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A armadilha da dívida do FMI na Ucrânia

Há anos o FMI pressiona a Ucrânia no sentido da austeridade neoliberal. O Euromaidan, em 2014, e o início da guerra com a Rússia têm servido a esse propósito.
Há anos o FMI pressiona a Ucrânia no sentido da austeridade neoliberal. O Euromaidan, em 2014, e o início da guerra com a Rússia têm servido a esse propósito. Por Amanda Yee | Liberation News – Tradução por Vinícius Provazzi para a Revista Opera
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, faz pronunciamento durante a Segunda Mesa Redonda Ministerial de Apoio à Ucrânia, realizada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em outubro de 2022. (Foto: Ian Samuel Foulk / Banco Mundial)

Com bilhões de dólares em dívidas pendentes, a Ucrânia é um dos principais tomadores de empréstimo do Fundo Monetário Internacional. Além disso, estima-se que em 2023 o governo ucraniano irá dever ao FMI mais 360 milhões de dólares em sobretaxas. Embora a Ucrânia, após o colapso da União Soviética, tenha adotado uma economia de mercado com algum nível de intervenção governamental, a neoliberalização impulsionada pelo FMI se intensificou após o golpe do Euromaidan, apoiado pelos Estados Unidos, em 2014. Este processo se expandiu ainda mais agressivamente após a invasão russa. O objetivo dos empréstimos do FMI à Ucrânia — assim como com todos os países mutuários — é forçar o Estado a implementar políticas de ajuste estrutural e medidas de austeridade, como o desmantelamento das leis trabalhistas e comerciais ou o corte em programas sociais e gastos governamentais, para atrair e abrir o país ao investimento estrangeiro.

O papel de instituições multilaterais como o FMI é um fator importante, porém pouco discutido, a impulsionar o apoio da classe capitalista norte-americana à guerra na Ucrânia. Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, a influência do FMI sobre o país só aumentou. Agora completamente envolvido em uma guerra, o governo ucraniano tem ainda menos margem de manobra para rejeitar ou negociar as políticas de ajuste estrutural e as reformas econômicas exigidas pelo fundo. Desta forma, assim como em todos os países tomadores de empréstimo, o FMI serve de instrumento imperialista do capital ocidental na Ucrânia, que usa a guerra como pretexto para acelerar a “terapia de choque” econômica e a penetração no país por Wall Street e outros setores de investimentos estrangeiros, para que possam adquirir todos os ativos enquanto o país é destruído pela guerra.

Colapso pós-soviético e o caminho até o Maidan

Um dos piores casos em meio ao colapso pós-soviético, a Ucrânia sofreu a segunda maior queda na renda per capita de todas as ex-repúblicas socialistas soviéticas; uma redução de 60% de 1990 a 1997. À luz dessa devastação econômica, o país recorreu repetidamente aos pacotes de ajuda do FMI para sustentar sua economia em dificuldades: o fundo emprestou 3,5 bilhões de dólares ao governo da Ucrânia após a dissolução da União Soviética, outros 2,2 bilhões de dólares em 1998 (montante posteriormente aumentado), mais 600 milhões de dólares em 2004, e ainda outros 16,4 bilhões de dólares em 2008.

O FMI há muito tempo se interessa em abrir a Ucrânia, o país mais pobre da Europa, aos interesses corporativos ocidentais – particularmente seu setor agrícola. Conhecida como o “celeiro da Europa”, a Ucrânia, lar de solo fértil e negro ideal para a produção de grandes volumes de grãos, é o quarto maior exportador de milho e o quinto maior exportador de trigo do mundo. É sob esse olhar, da Ucrânia como um local para investimentos para o agronegócio, que credores como o FMI e o Banco Mundial exigem a implementação de reformas econômicas que favoreçam as corporações ocidentais – como cortes nos serviços sociais, redução de impostos corporativos e eliminação de leis trabalhistas e regulamentações ambientais – como requisitos para seus pacotes de ajuda.

De fato, o Banco Mundial forneceu à Ucrânia um empréstimo de 89 milhões de dólares como parte de seu “Projeto de Titulação e Desenvolvimento de Terras Rurais na Ucrânia”, concluído em 2013 — uma iniciativa que buscava “privatizar terras estatais e empresas agrícolas comunais, alocar lotes de terra, emitir escrituras para proprietários de lotes de terra e estabelecer um cadastro eletrônico de terras.”.

