constatou um nível de aprovação das medidas do executivo em 79%, enquanto o valor da imagem positiva do presidente varia para 94%, apoiado por todos os segmentos etários e em todas as variáveis sociodemográficas.

A Argentina não apenas se concentrou nos cuidados, dissolvendo também uma contradição inexistente entre saúde e economia (como está sendo dramaticamente evidente para quem apostou na economia no início da crise), mas também estabeleceu um precedente importante em termos de integração regional. Em sua participação no G-20, promoveu os valores da solidariedade internacional para a criação de um Fundo de Solidariedade Humanitária e se referiu aos países que estão sofrendo bloqueios e sanções econômicas em referência à Venezuela e Cuba.

Além das medidas obrigatórias de confinamento, o governo enfatizou que não era necessário tomar medidas como toque de recolher ou estado de sítio, e que a resolução da pandemia viria da democracia. O governo argentino, que assumiu no final de 2019 após 4 anos de desastre e endividamento macrista – que reduziu o Ministério da Saúde à secretaria, reduzindo o orçamento em saúde e ciência e tecnologia – reconstruiu a capacidade estatal descartada pelo seu antecessor. Em março, a Unidade COVID-19 foi criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pelo Conicet e pela Agência Nacional para a Promoção da Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Seu objetivo é articular as capacidades que a área de C&T (ciência e tecnologia) possui para enfrentar a pandemia. A Argentina foi escolhida como um dos 10 países do mundo para testar e produzir possíveis medicamentos contra o vírus e recentemente, cientistas argentinos conseguiram decifrar o genoma do vírus. Tudo isso demonstra que as decisões de governo são capazes de fazer a diferença.

Em relação ao objetivo da oposição, Fernandez conseguiu fazer com que a crise cancelasse a rixa e fez discursos em unidade com eles, recebendo assim o apoio de seus oponentes. O presidente é o único porta-voz e deve liderar uma crise sem precedentes em um contexto de endividamento que bate recordes históricos logo após sua posse. É por isso que a oposição -fundamentalmente aqueles que vem do governo anterior- decidiram embainhar a espada das hostilidades e apoiar, por enquanto, seu governo.

Venezuela e a resiliência planejada

A resposta do governo da Venezuela foi rápida. Se antecipou às medidas tomadas em outros países da região. Nicolas Maduro tomou a iniciativa política em meio ao cerco que o país está sofrendo com o bloqueio econômico ignorante dos EUA, da União Europeia e do chamado Grupo de Lima. Uma das principais articulações venezuelanas foi com o governo da China para conhecer em detalhes as medidas para conter a pandemia e incorporar todas as indicações para evitar uma situação crítica como a que ocorreu na Itália e na Espanha.

O governo venezuelano estabeleceu a Comissão Presidencial para o Controle e Prevenção da pandemia, orientando medidas específicas para o controle sanitário, compra de testes de COVID-19, equipamento de proteção para o pessoal da saúde (roupa, luvas, máscaras e óculos) bem como a aplicação de medidas econômicas destinadas a garantir a quarentena obrigatória. Foram reforçadas missões específicas sobre questões sociais (a missão Barrio Adentro) e outros programas, como o Carnet de la Patria e os comitês locais de suprimento e produção (CLAP), com o objetivo de garantir a alimentação de 2 milhões de famílias, alcançadas pelas medidas.

O ministério das relações exteriores da Venezuela informou que cerca de 16 mil migrantes venezuelanos estão tentando retornar através da fronteira terrestre com a Colômbia e determinou um envio de um comitê sanitário na fronteira para recebê-los, com medidas de quarentena obrigatória, acompanhamento social e um pacote de ajuda necessário para o repatriamento. No dia 4 de abril, o governo anunciou um toque de recolher em dois municípios fronteiriços (Táchira e Ureña) para impedir que grupos armados colombianos atravessassem a fronteira por medidas ilegais e se tornassem fatores de risco, devido a sua atividade ilegal e à possibilidade de transmissão do vírus. A pandemia entra em uma Venezuela com a já conhecida crise geopolítica, mas com um Estado forte.

