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A comédia ucraniana

Nas eleições ucranianas, se os ucranianos descobriram que a política é uma comédia, escolheram o comediante profissional no lugar do palhaço neofascista.
por André Ortega | Revista Opera
(Imagem: Pedro Marin / Revista Opera)

Volodymyr Zelensky, comediante da televisão ucraniana, venceu as eleições em seu país com 73,1% dos votos (10,365,865). O incumbente, Petro Poroshenko, obteve somente 25,3% (3,490,122) dos votos.

Com um país dividido em guerra civil e em conflito com a Federação Russa, pode ser um pouco curioso que a política ucraniana tenha se intensificado no sentido do ridículo. O ridículo pós-moderno, a dissolução da politica na comunicação espalhafatosa e no entretenimento, triunfou.

Vamos revisar os elementos políticos que fizeram a figura dos principais candidatos para nossos leitores tirarem suas lições e expectativas sobre a situação política ucraniana.

Zelensky tem 41 anos e faz a imagem de “nova liderança” sem vínculos com a elite política marcada pela corrupção. Os ucranianos querem o novo, querem a “mudança”, esse é mote de Zelensky.

Se seguirmos a leitura ideológica da moda, veremos que os ucranianos foram achegados em candidatos e discursos “populistas” – “amigos do povo, inimigos das elites”, discursos denuncistas com alto conteúdo moral, pregação de mudança e renovação. O problema é que – como os liberais globalistas estão sentindo – você não pode simplesmente dizer que Zelensky é “o populista”, porque esses temas apareceram nos outros candidatos e foram recorrentes em Poroshenko.

A assim chamada “Revolução do Maidan”, quando um conjunto de protestos violentos e embates armados na capital Kiev derrubaram o presidente Viktor Yanukovich, não trouxe novas lideranças políticas a nível nacional, e a elite pós-Maidan cansou o povo com sua imagem inconsistente e corrupção persistente.

De fato, uma coisa que Zelensky teve a seu favor foi a imagem mais credível de “candidato contra todos os outros, o candidato que não veio da política”. Se a juventude de valores liberais considerou dar votos para Poroshenko em 2014, agora isso é mais improvável e ela aparentemente migrou para o comediante.

Dentro de todo espetáculo eleitoral, os candidatos chegaram a debater em um estádio de futebol no segundo turno, trocando insultos perante uma audiência concentrada no campo. Zelensky fez um vídeo de propaganda no local com uma trilha sonora de anúncio de carro esportivo, desafiando Poroshenko para um debate no estádio – “você tem 24 horas para responder”, o que foi seguido de uma contagem regressiva postada em redes sociais. Poroshenko fez um vídeo resposta mais calmo, dizendo que não é brincadeira ser presidente e aceitou o desafio, declarando que debate não deveria ser circo, “mas se for para ser num estádio, que seja” – e, de fato foi.  No meio desse espetáculo, a coisa só ficou mais bizarra com o anúncio de um “teste de doping” para álcool e drogas antes da realização do debate, nas dependências do estádio voltadas para este fim.

É importante lembrarmos que a Ucrânia possui um sistema semi-presidencialista, com forte componente parlamentarista na formação de um governo formado entorno de um primeiro ministro, que é o chefe de governo. O presidente não pode presidir um partido político. O presidente sequer é considerado o titular do poder executivo na constituição, mas um moderador que representa todo o país e governo como um todo, capaz de invalidar ações dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), além de poder interferir nos poderes constitucionais. O Presidente é quem submete ao parlamento um nome para ser primeiro ministro, que precisa ser aprovado por uma maioria constitucional no parlamento (então são necessárias alianças e coalizões). Todas as leis precisam ser assinadas pelo Presidente, que também dispõe do orçamento público para criar diversas agências governamentais, especialmente de natureza de conselho. É o presidente que aponta oficialmente os governadores (nomeados pelo primeiro ministro).

O Presidente, que dispõe da posição de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, tem direito a dissolver o gabinete de governo e de nomear o ministro da defesa e das relações exteriores, além do procurador geral e do chefe dos serviços de segurança, a presidência do Banco Nacional, dentre uma série de outros cargos e posições em conselhos de agências estatais.

Tudo que dissermos aqui fica condicionado às eleições parlamentares que ainda estão por acontecer, e serve mais como exposição das representações em jogo nessas eleições presidenciais, ainda mais considerando que um voto de maioria de dois terços no Parlamento pode vencer um veto presidencial.

Inverno que não acaba: guerra e neofascismo

A Ucrânia agora é um país dividido e em guerra. Partes de duas províncias do extremo leste do país, Donetsk e Lugansk, na região do Donbass, estão sob o controle de entidades rebeldes que se identificam como repúblicas populares. A Crimeia, que tinha status de República Autônoma, se separou da soberania territorial de Kiev e se juntou à Federação Russa, num processo de anexação que causou controvérsia internacional devido a presença de tropas russas (apesar de ter sido um processo político iniciado pelo parlamento e as autoridades da Crimeia, concretizado com a realização de um referendo).

