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O Ocidente passa por uma contração de seu poder, não necessariamente um declínio

É tão difícil imaginar o Ocidente ocupando um espaço subordinado no contexto mundial quanto é imaginá-lo em uma relação igual e pacífica com outros espaços geopolíticos.
É tão difícil imaginar o Ocidente ocupando um espaço subordinado no contexto mundial quanto é imaginá-lo em uma relação igual e pacífica com outros espaços geopolíticos. Por Boaventura de Sousa Santos | Globetrotter – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e o presidente dos EUA, Joe Biden, durante encontro bilateral na Cúpula da OTAN em Bruxelas. (Foto: NATO)

O que os ocidentais chamam de “Ocidente” ou de “civilização ocidental” é um espaço geopolítico que emergiu no século 16 e se expandiu continuamente até o século 20. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, cerca de 90% do globo constituía o Ocidente ou era dominado por ele: Europa, Rússia, as Américas, África, a Oceania e boa parte da Ásia (com exceções parciais no Japão e China). A partir de então, o Ocidente começou a se contrair: primeiro com a Revolução Russa de 1917 e a emergência do bloco soviético e depois, a partir de meados do século 20, com os movimentos de descolonização. O espaço terrestre e, logo depois, o extraterrestre, tornaram-se campos de intensas disputas.

À medida que isso ocorria, o que os ocidentais consideravam como “Ocidente” também mudava. A ideia começou com o cristianismo e colonialismo, mudou-se para o capitalismo e o imperialismo, e por fim se metamorfoseou em democracia, direitos humanos, descolonização, autodeterminação e “relações internacionais baseadas em regras” – foi deixado evidente que essas regras seriam estabelecidas pelo Ocidente e que só seriam seguidas à medida que servissem seus interesses – e, finalmente, globalização.

Na metade do século passado, o Ocidente havia encolhido tanto que vários países recém-independentes fizeram a escolha se não se alinharem nem com o Ocidente nem com o bloco que havia emergido como seu rival, o bloco soviético. Isso levou à aparição, de 1955 a 1961, do Movimento dos Não-Alinhados (NAM). Com o colapso do bloco soviético em 1991, o Ocidente parecia passar por um momento de entusiástica expansão. Foi nesse momento que o ex-presidente russo Mikhail Gorbachev expressou seu desejo de que a Rússia se juntasse à “casa comum” da Europa, com o apoio do então-presidente estadunidense George H. W. Bush, um desejo que foi reafirmado por Vladimir Putin quando ele chegou ao poder no ano 2000. Foi um período histórico curto, e eventos recentes demonstram que o “tamanho” do Ocidente tem, desde então, encolhido drasticamente. Com a emergência da guerra na Ucrânia, o Ocidente decidiu, por iniciativa própria, que somente aqueles países que aplicassem sanções contra a Rússia seriam considerados parte do campo pró-ocidental. Esses países significam cerca de 21% dos países-membros das Nações Unidas, que por sua vez constitui somente 16% da população mundial.

Perguntas

A contração significa declínio? Se poderia pensar que a contração do Ocidente atua em seu favor, na medida que o permite focar em objetivos mais realistas com maior intensidade. Uma leitura atenta dos estrategistas do país hegemônico no Ocidente, os Estados Unidos, mostra que, ao contrário, aparentemente sem levar em consideração sua contração flagrante, eles demonstram uma ambição sem limites. Com a mesma calma com que antevêem a possibilidade de reduzir a Rússia (um dos maiores poderes nucleares do mundo) a um estado vassalo ou de destruí-la, eles antevêem a possibilidade de neutralizar a China (que está a caminho de se tornar a maior economia do mundo) e em breve provocar uma guerra em Taiwan (como aquela na Ucrânia) para alcançar esse propósito. Por outro lado, a história dos impérios demonstra que a contração anda de mãos dadas com o declínio, e que o declínio é irreversível e traz em si grande sofrimento humano.