O governo também anunciou no dia 20 de março o lançamento de um livro que descreve 101 medidas para impedir a propagação do COVID-19. O livro foi escrito com depoimentos de moradores de Wuhan, província da China, relatando formas de resistência social à pandemia. Foi compartilhado com os 45.000 conselhos comunitários, para que pudesse ser estudado e distribuído digitalmente com as famílias que os compõem.

O Comitê Presidencial e o Presidente se apresentam ao público apresentando números sobre infecções e as tendências globais da pandemia, mostrando a eficácia do isolamento social e todas as medidas que estão sendo tomada.

América Central Populista

Em El Salvador, Nayib Bukele foi o primeiro presidente da região que tomou medidas contra o COVID-19. Sem nenhum caso no território salvadorenho, ele decretou o fechamento de fronteiras e ordenou a criação de centros de quarentena onde se encontravam as pessoas que estavam entrando no país. Em 21 de março, a quarentena foi declarada obrigatória, e com isso, aumentou as restrições de trânsito no território salvadorenho. Paradoxalmente, o Estado tinha o aliado mais inesperado: os grupos de gangues que controlam o território – MS13 e as duas facções do bairro 18, Sureños e Revolucionarios- organizaram a quarentena através de ameaças áqueles que decidiram se circular nas vias públicas. As medidas são muito semelhantes às do governo central, que permite que apenas uma pessoa por família vá comprar comida nos mercados, as empresas têm horário de funcionamento e fechamento, e as pessoas que não cumprirem as ordens, serão espancados ou mortos. Paradoxalmente, o toque de recolher obrigatório do Estado e das organizações armadas reduziu a taxa de mortes violentas; uma das taxas mais baixas foi registrada em março: 65 assassinatos.

Na Guatemala, algo semelhante aconteceu. O crime organizado suspendeu a cobrança de extorsão ante a emergência d COVID-19, assumindo o custo da crise. Para a Páscoa, o recém eleito Alejandro Giammattei estabeleceu medidas como a proibição de mobilização fora dos departamentos de residência, viagens de lazer e até uso de bebidas alcoólicas em espaços públicos. Da mesma forma, o Executivo enviou um pacote de reformas a serem aprovadas pela Assembleia, reformas que são a continuação do “Pacto dos Corruptos”, como a transferência do Ministério de Governança, transferência de equipamentos e salários da Policia Civil Nacional, em torno US$2.600.000 dólares para o parlamento, $650.000 para a Associação de Dignitarios da Assembleia Nacional Constituinte -setor que apoiou Jimmy Morales em sua decisão de não renovar o mandato da comissão internacional contra a impunidade – e somente 3.900 dólares ao Ministério da Saúde para melhorar a infraestrutura e hospitais.

Em Honduras a profunda preocupação pelo alcance real do sistema público de saúde hondurenho provocou que comunidades Lencas e Garifunas – onde se encontram o Comitê Cívico de Organizações Populares e Índigenas de Honduras (COPINH) e a Organização Fraternal Negra Hondurenha (OFRANEH) – fechassem suas comunidades e levaram a cabo um processo organizativo de saúde e de resgate dos saberes dos povos para confrontar o COVID-19. O COPINH, por sua parte, denunciou no 4 de abril que o exército centraliza as principais ferramentas para atender o COVID-19, o que em prática está deixando a população hondurenha a sua própria sorte.

Juntamente com a quarentena e o toque de recolher obrigatórios a partir das 22h no Distrito Central, La Ceiba e Choluteca, o governo se reuniu com o Conselho Empresarial Privado de Honduras (COPHEP), a quem ofereceu benefícios como extensão do prazo para pagamento de impostos, programas de financiamento do Banco de Produção e Habitação de Honduras (Banhprovi), redução de dias úteis de trabalho por meio de um conceito de férias e criação de um fundo comum para dar salários aos trabalhadores e trabalhadoras. Diante disso, o setor mais afetado continua sendo o de pequenos comerciantes e trabalhadores. A prioridade do presidente Juan Orlando Hernandez foi encontrada na militarização, como uma manobra para a manutenção do regime. Na América Central, é o Estado que dedica o maior investimento a entidades repressiva – US$ 364 milhões- enquanto o investimento em saúde vem diminuindo.