A violência começou em 2014, depois da chamada “Revolução de Praça Maidan” ou Euromaidan, quando manifestações e conflitos nas ruas da capital Kiev culminaram na derrubada do presidente Viktor Yanukovich. Formações de radicais ultra-nacionalistas assumiram a linha de frente das manifestações, que serviram de cobertura para uma manobra de deposição realizada por políticos de oposição.

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A divisão na Ucrânia é mais político-cultural do que uma profunda divisão nacional ou étnica. Vladimir Golstein (professor de estudos eslávicos da Universidade de Brown) disse bem: “O conflito ucraniano não é um conflito entre ‘separatistas pró russos’ e ‘pró ucranianos’ mas mais um conflito entre dois grupos ucranianos que não compartilham a visão do outro para uma Ucrânia independente”.

A Ucrânia é dividida entre várias regiões com histórias e populações diferentes, bem como visões diferentes sobre os diversos acontecimentos da história do país, onde cada região produziu distintos protagonistas. Existem concepções mais europeístas, de afastamento da Rússia, e outras de irmandade e aproximação ao “mundo eslavo”. No extremo leste, maior adesão a Rússia e berço do regionalismo, do federalismo, no extremo oeste, ódio à Rússia e o berço do nacionalismo ucraniano.

O Maidan foi mais apoiado nas regiões centrais e ocidentais da Ucrânia, que votavam contra Yanukovich. Na esteira dele, vieram políticas e discursos nacionalistas hostis à autonomia regional e à autonomia linguística da minoria russófona. Grupos neofascistas passaram a mostrar força nas ruas e cometer atos de violências espetacular. Foi isso que levou ao conflito da Crimeia e do Donbass, onde a Rússia tomou partido por esses opositores. Nesse processo, grupos fascistas ganharam ainda mais força (assumindo batalhões paramilitares e posições no sistema de segurança), ao mesmo tempo em que o Estado aumentou a pressão autoritária contra as zonas do leste e sudeste do país – o que precedeu o conflito no leste foi a resposta violenta e militar às manifestações anti-Maidan.

Os reflexos disso nas eleições são desastrosos: a maioria dos refugiados da guerra foram para a Rússia e esses foram impedidos de votar pelas autoridades ucranianas, como se fossem traidores. São mais de 4 milhões e 350 mil pessoas que moram na Rússia e não puderam participar (incluindo imigrantes e refugiados). Alguns assuntos são efetivamente bloqueados do debate público e das agendas eleitorais: discutir a guerra nas suas origens, falar de desnazificação, tratar dos massacres cometidos por nacionalistas, crimes de guerra, abusos dos serviços de segurança, a repressão política em nome de uma “guerra híbrida com a Rússia”, a libertação de prisioneiros. Não houve espaço para uma oposição de fato, contra os eventos do Maidan, pois essa vem sendo reprimida nos últimos cinco anos, como o Partido Comunista (que foi uma potência eleitoral no fim dos anos 90 e continuava sendo de relevância política) – até jornalistas e blogueiros críticos do Maidan foram perseguidos por meios oficiais e extra-oficiais.

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Zelensky – Realidade e Simulacro

O ator comediante tem 41 anos e foi de “voto de protesto” a concorrente mais sólido da corrida presidencial.

Em uma estrondosa demonstração de antipolítica, Zelensky não lançou manifesto e pediu para os ucranianos nas redes levantarem “os cinco maiores problemas do país” – as soluções serão levantadas de forma similar. Claro, o termo “antipolítica” pode ser disputado: Zelensky coloca seus temas como democracia direta, moderna e digital. Essa posição assume consequências diversas: reformas políticas que permitam “voto online” e o recurso do referendo para grandes decisões nacionais. Também pediu sugestões para a lista de nomeações presidenciais: Procurador-Geral, ministros da defesa e das relações exteriores, das agências de segurança… para citar os mais importantes. Ele chega ao ponto de defender o método para uma decisão final de acordo com Vladimir Putin. O fenômeno em si, no seu conteúdo, não é exatamente novo na Ucrânia, mas Zelensky eleva o trabalho de mídia de rede a outro patamar. É a figura de um judeu comediante se convertendo em uma espécie de tecno-cossaco colocando no voisko se o povo segue em guerra ou não, como faziam os cossacos do Sich da Zarapozhia.

Zelensky também é um milionário, não só por ser ator, mas pelo grupo de produção que criou nos anos 2000, o Kvartal-95 – uma de suas especialidades é debochar de políticos.

O foco da campanha foi combate a corrupção, incluindo medidas drásticas como o banimento da política daqueles condenados por corrupção. Não é só que a corrupção continua forte na Ucrânia: a mídia também adora falar de corrupção do jeito mais espalhafatoso possível, com as matérias mais escandalosas e jogando suspeitas de todo lado, dada ao sensacionalismo e ao assassinato de reputações escrachado – a situação só piorou com uma guerra que acrescenta um tempero de “fidelidade nacional” em tudo que se faz na vida social ucraniana.