Em 2010, o FMI forneceria outro pacote de ajuda de 15 bilhões de dólares, condicionado ao encerramento dos subsídios ao gás, bem como à implementação de reformas tributárias e previdenciárias. No entanto, o empréstimo foi suspenso depois que o então presidente Viktor Yanukovych vetou algumas dessas medidas de austeridade. No ano seguinte, em 2011, o mesmo pacote de ajuda foi paralisado mais uma vez, depois do governo de Yanukovych falhar na aprovação de um projeto de lei de reforma previdenciária que visava reduzir os gastos públicos aumentando a idade de aposentadoria para mulheres, de 55 para 60 anos. Embora o Parlamento tenha conseguido aprovar esse projeto de lei extremamente impopular alguns meses depois, descongelando o empréstimo, a relutância e os atrasos de Yanukovych na aprovação das medidas de austeridade necessárias teriam consequências terríveis para seu governo.

O momento decisivo da atual crise na Ucrânia ocorreu no final de 2013, quando Yanukovych deveria assinar um acordo comercial com a União Europeia que estava vinculado a um empréstimo do FMI de 17 bilhões de dólares. A Ucrânia estava prestes a entrar num calote, e o acordo a teria integrado mais plenamente à esfera econômica ocidental. No entanto, o presidente russo, Vladimir Putin, interveio e ofereceu um pacote de ajuda mais atraente na forma de um empréstimo de 15 bilhões de dólares, mais um desconto de 33% na compra de gás natural russo. Pouco depois de Yanukovych assinar o acordo com Putin, ele foi deposto no golpe do Maidan, apoiado pelos EUA, em 2014, fugindo do país rumo ao exílio.

Pós-2014: as consequências do Maidan e intensificação da neoliberalização

Desde 2014, as instituições financeiras internacionais aproveitaram a oportunidade para intensificar ainda mais a neoliberalização na Ucrânia. Imediatamente após o golpe, o recém-instalado (pelos Estados Unidos) primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk, assinou o acordo comercial com a União Europeia e retomou as negociações com o FMI. Em troca do empréstimo de 17 bilhões de dólares, a instituição obrigou o governo ucraniano a fazer uma reforma nos subsídios nos preços do gás natural. Como resultado, os cidadãos ucranianos viram um aumento de 50% nos preços do gás natural. Outras reformas exigidas como condições para o empréstimo incluíram o aumento dos impostos sobre propriedade, o congelamento do salário mínimo e o corte dos salários dos funcionários públicos.

O Banco Mundial também anunciou, após o golpe, um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares para a Ucrânia, cujas condições incluíam a redução do fornecimento público de energia elétrica e água e a estipulação de que o governo deveria “remover as restrições que impedem a concorrência, ao limitar o papel do ‘controle’ estatal nas atividades econômicas”.

Em agosto de 2014, Yatsenyuk – um ex-executivo do setor bancário – apresentou um projeto de lei para reduzir impostos sobre empresas e anunciou planos para a privatização de todas as companhias estatais não essenciais. No ano seguinte, em julho de 2015, no primeiro Fórum Empresarial EUA-Ucrânia, o primeiro-ministro praticamente implorou aos participantes da conferência: “Pedimos às empresas norte-americanas que participem de uma privatização em larga escala de empresas estatais ucranianas… Nós temos interesses semelhantes, e com certeza teremos sucesso nisso. Então, por favor, considerem a ideia de investir na Ucrânia e participar das privatizações.”

Em mais um passo para atrair investimentos ao agronegócio de produtores de sementes como a Monsanto e a DuPont, o acordo comercial com a União Europeia também abriu o setor agrícola da Ucrânia para o uso de biotecnologias, apesar do país proibir o uso de organismos geneticamente modificados (OGMs) desde 2007.

Seis anos depois, em 2020, o FMI forçou a Ucrânia a abrir seu mercado de terras, suspendendo uma proibição de 19 anos à venda de terras agrícolas, como condição para outro empréstimo de 8 bilhões de dólares. Este movimento foi mais um passo em direção à venda da Ucrânia ao agronegócio ocidental, o que iria “consolidar ainda mais a concentração de terras e intensificar a agricultura industrial em grande escala no ‘celeiro da Europa’ às custas dos agricultores ucranianos”.

