Cuba anunciou resultados positivos e animadores para uma variedade de vacinas que estão sendo desenvolvidas atualmente para a COVID-19, mas as sanções dos EUA contra a pequena nação insular estão impedindo o desenvolvimento e a implementação de tratamentos com o potencial de salvar vidas.
Duas das vacinas candidatas, chamadas Soberana 1 e Soberana 2, geraram anticorpos que bloqueiam a infecção em animais e estão mostrando sinais igualmente promissores em testes em seres humanos. Enquanto isso, uma outra vacina, baseada em uma proteína do vírus da hepatite B, é a única administrada através do trato nasal e não requer agulha para aplicação.
Se algum desses esforços tiver sucesso, a nação caribenha – uma potência médica que já desenvolveu uma vacina contra o câncer de pulmão, além de métodos para impedir a transmissão vertical do HIV e da sífilis – provavelmente se tornará um importante fornecedor para outros países da América Latina e em desenvolvimento que foram efetivamente impedidos de comprar vacinas para a COVID de empresas ocidentais, visto que as nações ricas já começaram a estocar medicamentos contra o coronavírus.
A Dra. Helen Yaffe, da Universidade de Glasgow, autora de “We are Cuba! How a Revolutionary People Have Survived in a Post-Soviet World” (Somos Cuba! Como um povo revolucionário sobreviveu em um mundo pós-soviético), impressionada e contente com a notícia, disse ao MintPress: “Cuba agora tem quatro vacinas candidatas específicas para a COVID em teste clínico. O fato de uma pequena ilha caribenha realizar um feito tão notável evidencia seu setor estatal de biotecnologia, que está voltado para demandas de saúde pública e integrado em seus sistemas de saúde e educação. Depois de ouvirmos por anos que somente o mercado leva à eficiência e inovação, a economia planejada socialista de Cuba demonstra o que é possível fazer quando há vontade política, boa coordenação, organização e bem-estar social como prioridade”.
No entanto, o desenvolvimento da imunização cubana vem sendo seriamente prejudicado pelas ações do governo dos EUA, principalmente devido a décadas de embargo econômico à ilha, algo que o governo cubano estima ter custado ao país mais de 750 bilhões de dólares.
Conforme reportagem da Reuters, Cuba, sem recursos, não consegue comprar as matérias-primas necessárias para aprimorar o desenvolvimento de vacinas e ajudar outros países. Os hospitais enfrentam obstáculos enormes para importar equipamentos para salvar vidas devido ao embargo, enquanto as sanções obrigam o país, que importa a grande maioria de seus alimentos básicos, a gastar muito mais com mantimentos do que outras nações. Como resultado, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos, quase um terço das crianças sofrem de anemia devido à nutrição monótona e insuficiente disponível.
O embargo econômico também obriga Cuba a consertar continuamente sua infraestrutura decadente e a interromper a importação de veículos, levando até à devolução de carruagens a cavalo da ilha. A produção de alimentos é prejudicada; com pouco petróleo disponível para a agricultura, o país voltou a depender do trabalho humano ou animal. O embargo também forçou o país a ter que desenvolver seu setor farmacêutico e biotecnológico, que cresceu e se tornou um dos mais avançados do mundo.
Em novembro do ano passado, 187 países votaram a favor do fim do embargo (com EUA, Israel e Brasil votando “não”). Quase dois terços dos norte-americanos também apoiam o fim da ação. Apesar disso, o governo Trump, de fato, intensificou a pressão sobre Cuba, como explicou Yaffe: “Cuba foi submetida a 46 sanções adicionais e a novas medidas que endurecem o embargo, para espantar investidores estrangeiros e criar escassez e dificuldades para Cuba no acesso às matérias-primas, inclusive para seu setor de biotecnologia e indústria farmacêutica”.