A campanha de fato é inovadora. A parte digital conduzida com jovens em uma casa de vidro em uma zona nobre de Kiev. Como outros que brincam com rede sociais, Zelensky foi testando os temas com o eleitorado.

Além da campanha política, o grande trunfo de Zelensky é seu programa “Servo do Povo” (em inglês pode ser encontrado como Servant of the People), transmitido no canal 1+1.

É fundamental entender que muitos paralelos estão sendo marcados entre o programa e as expectativas para Zelenskyi no poder. “As pessoas querem que o programa vire realidade” disse um analista político ucraniano, Volodymyr Fesenko (citado no South China Morning Post; Fesenko está servindo de referência para boa parte das publicações internacionais e também ucranianas em língua inglesa).

O programa é interessante. Um professor de escola, um homem comum – só um pouco melhor do que o normal, afinal é um professor, “cuida do futuro” – de repente se torna Presidente da Ucrânia (o chamado do herói). Ele assume a presidência e decide que os corruptos tem que ser presos – e tem mais, ele acredita que os oligarcas merecem o mesmo destino. Tudo está contra ele, todos ao redor dele se desesperam, os amigos tentam desestimular por ser uma “loucura política”, os inimigos encontram ele para tentar dissuadir, comprar o presidente ou formar alguma coalizão de interesses.

Isso tudo na primeira temporada. Na segunda temporada, que foi ao ar em 2017 (a guerra completando três anos), o personagem renuncia ao cargo depois de enfrentar o FMI (que queria impor medidas de austeridade, como exigiu da Ucrânia no mundo real) e é reeleito em uma campanha improvável, de “candidato fraco”. Na terceira temporada, os nacionalistas que usam o lema de “Liberdade (Svoboda*)! Sobrenome! Pátria!” dão um golpe de estado e prendem o presidente. Quando um dos líderes golpistas vai visitar a prisão onde está o presidente deposto, ele começa a questionar os sobrenomes de cada prisioneiro

*Nome de um dos partidos precursores do ultra-nacionalismo na política representativa ucraniana, francamente de extrema direita, reunindo inclusive agrupamentos neonazistas em sua formação. Suas bandeiras figuravam em peso nas manifestações do Euromaidan (bandeira azul com uma mão amarela fazendo um sinal de três dedos). Controlavam a Auto-defesa do Maidan. Perderam um pouco de seu protagonismo com o surgimento de novos agrupamentos neofascistas como o Pravy Sektor – uma das razões foram diferenças no grau de radicalismo durante o Maidan. O lema do Pravy Sektor é “Deus! Ucrânia! Liberdade!”.

Uma das críticas à série é que nela não existe “agressão russa”, conflito com os russos, a Ucrânia está desligada da geopolítica e não está dividida, não se fala de Crimeia nem se fala de Donbass. Só que o último episódio da terceira temporada até tocou nesse tema: o golpe acende um processo em que a Ucrânia se divide em 30 mini-estados.

É extraordinário. A crítica do Euromaidan consistiu nisso: um golpe de estado de ultra-nacionalistas causou a fragmentação do país. Os russofilos mais radicais e agressivos fazem piadas e ideias de uma Ucrânia inexistente dividida entre um maior número de estados nacionais – Carpatos, Galícia, Odessa, Dnipropetrovsk, Karkhiv…

O programa é irritante para nacionalistas. Em geral, estes acusam Zelensky de “debochar do povo ucraniano”. Zelensky tem origens no sul e no leste do país, além de ser russófono. Sua série é acusada de “falar mais russo que ucraniano”. Apesar de ter declarado que encerrou seus negócios na Rússia por conta da guerra, o comediante passou o constrangimento da exposição de uma realidade um pouco diferente dessa alegação.

Por enquanto, o discurso dos norte-americanos e da mídia liberal ocidental ainda não chamou Zelensky de “russian puppet” (fantoche russo). Alguns “reformadores liberais pró ocidente” de segundo escalão e que se envolveram com o Maidan agora se reúnem ao redor do candidato. É importante ressaltar que dentro da narrativa liberal pró-europeia e reformadora, os vitoriosos do Maidan perderam credibilidade ou não fizeram o suficiente. Aivaras Abromavičius, banqueiro que foi ministro da economia no governo Poroshenko-Groysman causou uma crise ao renunciar junto de sua equipe alegando a infestação de corrupção. Abromavičius está apresentando Zelensky para figuras do mundo dos negócios e diplomatas, enxergando o candidato como uma “plataforma” para sustentar liberais. Não sabemos quem é o grupo secreto de assessores que cercam o comediante, que ficou ainda mais calado na reta final das eleições.

