Homenageando os 100 anos da bailarina Alicia Alonso, falecida no último ano, os 90 anos do artista plástico Alfredo Sosabravo e o personagem de desenho animado Elpidio Valdés, o II Festival da Cultura Cubana ocorre neste final de semana, a partir das 12h dos dias 7 e 8 de novembro, com transmissão pelo Facebook, YouTube e televisão (TVT, canal 44.1 na Grande São Paulo).
Entre as atrações do evento, destacam-se a histórica Orquesta Aragón, fundada em 1939; a companhia Acosta Danza, do aclamado bailarino Carlos Acosta, diretor do Birmingham Royal Ballet; e o grupo de teatro infantil La Colmenita, em atividade há mais de 30 anos. Yaniel Matos, Fernando Ferrer (sobrinho de Ibrahim Ferrer, do lendário grupo Buena Vista Social Club) e Batanga & Cia. se encarregarão de explorar a mistura entre os ritmos cubanos e brasileiros. É, portanto, uma oportunidade para conhecer melhor os sons, cores e rostos de Cuba.
Em entrevista para a Revista Opera, o cônsul-geral de Cuba em São Paulo e ex-diretor de Relações Internacionais do Ministério da Cultura do país, Pedro Monzón, conversou sobre a relação entre a cultura, a luta pela independência da nação e a unidade política após a revolução de 1959. Falou, ainda, sobre as semelhanças entre o Brasil e Cuba, e como iniciativas como o Festival podem quebrar estigmas.
REVISTA OPERA: O festival é parte das comemorações pelo Dia Nacional da Cultura Cubana (20 de outubro). Essa data foi instituída em 1980, homenageando a primeira vez em que o hino La Bayamesa foi entonado. Isso me faz pensar no que se diz sobre a Revolução: que o que ocorreu em Cuba não foram várias revoluções, mas uma só, que começou no século XIX com as guerras pela independência. De maneira análoga, podemos falar de unidade cultural em um país atravessado por tantas rupturas ao longo da sua história?
PEDRO MONZÓN: Se você analisa a história de Cuba há uma perfeita unidade cultural, e em todos os sentidos: desde que a nacionalidade cubana começou a ser criada, amadurecida, foi-se instituindo uma forma de ser, uma identidade, e essa identidade foi sendo enriquecida e fundida cada vez mais. A origem, como você sabe, tem muito a ver com as influências da Espanha e da África… da China e, um pouco menos, da França; mas no fim nos separamos dessas influências, porque elas se fundiram e se converteram em algo novo, que é a cultura cubana. Toda a nossa história está completamente vinculada, atada às duas guerras de independência, às atividades pela libertação antes do início das guerras. Mesmo depois, quando nos convertemos em uma república subordinada à dos Estados Unidos, houve uma coerência. Inclusive José Martí – imagino que você o conhece, porque vejo que você entende de Cuba – sempre esteve presente, sempre como ideia, como pensamento, como motivação básica de todas as lutas de libertação, as concepções éticas de justiça social da Revolução Cubana, de forma que Fidel disse uma vez que o autor intelectual da Revolução Cubana foi José Martí; ele repetiu isso sempre, e antes de morrer disse que o deixassem em um lugar que de nenhuma forma competisse com José Martí.
Ele era um martiano profundo. Martí é uma figura tremenda que, digamos, é quase o fio condutor da nossa revolução; e a cultura, como você sabe, não é só a música, as artes plásticas, o cinema etc. A cultura é tudo, e tem muito a ver também com esse comportamento diante de valores tão importantes como o da independência, da justiça social, da liberdade. A cultura não pode se separar disso. Mas a verdade é que sim, há um vínculo cultural no povo cubano desde o princípio, desde que começa a amadurecer a nacionalidade; desde que Céspedes libera os escravos, quando a cidade de Bayamo foi queimada, no contexto da guerra, para não entregá-la aos espanhóis, tudo isso tem a ver com a formação da nossa nacionalidade, que é forte. Definitivamente, a cultura e a nacionalidade cubana são muito, muito fortes, estão dentro de nós.