Por último, Panamá é o país com o maior número de pessoas infectadas e com as medidas de contenção mais arbitrárias. Conforme anunciado pelo Ministério da Segurança, as mulheres só serão autorizadas a ir a supermercados, bancos e farmácias as segundas, quartas e sexta-feiras, enquanto os homens poderão fazê-lo às terças, quintas e sábados. Aos domingos, no entanto, ninguém poderá sair de casa. A medida, de estrito binarismo biológico (não se sabe quais são as opções oferecidas às pessoas que não se identificam com o sexo de nascimento). Essas medidas tão pouco impediram os primeiros saques de lojas, devido à crise econômica, algo semelhante ao que também é registrado em Honduras.

Na Nicarágua, as medidas adotadas por Daniel Ortega têm sido controversas. Rosário Murillo, vice-presidente da República, informou que o governo está treinando mais de 100.000 novos membros da brigada de saúde com os quais, no total, seriam 250.000 pra visitar aproximadamente um milhão de famílias, compartilhando e explicando as medidas de prevenção de COVID-19, como sobre higiene e segurança. Esses 250.000 membros da brigada também continuarão com o trabalho de investigação, identificando casos com sintomas respiratórios e febre. Embora o sistema de saúde da Nicarágua tenha se mostrado eficaz em outras pandemias, como a dengue, alguns especialistas afirmam que não é uma medida apropriada.

Em Cuba, no início de abril, foi declarada a fase de transmissão autóctone limitada de COVID-19 e foram iniciadas medidas de quarentena (de forma escalonada), de acordo com os critérios técnicos da autoridade sanitária do Ministério da Saúde Pública e em correspondência com as medidas contidas no Plano de Prevenção e Controle do novo coronavírus(COVID-19). Essas medidas serão modificadas, dependendo do comportamento do vírus. Anteriormente, o distanciamento social era solicitado e também foi tomada a decisão de solicitar a retirada de navios e estrangeiros e suspender a chegada de todos os tipos de aeronaves. Ao mesmo tempo, o governo decidiu que, no caso de qualquer pessoa nessas equipes apresentar sintomas de COVID-19 receberá atendimento médico – de acordo com os princípios da revolução-.

A marcha de 1° de maio foi cancelada e também a realização da Congresso da Associação Nacional de Pequenos Agricultores. Diante disso, o governo convocou a Central dos Trabalhadores de Cuba a conceber uma maneira de comemorar o 1° de maio, para que não seja esquecido. Além disso, existem considerações específicas de teletrabalho para as pessoas mais vulneráveis à contração do vírus; Isso é feito para que essas instâncias não se fechem completamente. Cuba também foi o país da região que proporcionou maior colaboração com outros governos no combate ao COVID-19 (Itália, Belize, Haiti, etc.).

O gigante regional, o México, tem dois pontos fortes chave: é o principal exportador da indústria farmacêutica da América Latina, com mais de 600 unidades econômicas especializadas no setor. Por isso, ele conseguiu acompanhar o chamado do Diretor-Geral da OMS, testando todos os casos suspeitos. Em segundo lugar, possui uma maior infraestrutura de saúde, comparada a maioria de seus vizinhos.

A adoção cautelosa de medidas, mais enérgicas e antecipatórias do que na Europa, mas longe do populismo sanitário de Bukele, afetou levemente a popularidade de López Obrador. Em um momento de alta emocionalidade, o público pedia medidas rápidas independente da racionalidade da medida. No #AMLOTrackingPoll, um exercício estatístico diário de medição digital sobre a aprovação ou desaprovação do presidente Andrés Manuel López Obrador, realizado pela Consulta Mitofsky, verifica-se que a aprovação do presidente mexicano caiu de 55,6% em fevereiro para 49,6% em 27 de março. No mesmo sentido, o Grupo de Economistas Associados e Pesquisa Social Aplica em seu relatório intitulado “México: governança em tempos da quarta transformação”, destaca-se que a aprovação do presidente passou de 57% em novembro para 47% no início de março.