Porta-vozes das repúblicas populares separatistas do leste do país também se manifestaram dizendo que “não há o que conversar com Zelensky” e até condenando sua trupe por ter prestado solidariedade aos esforços de guerra do governo de Kiev, incluindo shows de entretenimento para soldados no front. A lógica deles, claro, corresponde a uma noção um pouco mais profunda de “Fascismo”, de acordo com as imposições do governo e do aparato estatal, não a mercê das características individuais de um novo ocupante na cadeira. O candidato eleito também disse que “a Crimeia sempre será Ucrânia” mas que resolver os conflitos com a Rússia por meios militares é “inaceitável”. Para ouvidos mais partidários, as palavras do novo político podem soar como muito suaves com a Rússia.

Enquanto diz que é favorável “pessoalmente” a entrar na UE, já fez comentários irônicos equivocando essa posição, comentários céticos do tipo “não costumo invadir uma festa a qual não fui convidado”.

Nesse mundo em que o simulacro se junta com a realidade, Zelensky é uma fantasia derivada da função técnica chamada de reset, também uma fantasia de conciliação. Em Zelensky os ucranianos se afastam do quadro mental e político dos últimos anos. Esse quadro é marcado primeiro por um conflito entre os revanchistas que perderam no Maidan e os ultranacionalistas que cresceram depois disso. É cansativo receber os argumentos de cada lado e se submeter a eles, principalmente quando pensamos em alguns públicos que votaram em Zelensky – como os jovens que só queriam se “sentir europeus” e cuidar de suas vidas. Então, essa fantasia também é o recorrente simbolismo da destruição e o desejo escatológico de superar a realidade de conflitos. A nação se regenera ou se aniquila em um gesto cômico, que ao mesmo tempo que é alívio, é válvula de escape de uma energia explosiva. No mais imediato da política, o voto em Zelensky foi um voto contra Poroshenko. A fantasia Zelensky, como boa fantasia, é uma fuga da realidade.

No Ocidente ninguém teve ainda a coragem de chamar Zelensky de candidato “dos russos”, mas durante o processo eleitoral intelectuais da mídia corporativa e dos think tanks já expressaram preocupações com o comediante – Alexander J. Motyl argumentou na Foreign Policy que “Ukraine’s TV President Is Dangerously Pro-Russian” (O Presidente ucraniano da TV é perigosamente pró-russo).

Candidato de Kolomoisky?

Zelensky foi acusado durante a campanha de ser o candidato do oligarca Ilhor Kolomoisky, que é dono de três nacionalidades (ucraniana, israelense e cipriota). Kolomoisky é proprietário do canal onde Zelensky atua (1+1) e, pelo menos, é patente que usou sua emissora para fazer uma campanha paralela para Zelensky. “Oligarcas” são super-ricos chefes de grandes concentrações econômicas e redes de poder no espaço pós-soviético. Para ser um na Ucrânia é necessário ser dono de mídias, ter um império empresarial e exercer influência política. Kolomoisky em 2016 tinha uma fortuna avaliada pela Forbes em 1,46 bilhões de dólares, além de ocupar posições de monopólio em setores diversos.

Kolomoisky enriqueceu com o capitalismo gangster e predatório dos anos 90. Tem uma fama específica de “raider”, alguém que toma as empresas de outras pessoas com todo tipo de pressão legal, econômica e extralegal (vale tudo, até assassino de aluguel).

O comediante mantém negócios juntos do oligarca. O conselheiro legal do candidato foi Andrii Bohdan, advogado pessoal de Kolomoisky. A estrutura da televisão também deu apoio logístico para Zelensky e o comediante até foi acusado por jornalistas investigativos de ter feito 14 viagens para Genebra e Tel Aviv nos últimos dois anos (Genebra é uma das “bases” de Kolomoisky e Tel Aviv é a cidade que ele escolheu como exílio).

Kolomoisky sempre vai atrás de quem está no poder e coloca suas armas na mesa. Em 2014, no início do conflito ucraniano, financiou a formação dos batalhões punitivos de radicais, inclusive neonazistas ligados ao Pravy Sektor e Andrey Biletsky, líder do Batalhão Azov. Kolomoisky criou sua própria milícia em sua região de influência (a oblast de Dnipropetrovsk), o Batalhão Dnipro-1, na qual gastou mais de 10 milhões para sua criação. Kolomoisky foi nomeado pelo presidente Turchynov para a posição de governador de Dnipropetrovsk. Também oferecia prêmios na ordem de milhares pela cabeça de “separatistas e sabotadores”; pagou 500 mil pela captura de Oleg Tsarov, um deputado local que se converteu em “líder separatista”. Foi Kolomoisky quem, de fato, derrotou uma insurreição rebelde no estado de Dnipropetrovsk (e que ali se criasse algum tipo de “república popular”).

Financiou grupos notáveis por seus crimes como o Batalhão Aidar; o seu batalhão, especialmente, é acusado de incendiar um prédio policial  tomado por “separatistas” em Mariupol com as pessoas dentro. O grupo de tornou uma “patrulha policial” do Ministério do Interior e ainda é mantido por Kolomoisky através de uma organização de caridade.

