A frase foi reconhecida pela simplicidade, que em verdade só aumentou sua valentia: “trabalhadoras e trabalhadores do Brasil […] mulheres […] homens e mulheres pretos e pretas […] povos indígenas […] pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, intersexo e não-binárias […] pessoas em situação de rua […] pessoas com deficiência, idosas, anistiados, filhos de anistiados, vítimas da violência, da fome, da falta de moradia […] vocês existem, e são valiosas para nós”. O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, não fez menção específica aos entregadores e motoboys, que cortam as cidades do País e põem a própria vida em risco para levar comida – para os outros e para a casa –, quando fez seu discurso de posse no qual, segundo ele mesmo, disse “o óbvio, o óbvio que no entanto foi negado nos últimos quatro anos”. Nem precisava: implícita e explicitamente, em algumas das categorias mencionadas pelo ministro, estes trabalhadores estavam incluídos.
Os entregadores de aplicativo, que trabalham, segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em um regime de semiescravidão, organizam para o próximo dia 25 uma greve que já conta, de acordo com a Aliança dos Entregadores de Aplicativos (AEA), com mobilizações em 15 Estados. Os entregadores reivindicam participação nas discussões sobre a regulação dos aplicativos de entrega, um canal permanente de diálogo com as empresas, melhores condições de trabalho, reajuste das taxas de entrega, apólice de seguro e fim das chamadas entregas duplas e triplas, nas quais o entregador, numa mesma viagem, realiza mais de uma entrega. “A nossa luta é contra as empresas de aplicativo, e o que nós queremos do atual governo é uma porta de diálogo. Mas também não deixa de ser uma cobrança em cima daquilo que o próprio presidente eleito vem falando nas suas campanhas. Agora que ele está exercendo o cargo de chefe de Estado, a gente quer que ele cumpra as promessas”, afirmou à Folha Jr. Freitas, liderança do movimento em São Paulo, que fez questão de pontuar que a greve não é bolsonarista, nem contra o governo Lula.
O anúncio da greve, no entanto, incomodou alguns setores do petismo, que nela viram uma ameaça à estabilidade do governo recém-empossado, indagaram “por que não houve greve dos entregadores quando Bolsonaro governava?” e questionaram se este era o “momento certo” de realizar paralisações.
Na realidade, houve mais de uma greve dos entregadores durante o governo Bolsonaro, que inclusive aconteceram em momentos em que setores e lideranças importantes do PT tentavam desmobilizar os atos contra o presidente (no Grito dos Excluídos em 2021 e 2022, bem como ao longo de toda a campanha “Povo na Rua, Fora Bolsonaro”). O argumento de muitos era o mesmo de agora: aquele não seria o “momento certo” para manifestações. Tendo em vista que agora repetem o enredo, revelam que seu problema não é com o “momento” das manifestações e greves, mas com as greves e manifestações em si.
Não há razão para supor que a greve ameace a estabilidade do governo. Pelo contrário: em um momento em que os jornais já pressionam Lula para que aplique programa similar ao do candidato derrotado, mantendo todo o entulho neoliberal intocado, a greve dos entregadores, sobre quem a pandemia teve peso especial, bem pode servir de contrapeso popular às investidas da direita. E, se o governo Lula manejar bem as pautas dos grevistas, de forma favorável aos trabalhadores, certamente conquistará o apoio de ao menos parte das centenas de milhares de entregadores brasileiros.
A greve portanto não só é justa e vem em momento certo – logo no início do governo –, do ponto de vista dos trabalhadores de aplicativo. É também uma oportunidade para que o governo Lula transmita um recado óbvio: “entregadores, vocês existem e são valiosos para nós”.