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Investimentos chineses em “portos-ferrovias” oligopolizam setor marítimo no Brasil

Os interesses dos chineses no Brasil continuam como na época de boom de nossa economia, apesar dos atuais problemas políticos.
por Roberto Moraes* | Blog do Roberto Moraes
(Foto: Rafael Martins/Secom/GOVBA)

Os interesses dos chineses no Brasil continuam como na época de boom de nossa economia, apesar dos atuais problemas políticos. Hoje há desconfianças com o governo que chegou ao poder com um golpe. O fato retarda decisões de participação em projetos pelos quais nutrem interesse.

Os chineses sabem que a retomada do desenvolvimento brasileiro não sairá pelo aumento de demanda se não houver investimentos que estarão ligados a um novo ciclo econômico-político, que pode se arrastar para depois de 2020.

Apesar disso, os chineses, baseados na sua direção de um capitalismo de Estado centralizado, sabem que os setores de infraestrutura e o incentivo ao consumo das famílias tendem ao expandir, puxar e arrastar os demais setores de uma economia continental como a do Brasil.

Chineses apostam na demanda por infraestrutura que dê fluidez às cargas

Os chineses decidiram ter uma maior participação no setor de infraestrutura do Brasil. Assim, já há um bom tempo, eles decidiram apostar na logística portuária, mas sempre com as interligações ferroviárias e rodoviárias que dão fluidez às cargas que transitam pelo mundo.

Além disso, também estão de olho nas demandas futuras de energia (petróleo e eletricidade) e saneamento, entre outras que precisam de investimentos em capital fixo sobre o território.

São investimentos na linha das chamadas Condições Gerais de Produção (CGP) para a expansão econômica. Na sociedade capitalista, as CGP estão vinculadas diretamente ao consumo e servem de base para auxiliar a retomada dos projetos industriais. Esses visam atender ao consumo, usando as infraestruturas e logísticas instaladas.

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Nessa estratégia, os portos continuam sendo objetos de cobiça e exercem enormes atrativos aos chineses. Isso se dá porque os complexos logísticos-portuários tendem a criar as bases para o aumento do comércio global e os fluxos de cargas, que tornam a etapa de circulação das mercadorias, entre a produção e o consumo, cada vez mais rápida e curta.

Porém, observando os investimentos desenhados pelos chineses, se vê que eles pretendem se vincular apenas à infraestruturas portuárias montadas (ou em fase de projetos) que estejam bem amarrados a grandes modais de transportes.

Os chineses sabem que modais de transportes é que garantem a integração logística e a grande fluidez para movimentação de cargas que passam pelos portos ligando a produção ao consumo em todo o mundo.

É com esse viés que os chineses deixaram de lado ofertas de parcerias, como no caso do Porto do Açu no norte do estado do Rio de Janeiro. Assim, os chineses adquiriram ou se vincularam a outros projetos de terminais portuários em pelo menos quatro estados brasileiros. Esses acordos e negócios aparecem, mesmo na mídia corporativa, de forma pontual e quase nunca são vistos e interpretados de maneira sistêmica.

Dessa forma, vamos aqui descrever brevemente quatro investimentos feitos (ou em fase adiantada de projeto e negociação) pelos chineses no Brasil, na área de logística portuária integrada a fortes modais ferroviários:

  1. Terminal de Contêineres no Porto de Paranaguá

Nesse início de setembro, os chineses arremataram o terminal de contêineres (TCP) Porto Paranaguá, no Paraná, por R$ 2,9 bilhões. O TCP é líder em movimentação de carnes congeladas no país e foi comprado pela China Merchants Port Holdings Company Limited (CMPort) que assumiu o controle com 90% da TCP Participações que é a concessionária que opera o Terminal de Contêineres de Paranaguá e a empresa de serviços logísticos TCP Log. A CMPort é uma corporação global que movimentou em 2016 mais de 95 milhões de TEUS. Na China, a CMPortos atua em Hong Kong, Shenzhen, Shanghai, Ningbo, Qingdao, Dailian, Tianjin, Zhanjiang e Xiamen Bay e outros portos. Além da Ásia, a corporação atua também na Europa, EUA, Turquia e Nigéria.

