No dia 17 de outubro de 2025, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou a edição de 2025 do seu Relatório sobre o Índice de Pobreza Multidimensional. Pela primeira vez, o relatório avalia diretamente os dados de pobreza multidimensional em confronto com os riscos climáticos, expondo até que ponto os pobres do mundo estão ameaçados pela crise ambiental. De acordo com o PNUD, aproximadamente 887 milhões dos 1,1 bilhão de pessoas que vivem em pobreza multidimensional estão expostas a riscos climáticos, como calor extremo, inundações, secas e poluição do ar.
Do total, 651 milhões enfrentam dois ou mais riscos, e 309 milhões enfrentam o “fardo triplo ou quádruplo” de três ou quatro riscos sobrepostos. O relatório afirma que “responder a riscos sobrepostos [pobreza e riscos climáticos] requer priorizar tanto as pessoas quanto o planeta”; no entanto, ele não especifica o que deve ser priorizado em relação às pessoas e ao planeta. O relatório carece de um diagnóstico claro.
Novo dossiê da Tricontinental expõe a crise climática como uma crise capitalista
Um novo dossiê da Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social, intitulado A crise ambiental é uma crise capitalista, fornece esse diagnóstico que faltava. Ele explora o caráter de classe da crise ambiental, observando que, durante décadas, os principais órgãos e organizações internacionais buscaram soluções apenas dentro da perspectiva do capitalismo. Juntos, o relatório do PNUD e o novo dossiê indicam que a crise climática e a pobreza não são questões separadas, mas totalmente conectadas.
Soluções fracassadas ao cúmulo do ridículo
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, Brasil, colocou a Amazônia no centro do discurso ambiental em 2025. O dossiê usa essa região para expor como as abordagens capitalistas, promovidas em tais fóruns, têm falhado consistentemente em abordar as raízes do colapso ambiental.
O dossiê observa que a primeira tentativa séria de estabelecer metas quantitativas para a redução dos gases de efeito estufa (GEE) surgiu na COP 3, em 1997. As metas de emissão do Protocolo de Kyoto tinham como objetivo reduzir a poluição do ar, mas se tornaram a base de uma nova forma de acumulação de capital por meio dos chamados créditos de carbono. Esses créditos, negociados em bolsas de valores, funcionam como uma “licença para poluir”, permitindo que as empresas compensem suas emissões investindo em projetos em outros lugares, muitas vezes no Sul Global.
O fracasso dos esquemas de créditos de carbono e do “capitalismo verde” é demonstrado pelo fato inegável de que as mudanças climáticas se intensificam e aceleram ano após ano. No Brasil, o capitalismo verde permitiu que o agronegócio — a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) do país — se apresentasse como protagonista da sustentabilidade. Ao mesmo tempo, seu modelo de produção, baseado em “monoculturas em grande escala e pesticidas, continua sendo um dos mais prejudiciais ao meio ambiente”. O setor adota um discurso de sustentabilidade, embora tenha registrado um aumento de 130% nas emissões nos últimos 20 anos.
Como observa o dossiê, “empresas brasileiras como a Suzano Papel e Celulose, a multinacional de alimentos JBS e a mineradora Vale desempenham um papel importante em projetos de ‘sustentabilidade’ e no mercado de carbono. Para elas, os esquemas de compensação se tornaram uma forma lucrativa de acumulação de capital”.
Um exemplo importante do fracasso dessa abordagem de compensação de carbono é o projeto Maísa, no Pará. Administrado pela Verra, líder em certificação de carbono, o projeto foi criado para preservar uma área de 26 mil hectares da floresta amazônica. Em vez disso, a área se tornou um local de mineração e, no início de 2024, dezesseis trabalhadores rurais foram resgatados de condições comparáveis à escravidão. Esses são exatamente os tipos de projetos usados por gigantes transnacionais como iFood, Uber e Google para reivindicar credenciais ecológicas.
A lógica central: classe, capital e uma crise de desigualdade
O dossiê desafia diretamente a noção despolitizada da crise ambiental como “um problema para toda a humanidade — sem distinções de classe”. Essa narrativa obscurece a realidade de quem impulsiona a crise e quem sofre suas consequências.
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Os dados são inequívocos. O dossiê observa que “os 10% mais ricos são responsáveis por quase vinte vezes mais emissões do que os 50% mais pobres” e que “os 23 países mais desenvolvidos são responsáveis por metade de todas as emissões de CO2 desde 1850”.
Os riscos climáticos enfrentados pelos pobres globais, cuidadosamente descritos no relatório do PNUD, não são uma injustiça casual. Eles são o resultado direto da lógica central da acumulação de capital perseguida pelas classes dominantes do Norte e do Sul globais. O relatório do PNUD descreve o sul da Ásia e a África Subsaariana como as regiões mais expostas aos riscos climáticos. Essa concentração geográfica reflete diretamente a história da pilhagem imperialista. As consequências das emissões históricas no Norte Global são jogadas sobre as massas do Sul Global.
Soluções verdadeiras vindas de baixo
O dossiê discute as limitações das Conferências das Partes (COPs) e não espera nenhum progresso substancial da 30ª conferência. No entanto, reconhece que os movimentos populares estão usando-a para pressionar seus governos a “garantir uma agenda mínima que responsabilize as classes sociais e os países mais responsáveis pela poluição”.
O dossiê demonstra que os interesses do capital estão em contradição direta com os interesses do meio ambiente e dos seres humanos que o habitam. Uma agenda capaz de resolver a crise ambiental deve “desafiar a lógica do capital — baseada na exploração da mão de obra da classe trabalhadora e na pilhagem do Sul Global”.
O dossiê destaca que o fracasso até agora em lidar adequadamente com a crise se deve ao caráter de classe das instituições e órgãos no poder. Lidar com ela “é tarefa das classes trabalhadoras rurais e urbanas”. O dossiê proclama que “devemos criar outra forma de produzir e reproduzir a vida, baseada em relações saudáveis entre os seres humanos e o meio ambiente e construída por meio da organização popular”. Esse caminho a seguir deve expor os verdadeiros culpados da crise e apresentar propostas que priorizem todas as formas de vida em detrimento do lucro.”
Para esse fim, a Tricontinental, em colaboração com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil, produziu uma “Agenda Mínima para Enfrentar a Crise Ambiental”. Essa agenda abrangente foi lida e debatida por organizações em todo o mundo na preparação para a COP30. O que iniciativas como essas demonstram é que os quase um bilhão de pessoas no Sul Global que enfrentam os riscos climáticos não vão esperar por soluções do Norte Global. Elas estão, neste momento, impulsionando a agenda para a mudança que as pessoas e o planeta precisam.






































