A publicação do meu artigo “China é responsável por 78% da redução da pobreza mundial”[1] fez parte do diálogo socialista mais importante do mundo – entre os socialistas da América Latina e os socialistas na China. Há duas partes importantes nessa discussão no que diz respeito propriamente à China.
- Primeiramente, demarcar os fatos reais sobre a situação da China – em oposição à contínua propaganda ocidental, que a quem não interessa que a realidade chinesa seja compreendida, devido ao efeito negativo que isso teria contra a hegemonia ocidental. O artigo “China é responsável por 78% da redução da pobreza mundial” faz parte dessa iniciativa de apresentar a realidade chinesa de fato.
- Uma discussão mais teórica – se a China é um país socialista ou não. Eu trabalhei essa questão especificamente no meu artigo “Por que a China é um país socialista – A teoria chinesa é alinhada a Marx (mas não a Stálin)”[2].
As duas discussões estão inter-relacionadas, mas a segunda é mais longa – como é possível acreditar no progressivo desenvolvimento chinês sem concordar que se trata de um país socialista. O presente artigo trata, portanto, da primeira questão, de apresentar os fatos relacionados à realidade chinesa.
O artigo “China é responsável por 78% da redução da pobreza mundial” aborda a situação das camadas mais oprimidas da população – uma questão de grande preocupação para os socialistas. O presente artigo trata dos indicadores do padrão de vida médio da população chinesa. Essa é evidentemente uma questão crucial tanto objetivamente quanto porque era surpreendente ver nas publicações da esquerda brasileira a repetição da mais pura propaganda ocidental e mentiras sobre trabalhadores chineses vivendo em “escravidão” etc. Pelo contrário, como se verá, os fatos mostram que os indicadores de desenvolvimento social da China e as condições de vida da média da população chinesa são maiores que o próprio crescimento econômico.
Desenvolvimento econômico chinês
O enorme crescimento econômico da China é hoje um fato bem conhecido. Comparações internacionais mostram que o crescimento econômico chinês nos últimos 39 anos, desde as reformas de 1978, iniciadas sob Deng Xiaoping, é o mais rápido sustentado por uma grande economia em toda a história mundial. De 1978 a 2016, o crescimento médio anual do PIB da China foi de 9,6%, e sua economia aumentou em tamanho em 3.200%. O aumento médio anual da China no PIB per capita foi de 8,5% – um PIB per capita que aumentou mais de 2.100%. Para comparação, no mesmo período, o PIB per capita dos Estados Unidos cresceu a uma média anual de 1,6% e em um total de 83%. O PIB per capita do Brasil aumentou a uma média anual de 1,0%, em um total de 44%.
Como o crescimento econômico da China é tão gigantesco, muito superior ao desempenho econômico ocidental ou ao “Consenso de Washington” promovido pelo Ocidente, isso levou a propaganda ocidental a reivindicar que as vantagens óbvias do rápido crescimento econômico são mais do que contrabalançados por fatores sociais ou ambientais negativos na China. Infelizmente, alguns socialistas no Brasil claramente têm sido induzidos a erro por culpa de tal propaganda. O problema de tais alegações é que os fatos mostram o contrário – que os avanços sociais da China são ainda maiores do que os econômicos. Isso pode ser facilmente quantificado.
Expectativa de vida
Os melhores e mais abrangentes critérios para julgar o impacto global das condições sociais e ambientais em um país dizem respeito à expectativa média de vida. Ela resume e equilibra o efeito combinado de todas as tendências sociais, ambientais, de saúde e de educação positivas e negativas.
