Entre o fim de abril e o começo de maio, o sul da Ásia enfrentou os terríveis impactos do aquecimento global. As temperaturas alcançaram quase 50 graus celsius em algumas cidades da região. Essa alta nas temperaturas veio junto de perigosas enchentes no nordeste da Índia e em Bangladesh, com rios transbordando em inundações repentinas que atingiram lugares como Sunamganj, em Sylhet, no Bangladesh.
O diretor do Centro Internacional de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento, Saleemul Haq, é de Bangladesh. Ele é um veterano das negociações sobre mudanças climáticas da ONU. Quando Haq leu um tuíte de Marianne Karlsen, co-presidente do Comitê de Adaptação da ONU, que dizia que “mais tempo é preciso para alcançarmos um acordo” sobre as negociações sobre o financiamento de perdas e danos, ele respondeu: “a única coisa que nos falta é o tempo! Os impactos das mudanças climáticas já estão acontecendo, e os pobres estão sofrendo perdas e danos devido às emissões dos ricos. Conversas não são mais substitutas aceitáveis para a ação (dinheiro!)”. O comentário de Karlsen se referia ao lento processo de negociação sobre a agenda de “perdas e danos” da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, ou COP27, a ser realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, em novembro desse ano.
Em 2009, durante a COP15, os países desenvolvidos acordaram colaborar com um fundo de assistência para a adaptação de 100 bilhões de dólares, que deveria ser pago até 2020. Esse fundo tinha o objetivo de ajudar países do Sul Global a mudar sua dependência em fontes de emissão de carbono para fontes de energia renováveis, e para adaptar suas realidades à catástrofe climática. Na altura da COP26, realizada em Glasgow em novembro de 2021, no entanto, os países desenvolvidos não tinham cumprido com esse compromisso. Os 100 bilhões de dólares podem parecer um financiamento modesto, mas são muito menos do que o “Desafio de Financiamento Climático de um Trilhão de Dólares” que será necessário para garantir uma ação climática abrangente.
Os estados mais ricos – liderados pelo Ocidente – não só se recusaram a financiar a seriamente adaptação, como também renegaram os acordos originais, como o Protocolo de Kyoto (1997); o Congresso dos EUA se recusou a ratificar esse importante passo para mitigar a crise climática. Os Estados Unidos mudaram as metas de redução de suas emissões de metano e se recusaram a contabilizar a enorme produção de emissões de carbono das Forças Armadas dos EUA.
O dinheiro da Alemanha vai para a guerra, não para o clima
A Alemanha abriga o secretariado da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Em junho, como prelúdio da COP27, a ONU realizou uma conferência em Bonn sobre as mudanças climáticas. As conversas terminaram em choques sobre o financiamento do que se conhece como “perdas e danos”. A União Europeia bloqueou sistematicamente todos os debates sobre compensações. Eddy Pérez, da Rede de Ação pelo Clima do Canadá, declarou: “consumidos por seus interesses estreitos, os países ricos e em particular blocos como a União Europeia vieram para a Conferência do Clima de Bonn para bloquear, atrasar e minar os esforços dos povos e comunidades nas linhas de frente no enfrentamento a perdas e danos causados por combustíveis fósseis”.
Sobre a mesa estava a hipocrisia de países como a Alemanha, que reivindica ser um líder nessas questões, mas vem de fato adquirindo combustíveis fósseis no exterior e gastando cada vez mais dinheiro em suas forças armadas. Ao mesmo tempo, esses países negaram o apoio a países em desenvolvimento que enfrentam a devastação do aumento do nível do mar e de supertempestades causadas pelas mudanças climáticas.
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Após as recentes eleições alemãs, havia esperança de que a nova coalizão dos social-democratas com o Partido Verde levantaria a agenda verde. No entanto, o chanceler alemão Olaf Scholz prometeu 100 bilhões de euros para as forças armadas, “o maior aumento nos gastos militares do país desde o fim da Guerra Fria”. Ele também se comprometeu a “[gastar] mais de 2% do PIB do país nas forças armadas”. Isso significa mais dinheiro para os militares e menos dinheiro para a mitigação dos problemas climáticos e para a transformação verde.
As forças armadas e a catástrofe climática
O dinheiro que está sendo engolido pelos estabelecimentos militares ocidentais não só se afasta de qualquer gasto climático, mas também promove uma maior catástrofe climática. As Forças Armadas dos EUA são as maiores poluidoras institucionais do planeta. A manutenção de suas mais de 800 bases militares ao redor do mundo, por exemplo, consome 395 mil galões de petróleo diariamente. Em 2021, os governos do mundo gastaram 2 trilhões de dólares em armas, com os países líderes sendo os mais ricos (assim como os mais hipócritas no debate climático). O dinheiro está disponível para a guerra, mas não para lidar com a catástrofe climática.
A forma como as armas foram despejadas no conflito na Ucrânia faz muitos de nós refletir. O prolongamento dessa guerra colocou mais 49 milhões de pessoas em risco de fome em 46 países, de acordo com o relatório “Hunger Hotspots” das agências das Nações Unidas, como resultado de condições climáticas extremas e devido aos conflitos. Os conflitos e a violência organizada foram as principais fontes de insegurança alimentar na África e no Oriente Médio, concretamente no norte da Nigéria, no centro do Sahel, no leste da República Democrática do Congo, Etiópia, Somália, Sudão do Sul, Iêmen e Síria. A guerra na Ucrânia agravou a crise alimentar ao fazer os preços de produtos agrícolas subirem. A Rússia e a Ucrânia representam conjuntamente cerca de 30% do comércio mundial de trigo. Portanto, quanto mais durar a guerra na Ucrânia, mais “focos de fome” crescerão, levando a insegurança alimentar para além da África e do Oriente Médio.
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Embora já se tenha celebrado uma reunião da COP no continente africano, outra ocorrerá no final deste ano. Abidjã, na Costa do Marfim, sediou a Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação em maio, e depois Sharml el-Sheikh acolherá a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. Se tratam de fóruns importantes para que os estados africanos ponham sobre a mesa os grandes danos causados pela catástrofe climática em algumas partes do continente.
Quando os representantes dos países de todo o mundo se reunirem em Sharm el-Sheikh, no Egito, em novembro de 2022, para participarem da COP27, escutarão os representantes ocidentais falando de mudanças climáticas, fazendo promessas, para logo depois seguirem fazendo todo o possível para seguir agravando a catástrofe. O que vimos em Bonn é um prelúdio do que será um fiasco em Sharm el-Sheikh.