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Um relatório do FMI de 2017 revelou, em suas próprias palavras, os planos de “acelerar as reformas” na Ucrânia – ou seja, de intensificar a terapia de choque na economia, continuar a privatização de empresas estatais e manter os ataques aos programas sociais, pensões e aos gastos públicos.

“Para acelerar o crescimento que permitirá à Ucrânia recuperar o atraso, o governo deve enfrentar os seguintes desafios: empresas estatais ineficientes ainda respondem por uma grande parcela da economia, sufocando o crescimento e constituindo um grande peso para as finanças públicas; o mercado de terras agrícolas permanece subdesenvolvido devido a uma moratória na venda de terras, limitando a expansão deste setor-chave e deixando a população rural empobrecida; com uma população envelhecida e generosas opções de aposentadoria antecipada, poucos trabalhadores têm de financiar muitos aposentados, comprometendo a estabilidade do sistema previdenciário e obrigando com que as aposentadorias sejam baixas; um sistema judicial fraco, corrupção desenfreada, fortes influências de oligarcas e regulamentação excessiva, que afastam o investimento estrangeiro.”

A chamada “Revolução da Dignidade” foi na verdade uma operação de mudança de regime liderada pelos Estados Unidos, que deu início a um ataque total e desenfreado do FMI ao Estado de bem-estar social da Ucrânia.

Pós-2014: medidas “anticorrupção”

Na sequência do Maidan, os Estados Unidos, a União Europeia, o FMI e seus aliados lançaram uma campanha de “anticorrupção” na Ucrânia. Em março de 2014, o governo da Ucrânia, o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Associação Empresarial Europeia e a Câmara Americana de Comércio na Ucrânia, entre outros, assinaram o Memorando de Entendimento para a Iniciativa Anticorrupção Ucraniana. Com o intuito de “combater a corrupção”, as partes signatárias concordaram em “garantir que os mercados [da Ucrânia] sejam abertos e eficientes”. O memorando ainda “reconhece a importância da contribuição coletiva das IFIs [instituições financeiras internacionais] para o desenvolvimento da Ucrânia. Agindo em conjunto, as IFIs apoiam as empresas locais, ajudam a atrair investimentos estrangeiros e contribuem para melhorias no clima de investimento.”

A pedido do FMI e com o apoio da Open Society Foundations e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o Departamento Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU) foi estabelecido após os acontecimentos do Maidan. A NABU é uma agência estatal cujo objetivo é investigar casos de “corrupção” da “oligarquia” doméstica. A fundação desta agência foi uma condição estabelecida pelo FMI e pela Comissão Europeia para que as restrições de vistos entre a Ucrânia e a União Europeia (EU) fossem relaxadas. Em um artigo para o think tank neoliberal Atlantic Council, o economista Anders Åslund explicou a necessidade ostensiva de um órgão como a NABU:

“O pecado original pós-soviético da Ucrânia é que o governo quer controlar os promotores, tribunais e serviços de segurança do país, para que possa, por sua vez, controlar o setor privado. As tentações são óbvias. Assim que você alcança um alto cargo, pode começar a discutir com os líderes empresariais sobre como pode ajudá-los, e como pode ajudar a nação. Não há necessidade de emitir quaisquer ameaças. Você pode apenas declarar sua prontidão para ajudar. Este continua sendo o problema fundamental com o governo ucraniano. A antiga lei telefônica soviética prevalece, mesmo que as chamadas agora tenham mudado de telefones fixos para os canais Telegram ou Signal. Alguns altos funcionários dizem ao pequeno círculo de ricos empresários que dominam a economia ucraniana que é melhor cooperar. Todos entendem que essa cooperação envolve a oferta de grandes somas de dinheiro. O resto é questão de meros detalhes.”

Em outras palavras, em nome da prevenção contra a “oligarquia” corrupta da Ucrânia, órgãos anticorrupção como a NABU, na prática, trabalham para eliminar a intervenção do Estado e encher os bolsos de corporações estrangeiras. A corrupção endêmica entre a elite empresarial na Ucrânia não é ficção, mas o esforço para supostamente reprimi-la é realmente motivado pelo desejo do capital estrangeiro de superar seus concorrentes.

