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O bloco hegemônico no México

O México contradiz as vozes que proclamam que o tempo da esquerda na América Latina acabou: é inegável que um novo bloco hegemônico foi formado no país
Alfredo Serrano Mancilla
O presidente do México, López Obrador, durante uma de suas mañaneras. 20/11/2022. (Foto: Eneas De Troya / Flickr)

O que está acontecendo politicamente no México contradiz as vozes que proclamam que o tempo da esquerda na América Latina acabou.

Depois de quase dois mil dias no cargo, o presidente AMLO (Andrés Manuel López Obrador) conta com grande apoio público. Sua imagem positiva, de acordo com a média de todas as pesquisas publicadas, varia entre 58% e 65% (veja o gráfico 1 CELAG DATA). E tudo indica que seu movimento, o MORENA, será o grande vencedor das eleições presidenciais de 2 de junho. A vantagem de Claudia Sheinbaum sobre seu principal concorrente, Xóchitl Gálvez, é de cerca de 25% (veja o gráfico 2 do CELAG DATA).

Além disso, o MORENA atualmente governa em 20% dos municípios (514 de 2.470); em 66% dos estados (21 de 32, incluindo a Cidade do México); tem maioria entre deputados e senadores; e é mais do que provável que melhore esses números na próxima eleição.

É inegável que um novo bloco hegemônico foi formado no México.

 Leia também – O Projeto AMLO 

Como isso foi alcançado?

As seguintes características constituintes podem ser destacadas:

1 – O principal é que a vida cotidiana das pessoas melhorou e, ao mesmo tempo, o equilíbrio macroeconômico foi mantido (consulte a tabela 1 CELAG DATA para obter mais detalhes).

2 – O ponto de partida foi um projeto político com uma perspectiva histórica (a Quarta Transformação, 4T) e um horizonte para o futuro; carregado de símbolos e valores; reivindicando o orgulho de ser mexicano; e com o humanismo como seu eixo central.

3 – Com uma práxis política ousada diante de todas as adversidades; com um pragmatismo relativo sem recuar nas convicções; com alianças táticas sem se desorientar estrategicamente.

4 – Enfrentando os poderes constituídos sem rodeios: a mídia, as transnacionais presentes em setores estratégicos, a velha classe política neoliberal, a monarquia espanhola, o Departamento de Estado dos EUA, etc.

5 – Foi realizada uma política de comunicação direta, sincera e irrestrita, definindo uma “agenda” diariamente (por meio das Mañaneras, as entrevistas matinais diárias), muito distante dos manuais convencionais de marketing político.

6 – Uma política externa soberana, muito ativa e protagonista, olhando para o Sul (veja, por exemplo, sua posição no Peru em favor de Pedro Castillo, seu papel no resgate de Evo na Bolívia, seu relacionamento com Cuba, sua defesa da não interferência na Venezuela, seu apoio a Petro na Colômbia) e sem negligenciar seu inevitável relacionamento com seu vizinho do Norte.

7 – A liderança de AMLO não foi um freio para o crescimento do MORENA. Muito pelo contrário. Ela conseguiu gerar sinergia. Hoje, esse é o espaço político com a mais alta classificação positiva em toda a América Latina (com valores próximos a 40%).

8 – E, finalmente, o debate político prevalece em todas as disputas eleitorais. O melhor exemplo dessa visão é o que aconteceu há poucos dias: no contexto do 107º aniversário da Constituição e no meio do período eleitoral, AMLO propôs a necessidade de uma reforma constitucional para recuperar o espírito da Constituição de 1917, reparando todas as mudanças feitas nos anos neoliberais. Sua proposta é que as pessoas não votem em nomes e sobrenomes. Elas devem votar em ideias e propostas e, portanto, ele formulou a necessidade de a) não permitir que o aumento do salário mínimo seja inferior à taxa de inflação; b) reconhecer os povos indígenas como sujeitos de direito público, dando-lhes atenção preferencial; c) reafirmar o direito a uma pensão para os idosos a partir dos 65 anos e aumentar o valor anualmente; d) proibir a extração de hidrocarbonetos por meio do processo de fracking no território nacional; e) eleições diretas para as autoridades do judiciário; f) fazer da austeridade republicana uma política de Estado (combater a corrupção, eliminar privilégios fiscais para poucos, dispensar gastos públicos onerosos, injustos e ineficientes); g) conceder bolsas de estudo para estudantes de famílias pobres em todos os níveis; e h) garantir atendimento médico gratuito para todos os mexicanos, apenas para mencionar algumas das medidas.

Assim, com esses e outros pontos fortes, esse espaço ideológico se consolidou como o centro de gravidade da política mexicana.

E, a partir de agora, o principal desafio do MORENA não será vencer as eleições, porque ele vencerá com algum conforto. Seu verdadeiro desafio, daqui para frente, será sustentar sua hegemonia sem quebrar a unidade, porque quando consegue ser hegemônico, o risco consequente é o surgimento de disputas internas. Esperamos que não.

Gráfico1: Avaliação média da gestão presidencial 22/24. (Fonte: CELAG Data)

 

Média das pesquisas presidenciais de setembro de 2023 a janeiro de 2024. (Fonte: CELAG Data)

 

Comparativo de indicadores econômicos entre a presidência de Peña Nieto e AMLO. (Fonte: CELAG Data)

(*) Alfredo Serrano Mancilla é doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), Espanha. Realizou estágios de pré-doutorado em Modena e Bolonha (Itália) e Québec (Canadá) e pós-doutorado na Université Laval (Québec, Canadá). É diretor do CELAG.

(*) Tradução de Raul Chiliani.

CELAG Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica

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