Perdeu o cargo de governador em 2015, quando sua relação com Porosheko deteriorou. Oleksandr Lazorko foi demitido da posição de diretor executivo da estatal UkrTransNafta, operadora de oleodutos. Lazorko é um protegido de Kolomoisky, que respondeu enviando sua milícia para ocupar as instalações do local – o impasse acabou sendo resolvido de forma desfavorável ao oligarca, que perdeu o governo de Dnipropetrovsk. Mais tarde, em 2016, Poroshenko nacionalizou o banco que fez a fortuna de Kolomoisky, o PrivatBank, maior banco privado da Ucrânia. A nacionalização foi produto de acusações de fraudes num período de dez anos (recentemente, no dia 18 de abril, uma corte ucraniana decidiu que nacionalização foi “ilegal” – Kolomoisky ainda solicita a devolução de patrimônio que foi congelado, em valores que ultrapassam dois bilhões – as cortes ucranianas são notórias pela corrupção). Kolomoisky, que já passava boa parte de seu tempo na Europa Central, se mudou publicamente para Tel Aviv, declarando exílio.

Nestas eleições, Poroshenko acusou seu adversário Zelensky de ser um fantoche de Kolomoisky. Poroshenko fez a mesma coisa em 2005: 31 de Dezembro de 2004, o Canal 5, de sua propriedade exibiu uma mensagem do candidato Viktor Yuschenko ao invés da mensagem do Presidente Leonid Kuchma.

A postura de Kolomoisky de fato é a de um oportunista que só serve a si mesmo e muda de posição de acordo com o mais conveniente. Chegou a ventilar a possibilidade de negociar com os russos depois de ter sido o mais radical pregador da guerra.

O incumbente fez repetidas acusações contra o desafiante a respeito das relações com Kolomoisky, chamando Zelensky de “fantoche”. Deve ter sido problemático para Poroshenko lidar com o fato dele mesmo ser um oligarca, apesar de não tão espalhafatoso quanto Kolomoisky. Além disso, ele foi o “candidato de unidade” dos oligarcas em 2014, que aparentemente chegaram a se reunir em Viena para selar um pacto de apoio ao político que naquele momento ganharia a presidência. Kolomoisky não é o único oligarca apoiando Zelensky (e dentre os apoiadores estaria Rinat Akhmetov), mas Poroshenko o elegeu na campanha como arqui-inimigo.

Críticos ligados ao pensamento geopolítico russo – que nada têm a ver com Poroshenko – também acusaram a ligação, apontando o papel decisivo do oligarca especialmente para garantir para Zelensky a compra de posições nas comissões eleitorais de territórios. O dinheiro do milionário teria compensado a falta de máquina política. A presença de representantes nessas comissões que recebem e contam os votos é desde eleições passadas considerada decisiva para ganhar as corridas ucranianas, com os grandes candidatos postulando candidatos-fantoches para garantir mais representantes nas comissões.

Dificilmente Zelensky usará seu poder para fazer triunfar os interesses de Kolomoisky em conflitos como o da instituição financeira ou o que já é fato consumado na empresa energética. É bom recordar: o próprio Poroshenko já foi aliado de Kolomoisky. Se Kolomoisky queria antes de tudo vencer Poroshenko, ele apostou suas fichas no candidato certo e nesse objetivo venceu. O que ele pode ganhar agora é voltar para a Ucrânia sem ter um inimigo no poder.

Kolomoisky também exercia influência no parlamento – “influência” que em grande parte se faz com dinheiro. Como as eleições parlamentares deste ano ainda estão por vir, o oligarca pode cumprir um papel decisivo na formação de coalizões parlamentares e na eleição das bancadas partidárias. Apesar dele não jogar esse jogo sozinho, Kolomoisky é conhecido por sua agressividade e por não se conter na hora de gastar (Yulia Tymoshenko, por outro lado, prefere economizar nas campanhas políticas).

Os sofrimentos de Poroshenko

O incumbente, Presidente da Ucrânia desde 2014, Petro Poroshenko. Foi ele o principal condutor da guerra contra o Donbass e quem liderou a reconstituição da força militar ucraniana. Seu governo ao tempo foi marcado por escândalos de corrupção, a decepção e desilusão com os resultados do Maidan. Depois do primeiro turno, Poroshenko – que é sempre muito bom em fazer o papel de “sóbrio” e “ouvinte” – disse que “compreendeu” de forma “crítica e sóbria” o “sinal que a sociedade deu para as autoridades”, que ele e seu time receberam a “dura lição” e que esta “é razão para trabalho sério para corrigir os erros cometidos nos últimos anos”.

Poroshenko fez uma campanha tentando passar uma imagem de conservador, sério, sóbrio, patriarca e comandante, inclusive denunciando os “populistas” e “demagogos”, os “palhaços”. Mais do que isso, denunciava os “pseudo-patriotas” e aqueles que “por trás dos panos já negociam a capitulação”.