A expectativa de vida representa, portanto, uma mensuração mais adequada do bem-estar social do que puramente o PIB per capita – tão significativa quanto o último, embora o PIB per capita seja o maior determinante da expectativa de vida. Como o ganhador do Prêmio Nobel em Ciências Econômica, Amartya Sem resumiu a respeito da relação entre essas variáveis:
“A renda pessoal é, sem dúvida, um determinante básico da sobrevivência e da morte e, mais geralmente, da qualidade de vida de uma pessoa. No entanto, a renda é apenas uma variável entre muitas que afetam nossas escolhas de como aproveitar a vida… O produto nacional bruto per capita pode ser um bom indicador da renda real média da nação, mas os rendimentos reais de que goza a população também dependerão do padrão distributivo dessa renda nacional. Além disso, a qualidade de vida de uma pessoa depende não apenas da sua renda pessoal, mas também de condições físicas e sociais variadas… A natureza do sistema de saúde e a natureza do seguro médico – público ou privado – estão entre as influências mais importantes na vida e morte Assim como os outros serviços sociais, incluindo a educação básica, o ordenamento da vida urbana e o acesso ao conhecimento médico moderno. Há, assim, muitos fatores não-incluídos na contabilização da renda pessoal que podem ser enfaticamente envolvidos na vida e morte de pessoas.”
Na China, por exemplo, é admitido oficialmente que a poluição é um fator muito negativo, com ampla publicidade dada às fumaças de Pequim e outras cidades, enquanto os estudos educacionais internacionais da OCDE mostram que o sistema educacional da China é robusto[3]. Portanto, os dados da expectativa de vida somam todos os aspectos positivos e negativos – um método muito mais rigoroso do que simplesmente apoderar-se de fatores ou anedotas individuais.
Fatores da expectativa de vida
Dados internacionais demonstram claramente que a maior variável na expectativa de vida de um país é o PIB per capita. De acordo com os últimos dados do Banco Mundial, o PIB per capita explica 68% da diferença na expectativa de vida entre países – veja a Figura 1.
Essa forte correlação entre o PIB per capita e a expectativa de vida significa que o PIB per capita é literalmente uma “questão da vida e da morte”. Segundo a classificação do Banco Mundial, uma pessoa que vive em uma economia de baixa renda nacional tem uma expectativa de vida de 62 anos, enquanto que alguém em uma economia de alta renda tem uma expectativa de vida de 81 – uma diferença de 19 anos. Os dados demonstram que a duplicação do PIB per capita em qualquer ponto da escala acrescenta 3,4 anos à vida de uma pessoa. Dados significativamente ocidentais mostram que a diferença na expectativa de vida entre as partes mais pobres e mais ricas das cidades dos EUA e do Reino Unido também é de cerca de 20 anos.
O fato de o PIB per capita representar 68% das diferenças na expectativa de vida entre os países, no entanto, significa que os demais 32% são explicados por outros fatores positivos (por exemplo, boa educação, sistema de saúde de qualidade, proteção ambiental) e negativos diferentes do PIB per capita (por exemplo, educação deficiente, falta de cuidados sanitários, poluição).
O que de bom a China está fazendo?
Esses fatos e comparações internacionais levantam claramente uma questão: “O que de bom a China está fazendo”? Obviamente, como a renda per capita é o principal fator na expectativa de vida, a China, como um país em desenvolvimento, ainda não pode se igualar à expectativa de vida das economias avançadas. Mas como a China está alcançando tais países em um estágio de desenvolvimento similar?
Isso pode ser mensurado – e mostra que a China está significativamente melhor do que seria esperado do seu atual nível de desenvolvimento econômico, ou seja, seu PIB per capita. Tal constatação pode ser facilmente medida de duas maneiras.
- Primeiro porque, como o PIB per capita é responsável por grande parte da expectativa de vida, é possível prever a partir do PIB per capita o que seria a expectativa de vida de um país.
- Segundo, o lugar do país no ranking do PIB per capita mundial pode ser comparado a sua classificação na expectativa de vida. Assim, se um país ocupa o 60º lugar em termos de PIB per capita, mas ocupa o 45º em expectativa de vida, sua expectativa de vida é maior do que o esperado de seu PIB per capita. Mas, se classificar no 70º em expectativa de vida, então é menor do que o esperado de seu PIB per capita.
