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Emendando a ruptura metabólica: marxismo, natureza e sociedade

Nunca houve uma classe tão desligada da natureza quanto a capitalista. Por que deveríamos esperar dela alguma preocupação com os danos causados?
Nunca houve uma classe tão desligada da natureza quanto a capitalista. Por que deveríamos esperar dela alguma preocupação com os danos causados? Por James Plested | Red Flag – Tradução de Bruno Erbella para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
(Foto: Roman Ranniew)

A análise de Karl Marx sobre o capitalismo fornece a chave para compreender a catástrofe ambiental que estamos testemunhando e para obter um quadro mais claro do que é preciso para reparar nosso deteriorado relacionamento com a Terra.

A preocupação de Marx com questões ambientais surgiu de seu entendimento sobre como a humanidade está enredada ao mundo natural em milhares de sentidos. “O homem vive da natureza”, ele escreveu nos Manuscritos de 1844, “e ele precisa manter um contínuo diálogo com ela para não morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza significa simplesmente que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza”.

Nesta mesma passagem, Marx descreve a natureza como o “corpo inorgânico” da humanidade. O que ele quer dizer com isso é que, quando estamos pensando sobre as coisas que fazem parte de nossa existência, nós deveríamos colocar, junto de nossos próprios corpos, todos os objetos da natureza com os quais nos relacionamos – aqueles que nos sustentam num sentido diretamente físico, biológico, e aqueles que nos nutrem mentalmente, como os objetos da beleza e assim por diante.

Caso não tenhamos acesso a comidas saudáveis, ar e água fresca etc., a nossa saúde física será prejudicada como resultado. E a incapacidade de apreciar a beleza da natureza – através do contato com ela, seja no trabalho ou no lazer – afetará nossa saúde mental.

Todo indivíduo deve existir num estado de constante interação com a natureza para sobreviver, mas a forma particular tomada por essa relação não poderá ser entendida se abstraída do tipo de sociedade na qual vivemos. A tarefa de Marx tornou-se, então, explicar o como e o porquê do desenvolvimento da sociedade humana no curso da história, e, em particular, entender a dinâmica destrutiva do sistema capitalista, que estava em rápida expansão naquele tempo.

A chave disso, para Marx, encontra-se numa análise do que ele chamou “relações sociais de produção” – a maneira como, numa sociedade qualquer, pessoas se unem e trabalham para produzir as coisas que precisamos para sobreviver. Se pode ser afirmada uma teoria da natureza humana em Marx, ela é esta: nossa essência é trabalhar coletivamente a fim de moldar o nosso meio de forma a satisfazer nossas necessidades.

Por grande parte dos 200-300 mil anos de história da humanidade, nós mantivemos uma relação bastante balanceada e sustentável com a natureza. Na Austrália, por exemplo, sociedades indígenas empregaram técnicas sofisticadas de manejo do solo para manter uma paisagem saudável e produtiva durante dezenas de milhares de anos até a invasão britânica em 1788.

E apesar de, onde quer que sociedades humanas tenham surgido, tenha havido algum impacto no ambiente natural em que estão situadas, foi somente há alguns séculos que a escala de destruição começou a se tornar um problema significativo. Como Marx escreveu em suas anotações para O Capital, que mais tarde foram publicadas como os Grundrisse:

“Não é a unidade da humanidade viva e ativa com as condições naturais, inorgânicas, de seu intercâmbio metabólico com a natureza e, em consequência, a sua apropriação da natureza, a qual precisa de explicação ou é resultado de um processo histórico, mas a separação entre essas condições inorgânicas da existência humana e essa existência ativa, uma separação que só é completamente posta na relação entre trabalho assalariado e capital”.

O termo “ruptura metabólica” [“metabolic rift”, no original] foi cunhado por John Bellamy Foster em seu livro Marx’s Ecology: Materalism and Nature [A ecologia de Marx: Materialismo e Natureza, na tradução publicada pela Civilização Brasileira (4 ed., 2005)], publicado em 2000, a fim de unir os vários elementos das observações feitas por Marx da ruptura nas relações entre a sociedade humana e o mundo natural sob o capitalismo.