Em 2014 se apresentou como o candidato pragmático, racional, mais moderado e até mais humano. Agora virou o líder forte de guerra e patriarca do nacionalismo, imagem cultivada com cuidado desde 2018, tanto nos seus passos políticos como em sua comunicação multi-milionária. Seu mote de campanha: “Exército! Língua! Fé!”. Em 12 de março, Konstatin Skorkin argumentou no portal do Carnegie Moscow Center que Poroshenko virou o candidato favorito dos “patriotas”.

De fato, desde 2014 a Ucrânia passou por uma ampliação da estrutura militar e isto é reivindicado pelo incumbente como um de seus maiores sucessos. No limite, quer contrapor a sua liderança ao breve período caótico que Oleksander Turchynov governou após a derrubada de Yanukovich, em que os militares se desmanchavam perante a multiplicação das forças rebeldes.

O problema é que a liderança militar de Poroshenko não foi exatamente um sucesso. O caldeirão de Debaltsevo caiu, os ciborgues foram varridos. Em 2014, ele foi eleito com a possibilidade de terminar o conflito e realizar outra abordagem. Ele preferiu fazer um ultimato, dobrar a aposta da guerra, e foi derrotado em mais duas mobilizações gerais, incluindo pelo menos o dobro de ondas de recrutamento forçado (que aumentam a insatisfação). Poroshenko dependeu para o combate de infantaria de grupos radicais reunidos na Guarda Nacional (que ele oficializou), mas nos anos finais de seu governo sua relação com esses mesmos grupos ultra-nacionalistas e neofascistas azedou.

No quesito corrupção, sua promessa de 2014 de criar tribunal especial contra a corrupção só foi cumprida uma semana antes dessas eleições em que saiu derrotado. O presidente também assumiu um discurso cuidadoso de “combate às causas estruturais da corrupção” ao invés de “medidas espetaculares” que afetariam a vida econômica do país.

Ainda em março, estourou um caso de corrupção massiva envolvendo precisamente o setor militar e o Conselho de Segurança Nacional e Defesa, envolvendo a família do secretário Oleg Gladkovsky, parte do círculo de Poroshenko. No esquema aconteceu uma compra superfaturada de – sim – armamento russo. No mesmo mês, duas semanas antes das eleições vazaram documentos digitais – batizados popularmente de “Ukraine Papers” – mostrando o império de offshores do presidente, incluindo oficiais do governo ligados ao círculo pessoal de negócios do clã Poroshenko (seria isto obra dos famosos russian hackers?).

No pano de fundo da vida cotidiana dos ucranianos, pensões atrasaram, a inflação subiu, o preço do gás necessário para se viver subiu, o Estado ficou sem dinheiro, o FMI fez duras exigências para liberar algum dinheiro e a União Europeia também fazia suas próprias imposições “reformistas”(que implicam em liberalização econômica). No leste, suas ações de guerra misturadas com discurso nacionalista lhe renderam o epíteto de “fascista” (com grande peso cultural no leste do país por conta da Segunda Guerra e da formação soviética – os rebeldes das repúblicas populares se identificam como “antifascistas”).

Na sua adoção de uma pose nacionalista agressiva, Poroshenko ano passado chegou ao ponto de causar uma grande ruptura cismática na Ortodoxia Cristã, fortalecendo a reivindicação de uma Igreja Ortodoxa Ucraniana independente e ampliando sua pressão em cima das igrejas filiadas ao Patriarcado de Moscou situadas em território ucraniano. No final de 2018 cumpriu um itinerário sacro voltado para essa agenda, que foi visto como uma campanha eleitoral antecipada.

Apesar dos esforços, até o chefe de polícia Arsen Avakov, o Ministro do Interior da Ucrânia desde fevereiro de 2014 (deputado e padrinho dos neonazistas – foi ele quem colocou o vice-comandante do Batalhão Azov, Vadym Troyan, como chefe de polícia da região de Kiev, cargo que ocupa até hoje) saiu fazendo esforços de oposição e desestabilização à campanha de Poroshenko, inclusive acusando o Chefe de Estado de compra de votos.

Na campanha Poroshenko também defendeu que “nós precisamos garantir nossa integração com a União Europeia e a OTAN”, se apresentando como alternativa segura e garantida para estes projetos. No primeiro turno, obteve 3 milhões 14 mil e 609 votos, 15.95%.

“Nós somos Ucrânia” cartaz da campanha de Poroshenko fala de “exército, língua e fé”.

Aonde estão os radicais e extremistas?

Extremistas e neonazis de grupos como C14, Pravy Sektor e National Corps (organização política saída do Batalhão Azov), bem como uma míriade de grupelhos e gangues banderistas (referência a Stepan Bandera), de maneira geral optaram por um discurso abstencionista, de que “as eleições se tornaram uma farsa”, um espetáculo degenerado. Apesar disso, mais de 300 radicais da National Corps se inscreveram como colaboradores de comissões eleitorais. Politicamente, optaram por focar no fortalecimento de suas bases semi-militares e presença nas ruas. Manifestações de radicais seguiram os comícios de Poroshenko acusando-o de corrupto e traidor – diversos policiais chegaram a se ferir em confrontos com os radicais.