Um exemplo disso, como Yaffe observa em seu novo documentário, “Cuba and COVID-19: Public Health, Science and Solidarity” (Cuba e a COVID-19: Saúde Pública, Ciência e Solidariedade), é que a ilha não consegue mais comprar ventiladores ou peças para máquinas já existentes porque a empresa suíça com a qual lidava foi comprada por outra norte-americana, que, temendo possíveis represálias, suspendeu qualquer contato com Havana.
Um desafio mais positivo, mas ainda assim difícil, que o governo cubano enfrenta ao testar suas novas vacinas é a falta de pacientes com COVID-19 na ilha, que tem a maior proporção de profissionais médicos per capita do mundo. Até o momento, o país registrou apenas 7.639 casos e 131 mortes. Vizinhos conservadores apoiados pelos EUA, como Brasil, Equador e (até recentemente) Bolívia, que expulsaram médicos cubanos que trabalhavam dentro de suas fronteiras, têm se saído muito pior.
Sob o governo Trump, os EUA também foram líderes no mundo em roubar equipamentos médicos e equipamentos de proteção individual, confiscando remessas e desviando suprimentos de outros países para si. E no auge do surto no Irã, o governo foi incapaz de comprar ou importar equipamentos para salvar vidas devido às sanções norte-americanas, já que nenhuma nação estava disposta a provocar a ira do Secretário de Estado Mike Pompeo, que ameaçou aplicar sanções severas a qualquer pessoa disposta a fazer negócios com o Irã. Por fim, a Organização Mundial da Saúde interveio diretamente, doando suprimentos para o Irã, um dos motivos pelos quais o governo Trump deixou a OMS.
Os EUA, juntamente com outras nações ricas, também vem silenciosamente comprando a maior parte de quaisquer futuros suprimentos de vacinas, monopolizando o mercado e deixando pouca esperança para os países em desenvolvimento garantirem seu próprio abastecimento de vacinas. As corporações com fins lucrativos que realizam a pesquisa deixaram claro que pretendem ocultar segredos de produção para lucrar. Além disso, elas não têm capacidade de imunizar o mundo inteiro. A empresa norte-americana/alemã Pfizer, por exemplo, prevê que poderá fornecer o suficiente para apenas cerca de 650 milhões de pessoas até o final de 2021. É por isso que o desenvolvimento de tratamentos fora do modelo com fins lucrativos é tão importante.
A Pfizer anunciou que seu ensaio clínico com mais de 43.000 pessoas em seis países foi um sucesso, com uma taxa de imunização de 90% e apenas 94 pessoas contraindo o vírus da vacina. A Moderna, sediada em Massachusetts, afirma que sua vacina é ainda mais eficaz, com uma taxa de imunização de 94%, e não precisa ser armazenada em temperatura de -80 °C como a da Pfizer.
O primeiro país a anunciar uma vacina potencial foi a Rússia, no entanto, o governo divulgou a notícia em setembro, onde os pesquisadores afirmaram que a “Sputnik V” era 90% eficaz e que a Rússia poderia produzir 500 milhões de doses anualmente. As ofertas russas e norte-americanas parecem se basear na mesma lógica científica e produziram resultados amplamente semelhantes. No entanto, a vacina russa foi criticada quase que universalmente na imprensa ocidental, enquanto as norte-americanas foram noticiadas como uma conquista histórica. Assim, a manchete da Sky News descreveu a descoberta da Pfizer como um “grande dia para a ciência e para a humanidade”, enquanto lançava dúvidas sobre a eficácia da Sputnik V, alegando que o método sigiloso russo é um retrocesso ao “seu espírito na Guerra Fria”.
Independentemente de um ou de todos os tratamentos funcionarem, o mundo precisará de um esforço internacional contínuo e coordenado para se imunizar contra a COVID-19, já que nenhuma empresa pode abastecer o planeta inteiro. Ao continuar com o embargo contra Cuba, o governo dos Estados Unidos pode estar condenando grande parte do mundo a viver por mais meses sob uma pandemia mortal que ceifou a vida de mais de 1,32 milhão de pessoas.