Apesar de Marx não ter falado diretamente sobre uma “ruptura metabólica”, ele usou frequentemente a palavra alemã Stoffwechsel, que é traduzida como metabolismo (literalmente “intercâmbio material”). Assim como hoje, a palavra era usada no tempo de Marx principalmente nos contextos da Biologia e da Química para descrever a circulação e intercâmbio de nutrientes, dejetos e coisas semelhantes no corpo humano e de outros seres vivos. Porém, dos anos 1850 em diante, foi cada vez mais usada também por aqueles que, como Marx, estavam tentando compreender o funcionamento da sociedade.

É fácil ver como a ideia de metabolismo, ou “intercâmbio material”, pode ser aplicada nesse contexto. Marx via o trabalho humano como um tipo de processo metabólico no qual os materiais brutos da natureza são trabalhados para tomarem formas úteis aos seres humanos. No Capital, Marx descreve o trabalho humano como:

“[…] antes de tudo, um processo entre homem e natureza, um processo pelo qual o homem, através de suas próprias ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza. Ele confronta os materiais da natureza como uma força da natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem ao seu próprio corpo, seus braços, pernas, cabeça e mãos, de modo a apropriar-se dos materiais da natureza numa forma adaptada aos seus próprios fins”.

O trabalho humano age sobre a natureza de um modo análogo à ação do corpo humano sobre a comida que comemos. Assim como uma árvore que é transformada numa cabana de madeira, por exemplo, uma maçã que comemos passa por uma série de transformações até ser quebrada em nutrientes a serem absorvidos por nossas células, somado aos dejetos a serem excretados e assim por diante.

Marx aplicou a ideia de metabolismo não somente ao papel do trabalho em modelar o mundo natural. Tal como a interação metabólica entre sociedade humana e natureza, há um metabolismo dentro da própria sociedade. Assim, nos Grundrisse ele escreve que a circulação e intercâmbio de commodities dentro do capitalismo pode também ser entendida como um tipo de metabolismo: “Na medida em que o processo de troca transfere mercadorias das mãos nas quais elas não são valores de uso para mãos nas quais são valores de uso, isso é um processo de metabolismo social”, ele escreveu.

A circulação de produtos do trabalho dentro da sociedade pode ser entendida em analogia com a circulação de sangue no corpo humano. Em um corpo saudável, o sangue transporta oxigênio, nutrientes e afins para onde são necessários – mantendo o corpo funcionando em capacidade máxima. Assim, também numa sociedade saudável o intercâmbio de produtos deveria funcionar para garantir que todos sejam capazes de viver decentemente.

O que, então, é a ruptura metabólica? Nos termos mais simples, é a quebra no funcionamento saudável do processo metabólico do qual depende a sociedade humana, tanto em seu aspecto externo – o intercâmbio de material entre sociedade humana e natureza – como em seu aspecto interno – a circulação de material dentro da sociedade.

Nas sociedades pré-classes, o intercâmbio material que ocorre via nosso trabalho sobre o mundo natural aconteceu de modo que as duas pontas do processo – natureza e as coisas úteis que produzimos a partir dela – estavam relacionadas de uma maneira mais ou menos direta e transparente. Os materiais brutos requeridos para a produção de necessidades básicas como comida, abrigo, etc., eram em grande parte obtidos das imediatas proximidades aos povoamentos.

Neste contexto, seria óbvio se o metabolismo fosse interrompido de alguma forma – digamos que pela erosão do solo devido à derrubada excessiva de árvores. De forma semelhante, seria evidente se o processo de intercâmbio de bens dentro de uma comunidade se rompesse, e a saúde de uma parte da população começasse a ser prejudicada por conta disso.

Com o surgimento da sociedade de classes, quando uma minoria da população passou a viver da mais-valia produzida por outros, a conexão entre a base natural da sociedade humana e as vidas daqueles que faziam as decisões importantes tornou-se mais tênue.

Na visão de Marx, no entanto, é só com o surgimento do capitalismo, a partir do século XVII em diante, que essa conexão foi completamente rompida. Até mesmo os mais ricos senhores feudais tinham alguma conexão com a terra. Seu poder estava vinculado a uma propriedade específica. Como o próprio Marx escreve em uma nota, “ainda existe [sob o feudalismo] a aparência de uma conexão mais íntima entre o proprietário e a terra do que aquela de uma mera riqueza material. A propriedade é individualizada junto de seu senhor: ela tem seu título, é baronial ou condal com ele, tem seus privilégios, sua jurisdição, sua posição política, etc. Ela aparece como o corpo inorgânico de seu senhor”.