REVISTA OPERA: O decreto que institui o Dia Nacional da Cultura é muito interessante, porque afirma que a cultura cubana é “independentista, anti-escravista, anti-imperialista e projetada para o progresso social”. São palavras que não costumam estar, por exemplo, nos decretos brasileiros. No século XXI, como essas características têm se manifestado nas mobilizações culturais cubanas? Para além das iniciativas do Estado, como elas se manifestam na criatividade do povo cubano?
PEDRO MONZÓN: O hino, como você bem sabe e bem diz, é, digamos, a fusão da cultura com os sentimentos pátrios, os sentimentos de independência nacional e de justiça social. A cultura tem muito a ver com isto, depende do que você se refere com relação à cultura. Nós temos tido que lutar muito contra as influências estrangeiras no terreno cultural, como todos os países. Os Estados Unidos, em especial, são um país muito importante, economicamente muito rico, e isso se expressa também na energia com que promovem seus produtos culturais. Alguns são bons, mas muitos são muito maus e promovem a violência, o sexo, as guerras… os filmes estadunidenses são pavorosos. O que a Revolução Cubana tem de bom é que foi muito radical. Nós não brincamos com a independência, desde o começo a revolução se radicalizou. Não houve banho em água morna: criou-se um novo exército, o Estado desempenhou – e desempenha – um papel fundamental, a política em Cuba é poderosa. Não é como outros países. Agora, por exemplo, com a pandemia, quando o Estado toma as decisões, conta com todas as instituições, somos todos um mesmo fenômeno e todos nós atuamos de acordo com a mesma linha para proteger o povo. É assim com tudo, quando há catástrofes, quando há que lutar contra o bloqueio, que saem milhões de pessoas no país manifestando-se, quando quisemos que regressasse o menino Elián, que sequestraram em Miami, quando lutamos pela revolução dos cinco heróis cubanos que estiveram presos nos Estados Unidos; ou seja, tudo isso indica como a revolução tem conseguido, desde o ponto de vista geral – o que tem implicações culturais – uma unidade tremenda. O que não quer dizer que não há diferenças, que há problemas, que há pessoas com critérios, que tenhamos cometido defeitos; mas o certo é que há uma capacidade de compactação da sociedade cubana que tem a ver com a origem da revolução, com as medidas sociais de justiça social, a educação livre, a saúde livre, a cultura praticamente gratuita, muitas medidas foram tomadas para garantir o bem-estar do povo, a elevação cultural, da cultura e da educação do povo. Toda a população foi alfabetizada em um ano. Atualmente somos um dos povos mais educados, mais cultos do mundo.
No campo da ciência, a biotecnologia cubana compete com a biotecnologia do Primeiro Mundo. Temos quatro vacinas contra a Covid, que estão em teste mas temos certeza de que serão efetivas, e haverá mais duas. Isso significa que em 2021 teremos quatro vacinas para aplicar. Duas delas já estão registradas pela Organização Mundial de Saúde. Isso tem a ver com esse fenômeno, certo? Um dia desses uma companheira teve que fazer uma apresentação sobre políticas públicas, e em muitos países as políticas públicas são reservas, são espaços limitados. Em Cuba, tudo é política pública! A revolução é política pública, e isso tem a ver com a cultura e se reflete na cultura. Claro, é preciso lutar contra as influências negativas que estão aí permanentemente, mas no caso de Cuba isso é muito mais fácil por essa coerência que existe; porque os meios de comunicação não são privados. Quando há meios de comunicação, você sabe, eles respondem a interesses privados, muitas vezes respondem aos grandes capitais, a grupos reacionários. Em Cuba, não. Em Cuba, as propagandas não são de produtos – nem de pasta de dentes, nem de sabão. São comerciais entre aspas, para aumentar a educação, os conhecimentos de História etc etc. E a imprensa também, a imprensa não está em mãos privadas e não está em função dos interesses privados, de grupos, seitas que respondem a determinados interesses. Não é assim. Respondem a interesses estatais, programáticos, que têm sido considerados na própria definição dos estatutos e dos projetos de desenvolvimento do partido, da nação. Há políticas. Há políticas, e são estáveis. São estáveis e, desde o início da revolução, funcionam.