Apesar das críticas, deve-se lembrar que as medidas de isolamento para populações vulneráveis foram decretadas em 16 de março, quando havia apenas 100 infectados (na Espanha foram realizados 1.000 casos e na Itália, com mais de 2.000). Além disso, no México, existe um sistema implantado no território para vigilância epidemiológica: Sentinela. Este sistema envia alertas precoces de detecção de influenza e incorporou um algoritmo para testar o coronavírus. Por fim, em relação à política econômica, o México providenciou a criação de um Fundo de Prevenção e Prevenção de Emergências de 180 bilhões de pesos para enfrentar essa adversidade.

Terminamos o tour pela região da América Latina no Paraguai, onde o governo de Mario Abdo adotou medidas rápidas e drásticas destinadas a impedir a circulação e propagação do vírus pelo Paraguai. O presidente se apresenta como o principal porta-voz da campanha, usando as entrevistas coletivas como uma ferramenta fundamental de comunicação para transmitir suas decisões. Entre as medidas mais recentes, destaca-se a realocação de mais de 50% do orçamento programado para o primeiro semestre, orientando-o para o fortalecimento do Ministério da Saúde. Destaca-se também o pedido de ajuda do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento para enfrentar a situação. Também foram organizados o fechamento de fronteiras e a cessação de atividades acadêmicas de todos os níveis e espetáculos massivos para evitar aglomerações.

Atualmente, o Paraguai deve enfrentar a pandemia com um sistema de saúde debilitado devido a uma longa história de esvaziamento da saúde pública  nos goernos colorados e o golpe da pandemia de dengue.

A frente eleitoral no contexto da pandemia

Na Bolívia, o TSE decidiu adiar as eleições, que não serão mais em 3 de maio. No entanto, a data ainda não foi definida. O órgão eleitoral enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa, estabelecendo um período muito amplo, entre junho e setembro, para a realização das eleições gerais.

Antes da pandemia, Jeanine Áñez estava mostrando um aumento na preferência eleitoral e Mesa havia estagnado. Os limites eleitorais de Luis Arce e Jeanine Áñez eram semelhantes. Não é fácil antecipar o comportamento da votação após a pandemia. Pesquisas mostram que o apoio da população às medidas adotadas pelo governo de Áñez contra o COVID-19 tem um apoio da população entre 53% a 64%, embora a rechaça de certos setores da população ao duplo papel de presidente e candidata de Jeanine seja relevante e crescente. No início das medidas contra a pandemia, Luis Arce foi muito ativo, conseguindo que várias de suas propostas sejam implementadas pelo governo golpista. No entanto, nas últimas duas semanas, sua presença pública diminuiu até quase desaparecer. Em contrapartida, Carlos Mesa mostra maior atividade de comunicação, até colocando posições críticas em relação as medidas adotadas pelo governo golpista.

Entre as medidas drásticas adotadas pelo governo Mario Abdo no Paraguai, o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) anunciou o adiamento das eleições partidárias e municipais em resposta ao alerta epidemiológico emitido pelo Ministério da Saúde Pública. As eleições municipais para votar nos prefeitos e membros das Câmaras Municipais para o período 2020-2025 serão adidas para meados de novembro, de acordo com o novo calendário do TSJE, e a data em que os partidos elegerão seus candidatos, prefeitos e vereadores passará a ser de 12 de julho a 2 de agosto.

Na República Dominicana, foram realizadas as eleições municipais que haviam sido adiadas. O resultado uniforme entre os candidatos ocorre em meio a alegações de fraude após a falha do sistema automatizado e sob o forte impacto da eleição ter começado ao mesmo tempo em que os primeiros casos da pandemia apareceram na ilha.

Na Guiana, a contagem eleitoral atrasada foi adiada por quase um mês (a partir de 2 de março) e eles permanecem na incerteza, ainda hoje, de quem governará nos próximos 5 anos. A pandemia invisibiliza nada menos que uma manobra adiada e um atraso excessivo e injustificado na divulgação dos resultados das eleições gerais.

Em outros casos, como no do Haiti, as eleições demoraram para conseguir parar os protestos que desde 2018 queimam na ilha. O toque de recolher alcançou o que a política não pôde: travar os protestos sociais e ignorar a ausência do congresso desde o inicio do ano e a suspensão indefinida da eleição dos congressistas

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