Caso o senhor feudal falhe em gerenciar a sustentabilidade do solo, se ele derrubasse todas as florestas, se os canais fossem envenenados e assim por diante, ele iria prejudicar não somente a fonte de sua riqueza material, mas sua identidade e ser enquanto senhor.

A alienação da terra – sua redução à condição de propriedade que pode ser comprada e vendida – é o que para Marx constitui a pedra fundamental do sistema capitalista. A riqueza e poder da classe capitalista não depende da posse desta ou daquela parcela de alguma propriedade específica, mas de seu controle sobre o capital. O capital pode incluir propriedades físicas, como fazendas, maquinários, fábricas, escritórios e assim por diante, mas é segundo sua própria natureza fluido e transferível. Se o capitalista adquire certo terreno e depois o destrói, ele pode simplesmente pegar seus lucros e levar seu dinheiro para outro lugar. 

Ao mesmo tempo que rompe completamente qualquer conexão aparente da terra com a classe dominante, o capitalismo também a rompe entre os trabalhadores. Os camponeses tinham, sob o feudalismo, uma dependência direta e transparente da terra para sua subsistência. Porém, com isso, veio um certo grau de independência que não é proporcionado aos trabalhadores sob o capitalismo. Os camponeses tinham que ceder uma parte de sua produção ao senhor feudal, mas fora isso eram relativamente livres para trabalhar da forma que melhor lhes conviesse. Ademais, independentemente de sua falta de liberdade no sentido político, ao menos sua capacidade de sustentarem-se era garantida pelo acesso à terra e posse das ferramentas necessárias para trabalhar nela.

Para que o capitalismo fosse posto de pé, esta relação direta dos camponeses com a terra teve que ser rompida. Eles foram, ao longo de vários séculos, compulsoriamente “libertados” da terra para se tornarem “livres” para serem empregados nas indústrias capitalistas que se expandiam rapidamente. Trabalhadores, para Marx, são definidos pela falta da posse dos meios de produção. Eles não são mais dependentes da terra para sua subsistência, e sim da disposição do capitalista em lhes dar um emprego e lhes pagar um salário.

Mesmo que eles possam manter uma relação mais ou menos direta com a natureza em seu trabalho, eles não têm nenhum tipo de controle ou participação efetiva. Sua dependência está no salário recebido, e não, por exemplo, na contínua produtividade da terra na qual trabalham.

É claro que muitos dos trabalhadores sob o capitalismo estão preocupados com a destruição do meio ambiente. Porém, diferentemente do campesinato sob o feudalismo, cuja necessidade de manter uma relação sustentável com o mundo natural é clara e imediata, a questão da proteção ambiental sob o capitalismo não parece se relacionar de forma alguma, ao menos na superfície, às nossas necessidades materiais imediatas. 

Esta combinação de fatores – a classe capitalista não tendo nenhum incentivo real para a proteção do meio ambiente, e a classe trabalhadora não tendo nenhum controle sobre isso – concretiza-se na singular destrutividade do capitalismo. A “lógica” do capitalismo é uma na qual manter saudável o metabolismo da sociedade – seja externamente, em sua relação com a natureza, ou internamente, na distribuição de bens entre as pessoas – só entra em cena quando ajuda na acumulação de riqueza pela classe dominante. 

Aquilo que mais importa à classe capitalista é o lucro. Não importando as consequências, seja no meio ambiente, na saúde humana ou em qualquer outra coisa, se os empresários puderem continuar expandindo sua parcela de capital, eles irão vê-las como ações bem-sucedidas. Além disso, dada sua carência de meios de produção e sua dependência em vender sua capacidade de trabalho para um capitalista em troca de um salário, os trabalhadores foram colocados nesse mesmo vagão da destruição.

Para melhor entender a ideia da ruptura metabólica, será útil fornecer alguns exemplos. Para Marx e Engels, escrevendo quando o capitalismo ainda estava em sua infância, a crescente divisão entre o campo e as cidades rapidamente em expansão ilustrou esse ponto de forma mais evidente. No terceiro volume do Capital, Marx explicou que o capitalismo “reduz a população agrária para um mínimo sempre decrescente e confronta isso com uma sempre crescente população industrial amontoada em grandes cidades; neste sentido, ele produz condições que provocam uma ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida. O resultado disso é o esgotamento da vitalidade do solo, que é levado pelo comércio para muito além de um único país”.