Agora, isso segue sendo assim: nós, por exemplo – com o bloqueio atual, que é brutal, leva 60 anos e Trump o multiplicou por mil, o tornou muito mais difícil -, no meio da pandemia, o país segue unido, não há uma rebelião! Quando chegou o período especial, que acredito que você saiba do que se trata, que desaparece a União Soviética e os países socialistas, o país não se despedaçou. Seguimos unidos. E não se trata de um país onde o povo é um povo submisso, somos “ovelhas”; a história de Cuba, que você conhece, é uma história de luta, de gente valente, audaz, que tem lutado em todos os momentos. Se quiséssemos ou tivéssemos entendido que a revolução não era boa para o povo, teríamos eliminado o governo revolucionário. Isso não aconteceu porque há uma coincidência, há um consenso geral – apesar do grupúsculo, muitas vezes financiado a partir do estrangeiro, que trata de se opor ou desprestigiar a revolução. A grande maioria do povo apoia a revolução, e isso se reflete na cultura, na idiossincrasia, no comportamento das pessoas.
REVISTA OPERA: No festival participarão artistas que misturam os gêneros musicais cubanos e brasileiros, como Fernando Ferrer e Batanga & Cia. Que pontos de intersecção existem entre a cultura do Brasil e a de Cuba?
PEDRO MONZÓN: Muitíssimos! Somos quase iguais (risos). Etnicamente, temos muito em comum. Europa e África. No caso do Brasil, é Portugal, mas de qualquer forma é Europa. Europa e África. Isso se reflete na música. Há três países que são fontes fundamentais de música popular dançante no mundo: Estados Unidos, Brasil e Cuba. Os Estados Unidos são um país imenso e riquíssimo, e o Brasil é um país imenso. Cuba é uma ilha pequenininha, mas temos temos essa comunidade, essa possibilidade. Cuba tem uma cultura riquíssima, o Brasil também, e é muito diversa, dependendo dos lugares. A idiossincrasia é similar, a conduta, a jovialidade, a simpatia do brasileiro se parece muito com a do cubano. A religião, que não sei se já mencionei, mas também tem esse componente euro-africano como em Cuba, ainda que aqui tenha sido Portugal e, em Cuba, Espanha. É um fenômeno similar de sincretismos, em ambos casos. Além da música, gostamos da dança. Temos muitas coisas em comum que desfrutamos. Em Cuba gostamos muitíssimo de música brasileira; e aqui gostam da música cubana, e devemos seguir promovendo-a. Então sim, há muitas razões para que sigamos aproveitando culturalmente as possibilidades que nossos países têm, e para que sigamos desenvolvendo essa relação fraternal que une nossos povos, que nenhuma conjuntura pode apagar de nenhuma maneira.
REVISTA OPERA: De que formas a aproximação dos brasileiros à cultura cubana tem ajudado a formular outras visões sobre a ilha? Em um país como o Brasil, onde a imprensa costuma falar de Cuba de uma maneira negativa, como essas iniciativas do Consulado podem ajudar a mudar as percepções sobre Cuba?
PEDRO MONZÓN: A cultura é fundamental. Eu não quero dizer que é uma arma, porque não quero confundir a cultura com a violência, mas é um recurso tremendo de comunicação. Tremendo. Eu tenho experiências em outros países, e tenho experiências aqui no Brasil, de que através da cultura você pode estabelecer laços de amizade. A pessoa pode dizer “vale a pena conhecer esse país, ainda que a imprensa diga o que diga, parece ser um povo muito simpático”. Ou seja, a cultura aproxima. Às vezes, através da cultura viajam a Cuba, e quando chegam em Cuba percebem que Cuba não é o que a imprensa pinta. Eu estive envolvido na promoção de eventos dos Estados Unidos em Cuba, do Ministério da Cultura, e quando os artistas de primeira linha voltavam aos Estados Unidos diziam “isso é mentira, o que a imprensa estadunidense diz é mentira. Esse país não tem nada a ver com a imagem que construíram”. Também estive no Japão, e os japoneses adoravam Cuba. E os vínculos começam pela cultura.
