Começa a tomar forma o governo Lula. Não o governo de centro-esquerda que as bases que o elegeram desejariam; nem o de centro que de fato foi eleito e tomou posse. Após as eleições na Câmara e no Senado, na última quarta-feira (1), aumentam as pressões para que o governo desvie mais à direita.
Na Câmara, Arthur Lira (PP-AL) demonstrou o peso que uma gestão baseada na distribuição de recursos por meio das emendas de relator pode ter: foi reeleito com obliterantes 464 votos, de um total de 509 deputados presentes na sessão; um recorde histórico.
No Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-RO) também conseguiu sua reeleição, com 49 votos, contra 32 para Rogério Marinho (PL-RN), o candidato inventado de última hora pelo que ainda se chama de “bolsonarismo”.
O governo não só apoiou Lira e Pacheco, como trabalhou ativamente pela eleição deste último. Era a escolha possível, tendo em vista a quantidade vultosa de votos do primeiro, a diferença estreita pela qual o segundo venceu Rogério Marinho, e o fato do bloco da centro-esquerda não ser suficientemente grande, nem na Câmara nem no Senado, para sustentar uma candidatura própria que tivesse pretensão maior do que “demarcar posição”.
Os esforços pela eleição de Pacheco, no entanto, incluíram pôr na mesa de negociação uma série de cargos no segundo e terceiro escalão governamental. E, após a disputa, já começou o jogo pesado por eles. Republicanos, PP, PL e União Brasil agora disputam cargos na cúpula dos Correios, FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contras as Secas) e Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). O MDB também estaria cobrando mais cargos no segundo escalão.
Segundo informa a Folha, o Centrão – o bloco de partidos de direita que faz da negociata um modo de vida, orientando seu apoio ao governo de turno de acordo com as benesses oferecidas – já prevê que o governo Lula enfrentará rachas na sua base parlamentar dura quando estiverem em pauta a reforma tributária e a discussão em torno da chamada “nova âncora fiscal”, mecanismo previsto para substituir o teto de gastos que, aprovado em 2016, congelou o orçamento da União por 20 anos. O cálculo é empurrar estas propostas mais à direita e, neste cenário, setores do próprio PT, do PCdoB e PSOL se negariam a votar com o governo. Assim, Lula precisaria procurar o apoio necessário à aprovação das propostas no Centrão – que, nesta ocasião, negociaria cargos nos ministérios, no primeiro escalão; não para aprovar propostas um pouco mais à esquerda, mas precisamente para aprovar aquelas que o próprio Centrão se encarregara de deformar mais à direita.
Há um terceiro elemento na fileira de pressões do Congresso contra o governo: a proposta de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os atos golpistas do 8 de janeiro. Sabendo que comissões do tipo valem menos para a apuração e repressão ao golpismo, e mais para a criação de polêmicas midiáticas artificiais, o governo se opõe à abertura de uma CPI que seria tocada por um Senado em grande medida comprometido com a extrema-direita (como a votação de Rogério Marinho demonstrou). Mascarando-se de CPI contra o golpismo, a CPI sobre o 8 de janeiro seria, de fato, uma cunha contra o governo. Daí que alguns senadores, como Renan Calheiros (MDB-AL), levantem tão alta a bandeira da abertura da Comissão, enquanto, por trás de todas as declaradas melhores intenções, escondem as piores: colocar pressão no governo para negociar cargos e benesses.
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Já era esperado que, dada a força da direita no Congresso, o governo Lula tivesse de enfrentar todo tipo de ofensiva oportunista. Também era esperado que, frente a elas, se mantivesse prudente e disposto a negociar. Mas houve, já no primeiro mês de governo, dois eventos inesperados, que não foram suficientemente aproveitados pelo governo para impulsionar a mobilização e pressão popular: o 8 de janeiro e a revelação da política genocida do governo Bolsonaro em relação aos yanomamis.
Sequer um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, como os realizados dezenas de vezes no governo Bolsonaro, foi feito por Lula – apesar da gravidade dos eventos. Embora tenha havido manifestações relativamente grandes logo após a invasão a Brasília (9 de janeiro), elas pararam aí. Os atos do dia 8 e a situação lastimável à qual foram submetidos os yanomamis só tiveram respostas institucionais, na esfera governamental e na relação entre os Poderes, mas não motivaram um esforço de demonstração de força política. Ajudaram a azeitar a relação do governo com os Poderes, mas não em reforçar as demandas populares frente a estes.
Em resumo, foram oportunidades perdidas para tensionar com um Congresso que buscará tornar o governo refém; de ao menos impor, pela força popular, melhores condições à necessária negociação. Optar só pelas concessões e acordos dentro do ambiente institucional, negando-se a, a partir desta institucionalidade, fomentar a pressão popular contra a própria institucionalidade, acabará tornando o governo completamente irreconhecível, ainda em seu primeiro ano, daquele que foi empossado em 1 de janeiro.