Apesar da estética radical, esses grupos mantém vínculos diversos com o establishment, com seus líderes ocupando posições de representantes no parlamento nacional e a proteção oficialista do Ministro do Interior Arsen Avakov. Avakov, como citamos anteriormente, está na oposição a Poroshenko e provavelmente está envolvido na organização das manifestações que atrapalham os comícios. Avakov apoiou Tymoshenko no primeiro turno e é acusado de ter dado cobertura para a compra de votos por esta candidata.

O grupo C14, o responsável por linchar e prender o brasileiro Rafael Lusvarghi, continua fazendo suas ações radicais de rua que são gravadas e jogadas na internet. Atacam acampamentos ciganos, encontros homossexuais, civis de simpatias políticas contrárias, levam pessoas para os prédios do Ministério do Interior, invadem o território sagrado da Igreja Ortodoxa russa, até chegaram a atacar a abertura do KFC em fins de 2018 devido a supostos vínculos do empresário responsável com a Rússia.

Tymoshenko: fracasso e frustração

Yulia Tymoshenko era considerada em 2018 a vitoriosa de 2019. Grande engano, a velha raposa da política ucraniana não passou do primeiro turno, ficando em terceiro lugar, não muito longe de Poroshenko. Obteve 2 milhões 532 mil e 452 votos, 13,40% do total. De carreira antiga e importante, também tinha a marca da corrupção (que antes contribuiu para a vitória eleitoral do Yanukovich, que foi derrubado em 2014).

Desde 2014, Tymoshenko – que dez anos antes estava no meio de em um escândalo de corrupção envolvendo o comércio de gás da Federação Russa – se apresentou como uma campeã do nacionalismo ucraniano. Nas eleições de 2014, os agrupamentos e partidos de extrema direita apoiaram Yulia contra Poroshenko, e em muitos casos se filiaram ao seu partido para concorrer a órgãos legislativos.

Da face de reformadora liberal, ela preservou um aspecto político fazendo uma ampla campanha em 2018 defendendo uma profunda reforma constitucional para transformar o sistema ucraniano em um sistema totalmente parlamentarista. No entanto, esse ano variou no tom econômico assumindo a “face populista”, misturando o discurso moralista de sempre com promessas de reduzir o preço do gás, aumentar aposentadoria e paralisar as privatizações de terras rurais (o que também é um dos objetos do discurso político dos rebeldes do leste, mas é uma preocupação que toca especialmente habitantes de outras regiões). Tymoshenko prometeu tomar de volta o controle da Crimeia e das repúblicas rebeldes do leste do país, com um discurso combativo bem distante da fala de Zelensky.

Tymoshenko é um daqueles casos em que o político que parece um oportunista  provavelmente é um oportunista. Seu discurso moralista, por exemplo, não só esquece do passado marcado pela corrupção como tenta disfarçar a relação política que ela mantém com o já citado Ilhor Kolomoisky.

Dada sua inimizade com Poroshenko e a plataforma de oposição a seu governo, era realmente muito difícil que seus votos fossem transferidos para o incumbente que hoje foi derrotado por Zelensky.

O comediante vitorioso rejeitou durante a campanha a ideia de que ele poderia juntar forças com Tymoshenko oferecendo apoio para ela nas eleições parlamentares que também serão nesse ano. Disse que não quer acertos com ninguém, que “nós somos a juventude, não queremos ver todo o passado no nosso futuro, o futuro de nosso país”. Yulia segue sendo uma jogadora relevante na política ucraniana e nas eleições parlamentares que estão por vir.

A oposição cuidadosa

Os candidatos de oposição estão em uma posição intimidada, com o discurso recortado, se mantendo em temas como reconciliação, democracia, diplomacia (com a Rússia) e descentralização. Yuri Boyko e Oleksandr Vilkul foram os políticos vinculados ao novo Bloco de Oposição que concorreram nessas eleições. Boyko foi exposto como o “candidato de Putin”, “o candidato dos russos”, acusação que lá não é muito sem fundamento – de fato, foi o candidato mais próximo da Rússia e seus governantes. No entanto, isso se deve por eles representarem o que restou desse espaço político-cultural no cenário ucraniano. O Bloco se uniu ao partido “Pela Vida”, cujo um dos líderes, Viktor Medvedchuk, descreveu a aliança nesses termos: “Nossa aliança vai representar os interesses dos cidadãos de Sul-Leste da Ucrânia, as populações falantes de russo e todos aqueles que entendem a profunda necessidade por mudanças na atual liderança”.

A oposição defende a resolução pacífica do conflito no Donbass e denuncia a coalizão do governo como um “partido da guerra”.

Boyko teve um bom desempenho eleitoral, dada as condições, e ficou em quarto lugar. Obteve 2 milhões 206 mil e 216 votos, 11,67% dos votos válidos. Oleksandr Vilkul, que correu como um dissidente, mas com a mesma plataforma, obteve 784 mil e 274 votos, 4,15% do total dos votantes.