O Banco Mundial fornece dados para 182 países, abrangendo quase toda a população mundial, e a posição da China é melhor do que o previsto pelo seu nível de desenvolvimento econômico em qualquer uma das medidas. Isso é mostrado na Tabela 1, que fornece dados ao maior dos grupos de economias em desenvolvimento – BRICS.
A expectativa de vida prevista da China a partir de seu PIB per capita é de 73,3 anos, mas a expectativa de vida atual é de 76 anos – isto é, as pessoas na China vivem mais de dois anos e meio do que seria esperado de seu nível de desenvolvimento econômico. A China ocupa o 72º lugar no PIB per capita, mas a 58ª na expectativa de vida – isto é, a posição global da China em expectativa de vida está a 14 lugares acima que sua posição em PIB per capita, indicando que o efeito global das condições sociais e ambientais da China é claramente positivo.
A propósito, deve notar-se que, entre os países dos BRICS, a Índia se encontra bem, seguida, em menor grau, no Brasil, enquanto a Rússia e a África do Sul estão em posições ruins.
Comparação com BRICS
Como BRICS é o grupo das grandes economias em desenvolvimento, também é interessante ver como a China se compara com seus pares. A Figura 2 mostra que a China tem a maior expectativa de vida de qualquer país dos BRICS, apesar do Brasil e da Rússia terem um PIB per capita superior ao da China.
Tomando todo o grupo de “economias de renda média alta” pela classificação do Banco Mundial, ao qual a China faz parte, a expectativa de vida chinesa de 76 anos se compara à média grupal de 74,9 anos – a expectativa de vida da China é superior em um ano à média do grupo como um todo.
Conclusão
A conclusão das comparações internacionais é clara. A China tem uma expectativa de vida significativamente maior do que o esperado para o seu nível de desenvolvimento econômico. Isso demonstra que os efeitos globais dos fatores sociais e ambientais na China são superiores à média internacional e aumentam a expectativa de vida.
O Ocidente, é claro, deseja desesperadamente esconder essa realidade porque prejudica sua hegemonia e mostra que o modelo de desenvolvimento econômico da China produziu resultados bem superiores para as economias em desenvolvimento do que seu “Consenso de Washington”.
Essas realidades, naturalmente, não significam que não haja problemas reais na China – como em qualquer economia em desenvolvimento. O Ocidente deseja ocultar que os problemas em outras economias em desenvolvimento são piores do que os da China – por exemplo, a poluição do ar em Nova Deli, a capital da outra grande economia em desenvolvimento, é muito pior do que em Pequim. Em sua fase de desenvolvimento até seu atual nível de PIB per capita, a Grã-Bretanha sofreu com 12 mil mortes durante o Grande Nevoeiro de 1952 – mais mortes do que sofreu a China, em um único incicidente. Porém, os dados demonstram que esses problemas reais dos britânicos são mais do que compensados por variáveis favoráveis em outras áreas, como educação.
As acusações de “trabalho escravo” na China são pura propaganda ocidental. A população chinesa vive mais do que o previsto para seu PIB per capita da China, vive mais do que em países com níveis comparáveis de desenvolvimento econômico e vive mais do que a brasileira! Isso mostra claramente a importância de a esquerda brasileira e latino-americana estudarem a China. Dado o atual estado inadequado de discussões mútuas entre socialistas chineses e socialistas na América Latina, é possível haver espaço para um debate legítimo entre os socialistas de ambos os países e de outros lugares sobre se a China é ou não um país socialista. Porém, não há uma discussão séria que se baseie na repetição da propaganda ocidental e puras mentiras, que são opostas aos fatos.
* John Ross é “Senior Fellow” do Instituto para Estudos Financeiros Chongyang, da Universidade de Renmin da China. Ele publica suas opiniões no website “Learning from China”. Este artigo representa sua análise pessoal, o que não implica o endosso pelo Instituto Chongyang.
Fontes:
[3] – https://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-results-in-focus.pdf