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O TCP em Paranaguá possui capacidade anual de 1,5 milhão de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) e com a transferência do seu controle acionário, iniciará uma expansão que prevê a elevação de sua capacidade para 2,4 milhões de TEUs/ano, até 2019. O TCP tem destaque na movimentação de contêineres no Brasil, onde opera aproximadamente 10% do volume total do país. Entre os produtos embarcados estão carnes congeladas, madeira, componentes para a indústria automotiva, químicos e equipamentos eletrônicos. TCP é o único terminal de contêineres do Sul do Brasil que conta com conexão ferroviária direta, dentro do pátio; o TCP é atualmente o líder no mercado brasileiro nesse modal, movimentando 6 mil contêineres por mês. Nesse modal o TCP oferece dois encostes por dia, operando 24 horas tanto na exportação quanto na importação. O TCP prevê capacidade operacional de 50 plataformas por encoste e conexão da malha ferroviária com os principais centros produtores do Brasil, além de ligação direta com o terminal do armazém frigorífico de Cambé e os terminais intermodais de Ponta Grossa e Cascavel;

  1. Terminal Graneleiro da Babitonga, Santa Catarina

Outro investimento chinês em portos e ferrovias está sendo encaminhado pela maior empresa de infraestrutura da China, que é controlada pelo governo, a Communications Contruction Company (CCCC), através da construção do Terminal Graneleiro da Babitonga (TGB), no porto privado de São Francisco do Sul, SC. A CCCC no fim de 2016 possuía US$ 150 bilhões investidos em vários projetos de infraestrutura. O TGB prevê investimentos de R$ 1,6 bilhão no projeto que terá a capacidade de movimentar 14 milhões de toneladas por ano, numa área de 601 mil m², píer de 316 metros, 2 mil metros de linhas ferroviárias e 14 metros de calado no canal de atracação. Capacidade de estocagem com 3 silos e 1 milhão de toneladas, 3 sistemas de esteiras para expedição de 4 mil toneladas por hora, 3 carregadores de navios (shiploaders). O TGB ficará na parte insular de São Francisco do Sul, a aproximadamente 2 quilômetros da BR-280 e a 3 quilômetros da linha férrea operada pela Rumo.[1]

Como se vê os dois empreendimentos descritos acima consideram suas potencialidades muito baseado nas infraestruturas e no modal ferroviária já existente. O caso do sul do Brasil fica mais evidente ainda quando se vê a malha de ramais de ferrovias existentes. Essa enorme quantidade de eixos intermodais de circulação viária pode atender aos portos e garantir a desejada fluidez das cargas que usam as vias marítimas:

 

  1. Porto Sul e a FIOL em Ilhéus, Bahia

O terceiro projeto porto-ferrovia que os chineses estão em adiantado estado de negociação é o questionando projeto do Porto Sul em Ilhéus, Bahia, que envolve ainda a conclusão dos trechos que faltam da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL – Leste Oeste) entre Ilhéus e Caetité. Ele tem como base a exportação de minério de ferro da Bahia Mineração (Bamin). O projeto prevê investimentos de R$ 2,6 bilhões, sendo R$ 2,2 bilhões para as obras e R$ 400 milhões em equipamentos. O Fundo Chinês para Investimentos na América Latina (Clai-Fund) e a China Railway Engineering Group n.10 (Crec), uma das maiores construtoras chinesas, vão investir, construir e operar o Porto Sul e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), em associação ao governo do estado e a Bahia Mineração (Bamin).

  1. Terminal Multicargas em São Luís, Maranhão

O quarto projeto de porto e ferrovia que os chineses avançaram na negociação se dá entre a corporação chinesa CCCC, com a corporação brasileira WPR Participações, vinculada ao grupo WTorre. O projeto prevê a aquisição pela CCCC do projeto portuário multicargas do Terminal de São Luís, no Maranhão. O empreendimento projetou o uso de uma área de 2 milhões de m² e uma capacidade anual de movimentação de cargas de 24,8 milhões de toneladas, com acesso direto à BR-135 que liga o Maranhão a Minas Gerais e também ao modal ferroviário da Ferrovia de Carajás (da Vale, já pronta) e à Ferrovia Transnordestina que tem parte concluída e outra em construção e interliga os portos do MA, CE e PE. [1]

Entendendo o contexto do movimento global do setor de transporte marítimo e sua repercussão sobre o Brasil

Para entender esse processo em que se inclui o interesse dos chineses é importante compreender seu contexto. O movimento de estrangeirização dos terminais portuários no Brasil se acentuou com essa fase de esvaziamento do estado (privatizações) e perda de poder das corporações privadas nacionais. Os terminais mais cobiçados são os de contêineres.

