Quando os corpos espancados das irmãs Minerva, Patria, María Teresa e do motorista Rufino de la Cruz foram recolocados em um jipe e lançados em um barranco, no dia 25 de novembro de 1960, o regime de Rafael Leónidas Trujillo buscava a solução para um problema incômodo. A ditadura dominicana, porém, assinava ali sua sentença.
Naquela tarde, as irmãs regressavam de uma visita a Manolo Tavárez Justo e Leandro Guzmán, maridos de Minerva e María Teresa, que estavam na prisão de La Victoria, na cidade de Puerto Plata, por serem opositores da ditadura. As três irmãs também já haviam sido presas e torturadas em outros momentos, mas desta vez foram libertadas rapidamente. O ato, que parecia ser um recuo do regime, era um passo premeditado para o assassinato.
Conduzido pelo motorista Rufino de la Cruz, o carro foi interceptado por agentes do Serviço de Inteligência Militar da República Dominicana. As irmãs Mirabal, junto de De La Cruz, foram retiradas do veículo, torturadas e assassinadas. Em seguida, os corpos foram lançados dentro do carro em direção a um barranco, para simular um acidente de trânsito.
Três irmãs contra uma ditadura
O assassinato das irmãs Mirabal foi um ato de violência política contra mulheres que se manifestaram de maneira firme contra a repressão na República Dominicana.
A República Dominicana via-se sufocada pela ditadura de Rafael Leónidas Trujillo, que alcançou o poder em 1930. Oficial destacado do então Corpo Nacional de Polícia, Trujillo utilizou o órgão para pressionar a população e a oposição durante as eleições daquele ano. O órgão, criado durante a primeira ocupação estadunidense no país (1916-1924), voltou a ter o título inicial de Guarda Nacional Dominicana durante a Era Trujillo, quando foi expandido para monopolizar a força no território, com destaque para o investimento na Força Aérea.
A família Mirabal vivia confortavelmente na zona rural do município de Salcedo. Das quatro irmãs, três estavam envolvidas em atividades políticas: Minerva foi uma das primeiras mulheres do país a conseguir se graduar em Direito durante a ditadura, mas não pôde exercer a profissão, sendo retaliada por recusar os assédios diretos de Trujillo, que a conheceu em um evento. Membro fundadora da Agrupação Política 14 de Junio (1J4), foi a primeira irmã a se organizar politicamente. María Teresa, a mais jovem, era graduada em Matemática pela Universidade de Santo Domingo e também militava na agrupação; Patria era datilógrafa e pintora. Também conhecidas como “Las Mariposas”, as três eram casadas com militantes anti-trujillistas e tinham filhos, que foram criados por Bélgica Adela, a Dedé, única irmã sobrevivente e que não participou das atividades políticas. Após o crime, ela dedicou a vida a resgatar a memória das irmãs. Faleceu em 2014, aos 88 anos.
A Agrupação Política 14 de Junio (1J4), posteriormente renomeada como Movimento Revolucionário 14 de Junio, homenageava a ação do Movimiento de Liberación Dominicana, que tentou derrubar a ditadura nessa mesma data, através da luta armada, em 1959. O grupo de exilados saiu de Cuba e desembarcou nos povoados de Constanza, Maimón e Estero Hondo, no noroeste do país. A ação foi derrotada, mas criou um precedente importante na luta contra o regime.
Liderado pelo marido de Minerva, Manolo Tavárez Justo, o 1J4, entusiasmado com a Revolução Cubana que efervescia a poucos quilômetros dali, organizou frentes de guerrilha como reação ao golpe que havia derrubado o presidente eleito Juan Bosch em 1963. Tavárez Justo foi fuzilado nesse ano, na zona montanhosa de Las Manaclas, onde atuava como comandante geral da guerrilha. O movimento chegou ainda a ter um papel importante na Guerra Civil dominicana de 1965, mas foi desarticulado em 1968, debilitado pelas sucessivas mortes dos seus quadros.
Entre outros crimes de Estado conhecidos do período, estão o massacre de haitianos em 1937 nas zonas agrícolas da fronteira com o Haiti, como parte da política racista e anti-haitiana de “dominicanização da fronteira”; o sequestro e assassinato do nacionalista basco Jesús Galíndez, em 1956; e o atentado contra o então presidente da Venezuela, Rómulo Betancourt, em 1960.
O crime contra as irmãs Mirabal e Rufino de la Cruz indignou o país e desatou uma série de protestos, acelerando a queda de Trujillo. Um julgamento foi iniciado em 1962, em um cenário político instável. Foram indiciados agentes dos Serviços de Inteligência Militar, mas a sentença (de 30 anos de prisão para a maioria) nunca foi cumprida. Os assassinos fugiram da prisão em 1965, durante a eclosão da Guerra Civil dominicana. Alguns morreram muitos anos depois, fora do país.
Rafael Leónidas Trujillo foi assassinado em um tiroteio em 30 de maio de 1961, seis meses depois do assassinato das Mirabal, em uma emboscada na estrada. Sugere-se que a ação teve auxílio da CIA: percebendo o evidente enfraquecimento do regime, os EUA temiam que outra revolução popular triunfasse na região caribenha, a exemplo de Cuba. Trujillo nunca foi julgado pelos crimes cometidos.
25 de novembro: Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher
O Primeiro Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, realizado em Bogotá em 1981, propôs marcar o dia 25 de novembro como data para a mobilização internacional pela eliminação da violência contra a mulher, retomando a memória das irmãs Mirabal para articular ações coletivas nessa data.
Em 1993, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração sobre a eliminação da violência contra a mulher e, em 2000, finalmente inseriu o dia 25 de novembro no seu calendário oficial, iniciando a campanha de 16 dias de Ativismo contra a Violência de Gênero.
A criação de datas para mobilizar ações internacionais na agenda feminista é uma estratégia para evidenciar as pautas coletivamente: um outro exemplo é o 28 de setembro, dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe, que foi escolhido no V Encontro, realizado na Argentina em 1990.
A escolha da data é também um esforço para destacar a dimensão política das mobilizações das mulheres, muitas vezes invisibilizada ou diminuída. Minerva, consciente do risco que corria por sua luta, chegou a declarar que “se eles me matam, tirarei os braços da tumba e serei mais forte”. Apesar da impunidade sobre o crime, as irmãs Mirabal deixaram um forte legado político: mostrar que o lugar das mulheres é na linha de frente.