Antes do surgimento do capitalismo, a vida produtiva da sociedade estava mais dispersa através de um emaranhado de vilas e cidades. Não havia uma divisão clara entre cidade e campo como hoje em dia. Uma das consequências disso era que os nutrientes usados na produção agrícola seriam facilmente reciclados de volta ao solo a partir dos dejetos humanos, animais e vegetais.

No entanto, uma vez que o impulso capitalista em direção ao lucro começou a fazer efeito, o imperativo passou a ser centralizar a produção para aumentar a eficiência e reduzir os custos do trabalhos etc. A indústria concentrou-se mais e mais nos centros urbanos. Os dejetos dessa massa humana, ao invés de serem retornados ao solo, começaram a ser simplesmente despejados nos rios ou no mar. Além de tornarem cidades como Londres insuportavelmente mal cheirosas e saturadas de doenças, essa dinâmica também levou ao declínio da fertilidade do solo, que se agravou enquanto o século XIX progredia.

Fazendeiros ficaram desesperados para encontrar fontes alternativas de nutrientes para o solo. A primeira opção foram os ossos de campos de batalha históricos como Waterloo. Em seguida, após a descoberta de que o guano – mais conhecido como fezes de aves – continha altos níveis de nitrogênio e fósforo, cruciais para o crescimento das plantações, houve uma corrida global para assegurar os estoques desse valioso recurso. Em 1856, os Estados Unidos aprovaram a Lei das Ilhas de Guano [Guano Island Act, no original], através do qual o país anexou e ocupou mais de 100 ilhas conhecidas por serem ricas em guano.

Assim, a ruptura de um aspecto do metabolismo entre a sociedade humana e a natureza levou imediatamente à ruptura em outras áreas. Com o foco em lucros de curto prazo, a ideia de que você poderia construir um sistema para reciclar os dejetos das cidades de volta para as áreas de agricultura não chegou sequer a ser considerada. Por que você investiria num esquema semelhante quando pode lucrar com a importação de guano de longínquas ilhas do Pacífico? Marx resumiu a situação, ainda no terceiro volume do Capital, argumentando que “a moral da história […] é que a agricultura racional é incompatível com o sistema capitalista”.

Olhando para o panorama atual é difícil argumentar contra isso. Uma quantidade massiva de trabalho e recursos é gasta para artificialmente manter os níveis de nutrientes do solo, e cada vez mais florestas e outros ecossistemas cruciais são engolidos pelo constante ímpeto de expandir a produção agrícola. Enquanto isso, grande parte dos dejetos ricos em nutrientes produzidos em nossas cidades continua a ser desperdiçado.

Talvez o melhor exemplo da ruptura metabólica seja a mudança climática. A centralidade dos combustíveis fósseis para o capitalismo é, em primeiro lugar, relacionada ao desejo de liberar a acumulação de capital de qualquer obstáculo natural. Combustíveis fósseis tinham a vantagem, em relação às outras fontes de energia do século XIX, de serem facilmente transportáveis e de ser possível trocá-los e usá-los a qualquer momento. Isso significa que a produção pode continuar 24 horas por dia, independentemente das condições climáticas ou qualquer outro fator externo, e ainda poderia ser geograficamente localizada onde quer que fosse mais vantajoso para os donos das fábricas.

Esse é um dos muitos desenvolvimentos que impulsionaram a rápida expansão das cidades. No lugar de precisar se instalar em áreas regionais, onde tradições locais de solidariedade da classe trabalhadora seriam difíceis de romper, a indústria poderia se aglomerar em um único lugar, forçando as massas de trabalhadores a se realocarem e criando enormes agrupamentos de trabalho desorganizado que poderiam ser explorados à vontade.

Mesmo colocando de lado a questão do aquecimento global, que obviamente não estava presente no tempo de Marx, os combustíveis fósseis poderiam, numa sociedade com os metabolismos externo e interno saudáveis, ter sido rejeitados por conta de seus muitos outros aspectos danosos. Porém, com o surgimento do capitalismo, o único objetivo que passou a importar foi a acumulação de riqueza nas mãos dos patrões. E talvez jamais tenha havido uma commodity tão lucrativa para a classe capitalista quanto os combustíveis fósseis.

Hoje, a ruptura metabólica que subjaz à crise climática é ainda mais evidente. Cientistas já sabem há 50 anos sobre as devastadoras consequências da queima de combustíveis fósseis. E há muito que temos a tecnologia necessária para iniciar a transição para fontes alternativas, como as energias eólica e solar. Apesar disso, e apesar dos alertas cada vez mais urgentes dos cientistas nas últimas décadas, as emissões globais estão maiores que nunca, e milhões ao redor do globo já sofrem com a crescente frequência de calor extremo, secas, incêndios florestais, etc.