 Leia também – O Ocidente precisa parar de bloquear as negociações entre Rússia e Ucrânia 

Por exemplo, uma das iniciativas da NABU, com o apoio da USAID e da Open Society Foundations, foi o Prozorro, uma plataforma digital de compras públicas, pela qual todas as compras do Estado ucraniano – incluindo de todo o equipamento militar – devem passar. Na plataforma, representantes de empresas competem para se tornarem fornecedores estatais assim que as licitações estatais para a compra de bens e serviços são anunciadas – quase garantindo que todas as compras venham de produtores estrangeiros. De acordo com os apoiadores da NABU e do Prozorro, o uso de licitações estatais para compra de bens domésticos apresenta um risco maior de beneficiar a oligarquia corrupta da Ucrânia. Como resultado, cerca de 40% das compras do Estado ucraniano são feitas com fornecedores estrangeiros, enquanto que, nos Estados Unidos e no Reino Unido, as compras estrangeiras representam 5% e 8%, respectivamente. Quando o governo ucraniano tentou aprovar uma legislação em 2020 para exigir que mais compras estatais viessem de produtores domésticos, para o bem da economia local do país, os departamentos anticorrupção, juntamente com os Estados Unidos e a Europa, intervieram imediatamente, rejeitando a medida. Esses escritórios controlados pelos EUA e pela União Europeia garantem que empresas estrangeiras “transparentes” tenham privilégios sobre empresas domésticas “corruptas”.

Em 2021, como condição para receber um empréstimo de 5 bilhões de dólares do FMI, o governo da Ucrânia foi forçado a aprovar uma legislação para “fortalecer a independência” da NABU. A nova lei criaria “uma comissão composta por três delegados do governo e três outros indicados por doadores internacionais, para selecionar dois candidatos para chefiar a NABU”. O governo seria então obrigado a selecionar um dos nomeados, e impedido de interferir no trabalho da NABU ou de anular qualquer uma de suas decisões finais. Isso faz parte do projeto do FMI/UE de exigir o controle total desses órgãos anticorrupção como condição para a integração na União Europeia, a fim de abrir a Ucrânia irrestritamente ao capital ocidental.

Essa campanha contra a “corrupção” é apenas uma cortina de fumaça para que os Estados Unidos, União Europeia, FMI e outras instituições financeiras internacionais aumentem a penetração de capital estrangeiro na Ucrânia.

De 2022 ao presente: invasão russa e planos pós-guerra

A guerra com a Rússia está deixando a Ucrânia ainda mais endividada com o FMI e outros credores. Desde a invasão russa, o FMI desembolsou 2,7 bilhões de dólares em ajuda de emergência e recursos para o país, e prevê que, em 2023, a Ucrânia precisará de 3 a 4 bilhões de dólares de empréstimos por mês. Soma-se isso aos bilhões de dólares devidos a outras instituições, como o Banco Mundial, o Banco Europeu de Investimentos, fundos de cobertura (hedge funds) e outros credores privados. E, por causa dessa armadilha da dívida em que a Ucrânia está enredada, o país estará menos capaz de recusar as exigências neoliberais e de austeridade dessas instituições financeiras internacionais. Embora nacionalizar as suas principais indústrias de produção para impulsionar a economia doméstica seja uma prática comum  de países em estado de guerra, a invasão russa apenas acelerou a privatização liderada pelo FMI e a venda de ativos da Ucrânia para corporações estrangeiras. Além disso, a guerra está destruindo o país e criando grandes oportunidades de negócios para investidores estrangeiros interessados ​​em projetos de reconstrução e redesenvolvimento, com valores estimados que vão de 220 bilhões até 540 bilhões de dólares, segundo o Centre for Economic Policy Research (CEPR).

Para atrair investimentos estrangeiros, o governo de Zelensky, apoiado pelos EUA, intensificou seu ataque total às leis trabalhistas pró-trabalhadores na Ucrânia desde o começo da invasão russa. Em março de 2022, Zelensky aprovou uma legislação de emergência para tempos de guerra que concede aos empregadores o direito de suspender salários e acordos coletivos de trabalho, além de restringir a capacidade dos sindicatos de representar seus membros. Alguns meses depois, em agosto, Zelensky sancionou uma nova legislação que desmantelou o direito de 73% dos trabalhadores de se sindicalizar e de negociar coletivamente. Este foi apenas o mais recente ataque aos trabalhadores: ao longo dos anos, o governo Zelensky introduziu reformas para enfraquecer os direitos dos trabalhadores e dos sindicatos, que incluíram a redução de salários, ataques a sindicatos e restrição de contratos de trabalho que garantiam estabilidade empregatícia.