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No estágio atual, as manifestações de fraqueza estão se desenvolvendo paralelamente àquelas de força, o que torna a análise muito difícil. Dois exemplos contrastantes ajudam a compreender esse ponto mais claramente: os Estados Unidos são o maior poder militar do mundo (apesar de não ter vencido nenhuma guerra desde 1945), com bases militares em ao menos 80 países. Um caso extremo de dominação é sua presença em Gana, onde, sob acordos firmados em 2018, os EUA usam o aeroporto de Accra sem nenhum controle ou inspeção, e soldados estadunidenses sequer precisam de passaportes para entrar no país e têm imunidade extraterritorial, o que significa que se cometerem qualquer crime, não importa quão sério, eles não podem ser julgados nas cortes de Gana. Por outro lado, as milhares de sanções contra a Rússia estão, até o momento, causando mais danos ao mundo ocidental do que ao espaço geopolítico definido por este Ocidente como o mundo não-ocidental. As moedas destes países que parecem estar ganhando a guerra são as que mais estão se depreciando. A inflação galopante e a recessão levaram o CEO do JP Morgan Chase & Co., Jamie Dimon, a dizer que um “furacão” se aproxima.

A contração significa a perda de coesão interna? Contração pode significar mais coesão, e isso é bastante visível. A liderança da União Europeia (UE), ou seja, a Comissão Europeia, esteve nos últimos 20 anos muito mais alinhada aos EUA do que aos países que de fato formam a UE. Nós vimos isso com a virada neoliberal e com o apoio entusiasmado mostrado pelo ex-presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, em relação à invasão do Iraque, e estamos vendo isso agora, com a atual presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que parece operar como uma subsecretária de Defesa dos EUA. A verdade é que a coesão, se efetiva na produção de políticas, pode ser desastrosa no manejo de suas consequências. A Europa é um espaço geopolítico que desde o século 16 viveu dos recursos de outros países que ela direta ou indiretamente domina e sobre o qual ela impõe trocas desiguais. Nada disso, no entanto, é possível quando os Estados Unidos ou seus aliados são seus parceiros. Além disso, a coesão é feita de inconsistências, como as vistas nas narrativas conflitantes sobre a Rússia. Afinal, a Rússia é um país com um PIB inferior a muitos países da Europa? Ou é ela uma força que quer invadir a Europa, servindo como uma ameaça global que só pode ser parada com a ajuda dos investimentos providos pelos Estados Unidos para armas e segurança da Ucrânia – cerca de 10 bilhões de dólares –, um país distante do qual pouco restará se a guerra continuar por muito tempo?

A contração ocorre por razões internas ou externas? A literatura sobre o declínio e o fim dos impérios demonstra que, apesar de alguns casos excepcionais nos quais os impérios foram destruídos por forças externas – como os impérios Inca e Azteca com a chegada dos conquistadores espanhóis –, os fatores internos geralmente são dominantes no processo de contração, apesar do declínio poder ser precipitado por fatores externos. É difícil distinguir o interno do externo, e a distinção específica é normalmente mais ideológica do que qualquer coisa. Por exemplo, em 1964 o bem conhecido filósofo conservador estadunidense James Burnham publicou um livro intitulado O Suicídio do Ocidente. De acordo com ele, o liberalismo, então dominante nos Estados Unidos, era a ideologia por trás desse declínio. Para os liberais de então, o liberalismo era, ao contrário, uma ideologia que possibilitaria uma nova hegemonia mundial para o Ocidente, mais pacífica e justa. Hoje, o liberalismo está morto nos EUA (o neoliberalismo, que é seu contrário, é que domina) e mesmo os conservadores da velha escola foram totalmente ultrapassados pelos neoconservadores. É por isso que o ex-Secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger (um criminoso de guerra para muitos) enraiveceu tanto os proselitistas anti-Rússia ao fazer um apelo por negociações de paz quando falava do conflito na Ucrânia durante uma conferência no Fórum Econômico Mundial em Davos, em maio. Seja como for, a guerra na Ucrânia é a grande aceleradora para a contração do Ocidente. Enquanto o Ocidente quer usar seu poder e influência para isolar a China, uma nova geração de países não-alinhados está emergindo. Organizações como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a Organização para a Cooperação de Xangai e o Fórum Econômico Eurasiático são, entre outros, as novas faces dos estados não-ocidentais.

O que vem a seguir? Nós ainda não sabemos. É tão difícil imaginar o Ocidente ocupando um espaço subordinado no contexto mundial quanto é imaginá-lo em uma relação igual e pacífica com outros espaços geopolíticos. Sabemos apenas que para aqueles que lideram os estados ocidentais, qualquer uma dessas hipóteses é impossível ou, se possível, apocalíptica. Portanto, o número de reuniões internacionais se multiplicou nos últimos meses – desde a reunião do Fórum Econômico Mundial que ocorreu em maio em Davos até a mais recente Reunião de Bilderberg em junho. Não surpreendentemente, neste último encontro, dos 14 temas discutidos, sete estavam diretamente relacionados aos rivais do Ocidente.

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