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Os EUA contra a Odebrecht

Por que os Estados Unidos da América, a maior entidade corruptora da história da humanidade, estariam publicamente alarmados com um esquema de corrupção?
por Gabriel Deslandes

A Odebrecht e a Braskem assinaram um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA, a comissão de valores mobiliários americana (SEC) e a Procuradoria-Geral da Suíça [1]. As duas empresas brasileiras, alvos do momento da Operação Lava Jato, concordaram em pagar uma multa de R$ 6,9 bilhões para encerrar investigações sobre a companhia em ambos os países. Desse montante, cerca de 15% serão abocanhados pelos EUA (10% no valor da Odebrecht e 15% no valor da Braskem) [2].

Segundo o Departamento de Justiça norte-americano, essa é a maior punição da história para um caso global de corrupção. Em coletiva de imprensa, o órgão norte-americano alegou que a empreiteira pagou US$ 1 bilhão em propinas no Brasil e outros 11 países. Também se afirmou lá que o FBI quer que tais investigações “sirvam de exemplo” [3].

Vamos então ao que interessa: por que diabos os Estados Unidos da América, a maior entidade corruptora de governos estrangeiros e corporações privadas da história da humanidade, estariam publicamente alarmados com um esquema de corrupção? Que tipo de interesses geopolíticos motivaria o Estado norte-americano a aplicar uma punição dessa dimensão a uma empresa da magnitude da empreiteira brasileira, com negócios em vários países? Afinal, bancos norte-americanos foram usados em lavagem de dinheiro nessas operações de corrupção e, até o momento, nenhum deles foi penalizado [4]. Ao contrário, manteve-se o nome das instituições financeiras em sigilo de Justiça. Então, vejamos algumas motivações:

1 – Concorrência no exterior: a Odebrecht compete com as multinacionais norte-americanas em negócios na África, América Latina e mesmo dentro dos EUA, como na reforma do Porto de Miami e do Aeroporto de Fort Lauderdale [5]. De acordo com um relatório anuário da Engineering News-Record sobre as empresas que participam do mercado global de “contratos públicos”, a Odebrecht é a 13ª maior empresa em valores de contratos no ano de 2015 [6]. Entre as americanas, estão acima da empreiteira brasileira apenas a californiana Bechtel e a texana Fluor.

2 – Interesses estrangeiros no setor de Defesa e no pré-sal: a Odebrecht é a principal empreiteira do ProSub, programa criado, em 2008, para construção do primeiro submarino nuclear brasileiro, o SN Álvaro Alberto (SN-10). O submarino, em fase de projeto, está sendo desenvolvido como uma política de defesa do pré-sal [7]. Os EUA não reconhecem as 200 milhas náuticas da costa brasileira, assim como não vêem a hora de abocanhar uma fatia do pré-sal, mas a Petrobras continua sendo a única petroleira no mundo que já domina a tecnologia de extração de petróleo em grandes profundidades [8]. A possibilidade de privatização gradual da Petrobrás faria com que as multinacionais norte-americanas adquirissem tal tecnologia. Além disso, a paralisia do ProSub pode favorecer multinacionais, como a General Electric, que ocupariam o lugar da Odebrecht. A Odebrecht também era proprietária da Mectron, empresa fabricante de armas que fornecia mísseis terra-ar, mar-ar, mar-terra e terra-terra para o Exército e a Marinha do Brasil [9]. Em agosto de 2016, a empresa foi vendida para a companhia israelense Elbit [10].

3 – Cartelização do mercado de sondas: segundo a Operação Lava-Jato, a construção de navios-sonda para a exploração do pré-sal pela Petrobrás envolvia um cartel de empreiteiras, fundos de pensão e o banco BTG Pactual, de André Esteves. Esse cartel consistia na empresa Sete Brasil, que se tornou a maior empresa do mundo no mercado de sondas de águas ultraprofundas, e foi criada com o objetivo de furar os cartéis de empreiteiras internacionais, como as gigantes Halliburton, Schlumberg e Transocean. Ou seja, um cartel nacional contra um cartel internacional [11]. Em 2011 e 2012, a Petrobrás encomendou 29 sondas de última geração à Sete Brasil em construção em cinco estaleiros, onde atua a Odebrecht. [12] Se, segundo as delações da Operação Lava Jato, as empreiteiras sueca Skanska [13] e francesa Technip [14] também participavam de cartel na Petrobrás, por que não são alvo de intensa investigação midiatizada? Por que o foco exclusivo nas empresas brasileiras que atuam em um projeto importante para a soberania nacional?

