Estamos, cada vez mais, perto das eleições presidenciais no Estado Plurinacional da Bolívia. Estas que se repetem em menos de um ano, no qual há ocorrido, absolutamente, de tudo: uma nova presidenta, sem votos e fruto de um golpe de Estado; grande agitação social e política, Evo Morales exilado, mudança do Órgão Eleitoral, várias decisões importantes em matéria econômica e internacional, novas eleições com novos rostos e, para completar, uma pandemia de dimensões grandiosas.
Com a densidade das notáveis ocorrências num tão curto período de tempo, torna-se, realmente complicado caracterizar o atual cenário eleitoral. Quase nenhum fato ocorrido teve, ainda, tempo suficiente para deixar a própria marca. Uns após outros, foram sobrepondo-se acontecimentos que fazem com que estejamos frente a um momento altamente incerto, uma espécie de “tempo em disputa” repleto de contradições, algumas criativas e outras destrutivas, sem saber qual será o sentido do reordenamento político e eleitoral resultante desta miscelânea boliviana.
A última pesquisa do CELAG (2.000 casos, âmbito rural e urbano), somada a outras quatro realizadas neste último ano, ajudam-nos, em parte, disponibilizando algumas pistas e descobertas para decifrar o complexo quebra-cabeças político-eleitoral boliviano. Aqui estão alguns pontos chave:
- A presidenta Áñez foi destruída por sua própria gestão. Sua imagem positiva decai (26,6%), ao mesmo tempo em que cresce o descontentamento por sua gestão da economia (65%) e da pandemia (60%). A isso é necessário somar a sensação majoritária de que se trata de um governo corrupto. Tudo indica que Áñez está acabada. A grande dúvida é se continuará até o final ou se cairá antes, isso dependerá de como deseje e possa negociar e com quem.
- A população boliviana empobrece sem que ninguém impeça. Em um curto período de tempo, houve uma reclassificação econômica negativa. 38% da população boliviana ficou sem renda e 52% teve sua renda reduzida. Há uma maioria (64%) que considera que as medidas de ajuda econômica do atual Governo foram insuficientes.
- Apesar de tanto vaivém, se mantém uma matriz de sentido progressista: da população, 70% são contra as privatizações dos serviços básicos e setores estratégicos; é apreciado o papel do Estado na economia (74%); deseja-se a ampliação do sistema público de saúde (90%); a grande maioria é a favor de suspender o pagamento da dívida e renegociar (62%), e inclusive deixar de pagá-la e exigir o perdão (21%); e respaldo total a um imposto às grandes fortunas (64%).
- Nem o golpe de Estado, nem a repressão, tampouco a perseguição jurídica e midiática conseguem fazer desaparecer a principal força política do país. Atualmente, o candidato do MAS, Luis Arce, leva 41,9% das intenções de voto, seu principal adversário, Carlos Mesa, fica longe, com 26,8%.
- O voto útil será, mais uma vez, o grande ator na próxima eleição. A que direção se inclinará? A qual candidato irá parar o “evitar um mal maior’’? Tudo depende da direção eleitoral que prevaleça nesta etapa final da campanha. Decerto, com os números em mãos, Arce necessita muito menos para ganhar no primeiro turno do que Mesa para forçar um segundo. Arce ainda poderia chegar a convencer um setor que não tem uma opinião definida sobre ele, também poderia atrair os eleitores do candidato Chi Hyun Chung, por sua proximidade quanto a ideias e propostas. Tem a seu favor o voto útil para que não impere um modelo econômico empobrecedor. No outro lado estará Mesa, que procurará atrair o voto útil para que não ganhe o MAS. Na eleição de outubro do ano passado teve crescimento, porém não o suficiente para forçar um segundo turno, ficou a 10,3 pontos de diferença. Agora pode ocorrer uma situação parecida, com a diferença que há Camacho, o candidato cruceño de extrema-direita, que poderia angariar parte dos votos perdidos de Áñez e que, ademais, é muito mais combativo contra toda proposta que venha do ocidente do país, ainda que venha de Mesa.
Resta pouco tempo de campanha eleitoral. Contudo, dado o ritmo dos acontecimentos no Estado Plurinacional da Bolívia, podemos afirmar que ainda falta muito. Tudo está em aberto. O certo é que a economia, no sentido mais comum do termo, será central, e também é certo que aqueles que foram ativamente ou passivamente responsáveis pelo golpe de Estado não terão nadado tanto para deixar que o MAS volte a ganhar tão facilmente. Tomara que as eleições sejam limpas e sem proscrições de nenhum tipo. Veremos.