A cultura é uma maneira de mostrar a identidade, o caráter e a riqueza, inclusive a qualidade humana dos cidadãos. Eu acredito que isso tem ajudado. O turismo tem que ajudar mais, deve haver mais turismo; o Brasil tem tido problemas econômicos, o mundo em geral, e isso impacta o turismo. Além disso, Trump tem aplicado medidas terríveis contra o turismo em Cuba. As pessoas iam muito a Cuba em cruzeiros, e pouco antes da pandemia [Trump] suspendeu os cruzeiros devido a essas medidas políticas, as chamadas “sanções”, e isso causa muito dano. Nós esperamos que tudo se normalize, e quanto mais brasileiros possam ir a Cuba, mais amigos brasileiros vamos ter. Em Cuba somos amigos dos brasileiros, não tenha dúvida. Gostaríamos de viajar mais ao Brasil, mas às vezes depende de… às vezes, nem sempre,p depende dos recursos econômicos que você tem, mas nós, cubanos, gostamos do cinema brasileiro, da música brasileira, do caráter dos brasileiros, sem dúvida. A cultura pode ajudar a modificar a imagem, é uma substância que pode provocar uma alteração da imagem que às vezes a imprensa promove, que muitas vezes está cheia de coisas falsas. Antes diziam mentiras, agora a mentira é comum em todos os meios de comunicação, com uma facilidade enorme se dizem mentiras e não acontece nada. Há muita impunidade. Às vezes são os governos que dizem mentiras, abertamente e impunemente, e a imprensa também, muitas vezes.
REVISTA OPERA: O festival homenageia os 100 anos da bailarina Alicia Alonso. Havia muita gente no funeral da prima ballerina assoluta, mas o que chamou minha atenção foram as crianças que estavam na porta do Teatro Nacional com as famílias e suas professores de ballet, usando tutus. Como os grandes ícones da cultura cubana são revividos pelas novas gerações? Com que elementos esses ícones podem contribuir?
PEDRO MONZÓN: Sim, eles são fundamentais, acredito que no mundo inteiro. Há ícones maus e há ícones bons. Em Cuba, os ícones são bons, essa é a verdade. Alicia Alonso é uma figura tremenda, segue sendo uma figura tremenda, como você bem sabe. E, claro, a admiram: as crianças, a família… em Cuba, é muito difícil conseguir uma cadeira em um evento de ballet em um teatro grande. Muito difícil, porque as pessoas querem ir ao ballet, à ópera. O cubano tem cultura, e a cultura cubana é muito rica, essa é a realidade. Eu trabalhei no Ministério da Cultura e era impossível ir às exposições nas galerias, aos shows, às peças de teatro. É um volume enorme, diariamente. E tudo isso, claro, move-se sempre tendo figuras básicas que são paradigmas, que as pessoas consideram muito. Alicia é uma.
Agora temos Carlos Acosta, que é outra potência enorme do ballet cubano; Omara Portuondo na música – na música há muitos, a música é infinita em Cuba; na pintura também, Nelson Domínguez, Tomás Sánchez, um monte de pintores de primeira linha que existem em Cuba e são figuras, são chamados de professores pelas pessoas e os admiram, vão às atividades deles. Então sim, claro, esses ícones são fundamentais, e em Cuba os ícones se mantêm muito relacionados com o povo, não estão distantes. Estão perto das pessoas, e isso é importante. As pessoas [de outros países] vão ver um artista e pedem um autógrafo, como se fazia antes em Cuba, e isso não existe em Cuba. É comum vê-los como se fossem um ser extraterrestre. Em Cuba, o artista se vincula com você, e fala com você e toma algo com você, toma café com você, fuma um tabaco cubano – que, aliás, é muito bom, é o mais saudável – tranquilamente, sem problema algum. São pessoas muito simples.