No início de julho de 2022, altos funcionários dos Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, União Europeia e Grã-Bretanha – bem como representantes do Banco Europeu de Investimento, Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento – reuniram-se em Lugano, Suíça, para uma “Conferência de Recuperação da Ucrânia”. Lá eles discutiram planos de reconstrução para a Ucrânia do pós-guerra. Os representantes revelaram um Plano de Recuperação Nacional que buscava reconstruir a Ucrânia do pós-guerra como um “ímã para investimentos internacionais”, integrando-a totalmente à União Europeia, “finalizando sistemas anticorrupção” como a NABU e privatizando ainda mais “empresas não críticas”, incluindo o que restou das empresas estatais da Ucrânia. Para nutrir esse ambiente pró-negócios, o plano pedia ao governo ucraniano que reduzisse os impostos sobre as empresas e reformasse parte de sua “legislação trabalhista desatualizada”.

Em 6 de setembro de 2022, Zelensky inaugurou na Bolsa de Valores de Nova Iorque o projeto “Advantage Ukraine”, apoiado pela USAID. Trata-se de uma plataforma que convida investimentos estrangeiros em mais de 500 projetos no valor de 400 bilhões de dólares, em setores como defesa, indústria farmacêutica, inovações e tecnologias, manufatura industrial, entre outros. Em um editorial publicado no Wall Street Journal no dia anterior, Zelensky implorou às empresas estrangeiras que “investissem no futuro da Ucrânia”, garantindo aos potenciais investidores que seu governo estava “reformando o sistema tributário do país e estabelecendo uma nova e robusta estrutura legal”.

 Leia também – Entre as bombas e os patrões: como está a classe trabalhadora na Ucrânia? 

“[A Ucrânia] já adotou regras e leis para permitir que as empresas construam estruturas corporativas transparentes, atraiam investimentos estrangeiros com mais facilidade e usem mecanismos adicionais para proteger ativos intangíveis”, garantiu Zelensky. “As condições favoráveis ​​nos permitirão estabelecer a Ucrânia como um poderoso centro de TI [tecnologia da informação], e implementar ideias de negócios inovadoras de forma rápida e eficaz.” 

Mais recentemente, em 23 de janeiro de 2023, Zelensky discursou para a Associação Nacional das Câmaras Estaduais dos EUA, convidando o investimento estrangeiro das corporações de Wall Street para reconstruir o país após a guerra. “Já está claro que este será o maior projeto econômico de nosso tempo na Europa”, declarou Zelensky. “É óbvio que os negócios norte-americanos podem se tornar a locomotiva que mais uma vez impulsionará o crescimento econômico global.” Ele então agradece às empresas de investimentos BlackRock, Goldman Sachs e J.P. Morgan, que já se comprometeram a reconstruir a Ucrânia. “E todos podem crescer trabalhando com a Ucrânia. Em todos os setores – de armas e defesa à construção, das comunicações à agricultura, dos transportes à TI, dos bancos à medicina. Convido vocês a trabalharem conosco agora mesmo”, continuou Zelensky.

O FMI, por meio da imposição de suas políticas de ajuste estrutural e reformas econômicas neoliberais, e com a ajuda de regimes fantoches aliados dos EUA, abriu a porta e preparou o caminho para as corporações ocidentais comprarem até o último ativo da Ucrânia.

O que o FMI não conseguiu concluir na Ucrânia logo após a dissolução da União Soviética, espera conseguir agora com as políticas de terapia de choque pós-2014. Como um instrumento dos interesses financeiros imperialistas ocidentais, o FMI está determinado em garantir que o povo da Ucrânia sofra com a austeridade, pobreza, precariedade e, agora, com uma guerra prolongada, para que a classe capitalista dos EUA possa saquear seu país, extrair tudo o que puder e encher seus bolsos em decorrência da devastação.

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