O que explica o fracasso em agir? Grande parte disso é porque aqueles com as mãos nas alavancas do poder são os mesmos que extraem todos os benefícios do uso contínuo de combustíveis fósseis, enquanto aqueles que mais sofrem os efeitos da mudança climática têm um poder mínimo para fazer algo a respeito.

Nunca houve uma classe de pessoas tão desligada da natureza quanto os capitalistas e seus lacaios políticos. Por que deveríamos esperar deles alguma preocupação com os danos que causam, quando sua imensa riqueza pode servir de escudo contra muitas das consequências de suas ações?

Talvez não haja melhor expressão do abismo físico e espiritual aberto entre os atuais capitalistas e o mundo natural do qual sua riqueza depende em última instância do que a mania – personalizada na figura de Elon Musk – pela colonização do espaço. É revelador que a ideia de construir uma nova civilização em Marte seja tão popular entre essas pessoas. Eles têm tão pouco senso de sua conexão ou cuidado pelo mundo natural que a ideia de uma fuga interplanetária parece mais realista e atrativa que qualquer real dedicação para resolver os problemas que temos na Terra.

Como Marx previu a regeneração da ruptura entre sociedade humana e natureza? Que essa ruptura é enraizada na estrutura econômica fundamental da sociedade significa, obviamente, que alguns remendos aqui e acolá não serão suficientes. Marx foi inequívoco neste ponto: para restaurar nossa relação com a Terra nós precisamos da revolução. No coração desta revolução estará a destruição do sistema da propriedade privada, dentro do qual o meio ambiente é reduzido à categoria de uma mercadoria a ser comprada e vendida. A regeneração da ruptura metabólica começa com a devolução da terra, e dos meios de produção necessários para trabalhar nela, às mãos da classe trabalhadora.

A visão de Marx sobre o socialismo era de uma sociedade centrada no coletivo, no controle democrático pelos trabalhadores do processo de produção e da distribuição dos bens. Traduzindo isto para a linguagem do metabolismo, poderíamos dizer: o controle consciente e democrático sobre os metabolismos externo e interno da sociedade, um controle que nos permitiria rapidamente identificar os problemas e ajustar nossa prática em acordo.

Numa sociedade socialista, por exemplo, as barreiras para uma reorientação global em direção contrária aos combustíveis fósseis desapareceriam. Não haveria interesses econômicos intrínsecos lutando com unhas e dentes para proteger seus lucros. Nós poderíamos ter genuínas discussões e debates sobre o melhor caminho adiante, informados pela ciência atualizada, ao invés do caos de desinformação e propaganda corporativa com as quais somos bombardeados hoje em dia. E seríamos capazes de mobilizar uma imensa quantidade de novos recursos que sob o capitalismo estão subordinados às indústrias inúteis ou danosas como a militar, de propaganda, polícia, moradias de luxo, e assim por diante.

Ao invés de tudo ser estruturado em razão da geração de lucros cada vez maiores, estaríamos pensando sobre o que é melhor para a sociedade. E para Marx, um metabolismo saudável – que assegura tanto o intercâmbio material sustentável entre sociedade humana e natureza como a circulação de bens para garantir a todos uma vida decente – era a chave para uma sociedade saudável. Marx resumiu assim sua visão da relação entre sociedade humana e natureza: “Do ponto de vista de uma forma econômica superior da sociedade, a propriedade privada do globo por indivíduos  parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um homem pelo outro. Mesmo toda uma sociedade, uma nação ou todas as sociedades simultaneamente existentes tomadas juntas não são os proprietárias da Terra, elas são simplesmente suas detentoras, suas beneficiárias, e têm de legá-la num melhor estado para as gerações vindouras, como bons chefes de família”.

Na época de Marx, a ruptura entre a sociedade humana e a natureza estava ainda nos seus primeiros estágios. Hoje, ela se aprofundou e se alargou a um nível em que ameaça uma catástrofe global. Porém, não há nada de inevitável quanto à derrocada em direção ao colapso ambiental. A maioria das pessoas nada ganha com o status quo capitalista. Juntos, podemos derrubar este sistema apodrecido e construir uma sociedade socialista em seu lugar.

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