4 – Política de “mudança de regimes”: entre os 12 países onde a Odebrecht atua, estão países como Venezuela e Cuba. Na Venezuela de Maduro, a empreiteira é responsável pelas obras da nova linha do metrô de Caracas [15]. Em Cuba, investiu na revitalização do Porto de Mariel, ponto comercial estratégico no Caribe a menos de 180 km da Flórida [16]. A possibilidade de uma “regime changes” nesses países não-alinhados com os interesses norte-americanos na América Latina pode incluir também uma futura “revisão de contratos”. As empreiteiras norte-americanas, obviamente, gostariam que seus investimentos ocupassem o lugar dos da concorrente brasileira.

5 – Boicote a projetos de integração internacional: a Odebrecht seria a principal empreiteira responsável pela construção do Canal da Nicarágua, projeto chinês de mais de US$ 40 bilhões que ligará o Atlântico ao Pacífico – bem ao lado do Canal do Panamá, criado pelos EUA [17]. Ao contrário do Canal do Panamá, que apenas permite a passagem de um navio de cada vez e não suporta o calado de superpetroleiros, o Canal da Nicarágua poderá suportar até cinco superpetroleiros e tem a profundidade suficiente para suportar o calado de um grande navio tanque. Além disso, a Odebrecht poderia ser a empreiteira da Ferrovia Binacional Brasil-Peru, que ligaria o Brasil ao Pacífico e representa também uma nova rota comercial para a China [18]. Evidentemente, os EUA se opõem a ambos os projetos.

Fontes:

[1] – http://www.valor.com.br/politica/4814985/odebrecht-e-braskem-firmam-maior-acordo-de-leniencia-dos-eua
[2] – http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38372803
[3] – http://www.valor.com.br/politica/4815175/justica-dos-eua-quer-que-caso-da-odebrecht-e-braskem-sirva-de-exemplo
[4] – www.blogdokennedy.com.br/eua-sao-mais-rigorosos-com-a-corrupcao-dos-outros/
[5] – http://www.odebrecht.com/pt-br/negocios/nossos-negocios/odebrecht-engenharia-construcao-internacional-infraestrutura
[6] – http://www.enr.com/toplists/2015_Top_250_International_Contractors1
[7] – http://www.prosubebn.com.br/
[8] – http://www.vermelho.org.br/noticia/136916-1
[9] – http://airway.uol.com.br/as-armas-de-verdade-do-grupo-odebrecht/
[10] – https://theintercept.com/2016/08/17/com-queda-da-odebrecht-elbit-fabricante-israelense-de-drones-tenta-decolar-no-brasil/
[11] – http://www.esquerdadiario.com.br/Lava-Jato-por-tras-de-Moro-e-da-grande-midia-se-escondem-alguns-dos-donos-do-mundo
[12] – http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/02/sete-brasil-fecha-com-5-estaleiros-construcao-de-sondas.html
[13] – http://www.cgu.gov.br/noticias/2016/06/cgu-pune-construtora-skanska-com-inidoneidade
[14] – http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,aumentou-a-repressao-a-corrupcao-no-petroleo-imp-,1606770
[15] – http://www.ve.odebrecht.com/es/proyectos/en-ejecucion/linea-5-metro-de-caracas
[16] – http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/39292/um+ano+apos+inauguracao+porto+de+mariel+satisfaz+aposta+estrategica+do+brasil+em+cuba.shtml
[17] – http://www.dw.com/pt-br/panam%C3%A1-pretende-proibir-odebrecht-de-participar-de-licita%C3%A7%C3%B5es-p%C3%BAblicas/a-36929706
[18] – http://www.jornalatribuna.com.br/?p=33588

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