REVISTA OPERA: E falando do ballet, a Escola Cubana foi um marco, porque de certa forma desafiou o elitismo e o eurocentrismo tradicionais nessa dança clássica. É uma escola muito mais inclusiva, pelas políticas públicas que você já mencionou, e isso possibilita a existência de nomes como Carlos Acosta, que vai estar no festival. Em muitos momentos, esse “ímpeto de rebeldia” teve um custo para Cuba, a persistência do bloqueio é uma evidência disso; mas também, por outro lado, deu-lhe um lugar protagônico na história e na cultura da América Latina, do Caribe e do mundo – penso na Escola Cubana de Ballet, mas também na Casa de las Américas e em tantos outros espaços. A cultura cubana consegue abrir portas que não puderam ser abertas através dos meios políticos convencionais?
PEDRO MONZÓN: Sim, claro. A cultura cubana sempre foi forte e tivemos talentos muito grandes, mas antes da revolução eram, digamos, casuísticos. Depois da revolução isso se converteu em algo massivo, o país se encheu de escolas, não só escolas para os estudos normais, mas também para os estudos artísticos, culturais, e foi criada uma universidade, e foram criadas casas de cultura, e foram criados movimentos de instrutores culturais etc. A cultura cubana teve um desenvolvimento muito grande depois da revolução. Abriu muitas portas, esse é o fato. Eu estive em outros países como embaixador, e a cultura cubana tem sido um recurso fundamental para a comunicação com as pessoas. Mencionei o Japão agora há pouco, estive na Malásia também, na Austrália, e a cultura é um veículo ideal de comunicação com as pessoas, que rompe as barreiras políticas. Tive relações muito boas com gente de direita e de ultradireita, e tudo começou pela cultura. Às vezes o tabaco ajuda (risos), mas muitas vezes, na maioria das vezes, é a cultura. Nós temos um método de alfabetização, acredito que você o conheça, que se chama “Yo sí puedo”, que está respaldado pela UNESCO, tem sido aplicado em toda a América Latina e em outros países do mundo. Nós o introduzimos na Austrália, para os aborígenes. Quando fui embora já havia quatro comunidades aborígenes, que estavam muito mal, alfabetizadas. E eu, nesse contexto, fiz relações com pessoas de direita que ficaram admiradas com o que Cuba estava fazendo no campo da alfabetização, que tem a ver com a cultura. E se converteram em parceiros, apesar de serem antisocialistas, anticomunistas, antiesquerda. Estabelecem uma relação humana porque somos, no fundo, no final – e no princípio, sobretudo -, esses seres humanos. Exceto pessoas muito recalcitrantes, que desgraçadamente existem. [Mas] há muitos seres humanos que, quando você estabelece contatos desta índole, em setores tão humanos como a cultura, se abrandam, te escutam, e chega um momento em que te compreendem e finalmente se sentem atraídos. Essa é a verdade.
Há muita literatura sobre a chamada “soft diplomacy”; nós não podemos dizer que a utilizamos como soft diplomacy, porque muitas das coisas feitas por Cuba são feitas por princípio, por razões éticas. Por exemplo, a ajuda solidária de Cuba na saúde pública não é soft diplomacy, sentimos que é obrigação. O que Cuba fez apoiando Angola quando sua independência esteve ameaçada, não foi como soft diplomacy – aí não seria “soft” em nenhum caso -, mas por convicções, por razões éticas, coisa que não é comum para um país tão pequenino como o nosso. E a alfabetização também não tem a ver com isso, certo? O mesmo para a cultura, a cultura é um fenômeno que transborda Cuba. Nós temos tanta cultura que não cabe na ilha, simplesmente tem que estar saindo e movendo-se. Eu dirigi as Relações Internacionais [do Ministério da Cultura] e estava louco com a quantidade de trâmites diários de saída de milhares e milhares de artistas movendo-se pelo mundo inteiro, nos Estados Unidos e na Europa, no Japão, continuamente movendo-se pelo mundo. E isso te dá uma ideia de como a cultura pode ser um fenômeno amistoso, não? O grosso dos artistas cubanos está em Cuba. Há alguns que estão fora, e isso é normal, por razões que explicam qualquer tipo de migração; há dois ou três que são inimigos porque normalmente são estimulados para ter atitudes não amistosas, mas os artistas cubanos têm uma raiz muito forte em Cuba. Os cubanos, em geral, se sentem muito ligados à nossa cultura.