A Odebrecht Transports e a Triunfo venderam suas participações, respectivamente, no terminal da Embraport no Porto de Santos e no terminal no Portonave, da Triunfo em Navegantes, SC. No lugar entraram respectivamente, duas operadoras mundiais, a Dubai Ports World e a TIL (Terminal Investments Limited). As operadoras de terminais portuários, PSA de Cingapura e a Yldirim da Turquia negociam o terminal de contêineres do Porto de Itaguaí, que é da CSN[2].

Além disso, há que se recordar sobre o acordo de venda do Tecon Santos que envolve a Hamburg Sud e a Santos Brasil, de Daniel Dantas, para a Maersk, que está sendo avaliada pelo governo federal, através do poderoso Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

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Esse movimento ocorre num momento duplo. No plano internacional, as grandes corporações do transporte marítimo mundial aproveitam o momento de queda do crescimento do comércio exterior para estarem melhor posicionadas e consolidadas, sob a forma de oligopólios quando o comércio internacional voltar a crescer.

No plano nacional, essas corporações enxergam a janela de oportunidades abertas com a perda de valor das empresas nacionais gerada pela crise político-econômica do governo liberal pós-impeachment que vem escancarando as infraestruturas e as indústrias do país aos negócios externos.

O interesse dos chineses e a participação dos terminais portuários brasileiros como parte da oligopolização do setor

Como pode ser observado todos os negócios trazem embutidos, em sua concepção, a lógica da interligação modal que garanta a existência da infraestrutura para o rápido fluxo de cargas entre navios, ferrovias e rodovias.

Por inexistência de previsão de construção da interligação Vitória, Açu, Macaé, Itaboraí e Itaguaí dentro do projeto da ANTT, o Porto do Açu deixa de ser alternativa de investimento, por ora, pelos chineses.

Essa CGP chegou a ser projetado como “Corredor Logístico” pelo empreendimento do Açu, na época ainda sob a LLX, até que os problemas econômicos do grupo EBX, essa ligação intermodal acabou sendo repassado para projetos do Estado, ou por concessão.

Fato é que essa inequação evitou que algumas das conversas dos controladores do Porto do Açu com os chineses tivessem prosseguimento. Com a exposição das negociações dos quatro acordos aqui listados, comprova-se as principais razões da não-concretização dos interesses dos chineses que estiveram no Açu por ação articulada pela Prumo e Consulado da China no Rio de Janeiro.

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Vale ainda observar que esse processo de desenvolvimento dos portos regionais evita – mesmo que temporariamente – a centralização das cargas em hubports.

É também importante registrar, algo que venho tentando explicitar em minhas análises, sobre o papel dos governos dos estados nessas articulações entre o poder econômico (os fundos de investimentos e as corporações) e a lógica do investimento em capital fixo sobre o território dentro da estrutura federativa do país.

Os governos dos estados operam essa lógica atuando como articuladores entre o poder central e os locais, o que reforça esse espraiamento. O governador leva o investidor ao governo federal para as grandes autorizações, licenciamentos, parcerias e financiamentos públicos.

Da mesma forma, é o governador que estimula a guerra dos lugares entre os municípios (quando cabe) ou a convocação do prefeito para apresentar os projetos que são colocados como redenção econômica e geração de empregos, sem os ônus que vêem junto ao movimento do capital, como especulação imobiliária, encarecimento da vida no cotidiano, impactos socioambientais e o aumento da violência, que adiante vão gerar demandas de investimentos por parte do setor público.

Dentro desse quadro, durante a fase de boom da economia entre 2006-2013, o governo do estado do Rio de Janeiro agiu intensamente nessa “intermediação”, e como se sabe não apenas por interesse da gestão pública, mas para os fins privados que hoje se conhece em mais detalhes.

Assim, no atual momento, não é difícil compreender que a gestão do estado do Rio de Janeiro, completamente desestruturada, tenha perdido essa capacidade de operar que os demais estados do país ainda fazem, apesar dos problemas políticos e econômicos nacionais.

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Fontes:

[1] – Matéria do Valor, 4  set. 2017, P.A5. Gigante CCC vai construir terminal portuário em SC. Link: http://www.valor.com.br/brasil/5105784/gigante-cccc-vai-construir-terminal-portuario-em-sc

[2] – Reportagem do Valor, 30 ago. 2017, P.B2. Estrangeiros ampliam atuação no Brasil – Portos: Crise dos sócios brasileiros e buscas de oportunidades para entrar no país atraem interesses de multinacionais. Link: http://www.valor.com.br/empresas/5100174/estrangeiros-ampliam-atuacao-no-brasil

*58 anos, professor e engenheiro do IFF (ex-CEFET) em Campos dos Goytacazes, RJ. Pesquisador do NEED-IFF.

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