Voto dividido?

Como dissemos, a Ucrânia é um país com divisões culturais e políticas. Essas divisões sempre se expressaram em diferenças regionais nos hábitos de voto. Até Samuel Huntington observara isso em seu “Choque de Civilizações”, colando um mapa eleitoral da Ucrânia nas suas reflexões. Os políticos que sempre tiveram mais votos no ocidente e no centro do país – políticos mais europeístas e/ou nacionalistas – impuseram uma derrota muito grave a seus adversários depois de 2014, usando meios extra-eleitorais como o banimento do Partido das Regiões. Mesmo assim, o voto não deixou de expressar divisões. Quer dizer, Zelensky pela primeira vez unificou várias regiões da Ucrânia ganhando em todas – o ódio a Poroshenko criou esse fato sem precedentes. No entanto, olhando para os candidatos com programas políticos vimos as tendências costumeiras no primeiro turno: o oeste e o centro votando no discurso nacionalista de Timoshenko e Poroshenko, o leste votando nos candidatos do Bloco de Oposição, Boyko e Vilkul. Boyko chegou a ficar em primeiro lugar no leste do país e em dois distritos do sul do país.

No segundo turno, dentre os poucos votos que Poroshenko recebeu, o presidente recebeu mais votos no oeste e no centro do país (no oeste a votação foi bem dividida, mas no centro Poroshenko também foi esmagado). O pior desempenho foi no leste do país, seguido pela região sul.

Conclusão: não verás país nenhum?

A Ucrânia sob Yanukovich, mesmo que tomada por corrupção (coisa que continua até hoje), se aproveitava de uma posição limítrofe do confronto entre potências, mas com um protagonismo especial devido à sua extensão e vínculos com a Rússia (uma dependência mútua). 2014 soltou os cães da violência, do neofascismo e do desordenamento das relações regionais – hoje, até a relação com a União Europeia está comprometida pelos produtos políticos do Euromaidan.

Com diplomacia, Yanukovich era capaz de extorquir os russos, o que Poroshenko não conseguiu com seus teatros de guerra. O país se afundou no caos, guerra, pobreza, com o tempero especial dos grupos radicais que cometeram barbaridades como o Massacre de Odessa. É esse país, o país que proibiu os símbolos comunistas enquanto reabilitava os colaboradores do nazismo alemão, que apesar de todo esforço doutrinário entorno da “união nacional” contra o “agressor russo”, esse país cheio de mortos e de vítimas, de soldados tirados de suas casas e inocentes soterrados nos escombros de outras, acabou por eleger um comediante sem plataforma como presidente.

Agora, é bem possível que os russos saíam com uma posição ainda mais forte, tenham mais condições de negociar com o establishment (abrindo a torneira do apoio financeiro sem aquelas contrapartidas sociais do FMI, talvez); ou talvez tenham que se enfrentar com outro maluco e incompetente desestabilizando sua fronteira, incapaz de manter a Ucrânia unida. É improvável, no entanto, que este comediante judeu se converta num aspirante a ditador nacionalista anti-russo – mas também é improvável que ela seja um salvador que de repente vai mudar o funcionamento da política ucraniana. Isso deve ser objeto de outra reflexão e nos perturbar toda vez que olharmos para a política ucraniana.

É tragicômico, é a mistura do inevitável, do terrível e do ridículo. Ao leitor, cabe o aviso de não se equivocar com nosso tom de crítica cultural à degeneração da política ucraniana em espetáculo. No fim, a eleição ucraniana teve um significado político positivo. Mais de 70% dos votos, o que inclui toda uma série de camadas de opiniões anti-russas, disseram claramente que o verdadeiro palhaço é Petro Poroshenko, que cômicas são as imposições morais dos neofascistas, que a militância radical e os políticos que a cortejaram é uma piada, uma piada de mau gosto que precisa ser extirpada. Poroshenko de uniforme militar, o sectarismo religioso, os ataques de rua, o extremismo, a intolerância linguística, essa piada não tem mais graça – se os ucranianos descobriram que a política é uma comédia, escolheram o comediante profissional no lugar do palhaço neofascista.

Esse simbolismo não torna possível dizer que Zelensky será uma grande mudança nos principais problemas que afetam a Ucrânia desde 2014. A influência dos Estados Unidos e a presença de seus serviços de inteligência no estado ucraniano é algo a ser recordado. Os oligarcas jogam pesado. O nacionalismo continua sendo uma força política e os grupelhos fascistas possuem armas, dinheiro, apoiadores. Na mídia, o discurso anti-russo com cores ou mais liberais ou mais nacionalistas também continua forte. O neofascismo oferece bases, faz parte das tentações do poder. Na ficção, o “bom rapaz” até pode resistir à pressão, mas a pressão de uma mala de dinheiro e uma arma na cabeça está acima de qualquer roteiro televisivo.

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