El Salvador, um país até então ignorado por grande parte do ecossistema de mídia de língua espanhola, agora está na moda. YouTubers viajam para lá, narram a aparente segurança de suas ruas e até mesmo entrevistam o presidente; ao mesmo tempo, os jornais e as estações de televisão dos principais conglomerados de mídia dedicam sua cobertura aos seus processos eleitorais, em contraste gritante com a cobertura limitada que forneciam quando o ARENA e a FMLN estavam competindo pela presidência nacional. De fato, essa dinâmica estava de acordo com a influência relativamente pequena que El Salvador tinha até então, não apenas no mundo, mas até mesmo na própria região da América Central. Com uma população menor do que a da Catalunha, o país era conhecido apenas por uma coisa: sua insegurança. Mas por que se fala tanto dele hoje em dia? E o que aconteceu com essa insegurança?
Domínio total
Nas eleições presidenciais de 4 de fevereiro de 2024, Nayib Bukele obteve uma reeleição escandalosa: quase 85% dos eleitores salvadorenhos que foram às urnas (52% do eleitorado) o apoiaram. O clima era tão avassalador, mesmo semanas antes das eleições, que Bukele confirmou sua própria vitória antes que o Supremo Tribunal Eleitoral o fizesse, ilustrando a relação tensa que ele tem com as instituições democráticas. De qualquer forma, o apoio popular ao presidente foi evidenciado pelas eleições para a Assembleia Nacional, nas quais o partido de Bukele, o Nuevas Ideas, conquistou 54 das 60 cadeiras da câmara legislativa, além de outras três conquistadas por dois partidos aliados ao partido governista. Algumas semanas depois, o Nuevas Ideas caiu para menos de 50% nas eleições municipais, confirmando que o apoio a Bukele é eminentemente personalista e não tanto um apoio “orgânico” ao partido.
O fato de Nayib Bukele ter “concorrido” à reeleição é, por si só, controverso. A constituição de El Salvador não aceita a reeleição consecutiva, portanto, o líder do Nuevas Ideas teve de executar um complexo esquema institucional para reverter esse impedimento. Depois de obter a maioria legislativa em 2021, ele implementou mudanças severas na Câmara Constitucional e na Procuradoria Geral da República, fazendo com que ambos os órgãos atendessem a seus interesses. Em 2022, essa manobra foi decisiva: a mesma Câmara Constitucional declarou, em uma interpretação particular da Constituição, que Bukele poderia buscar a reeleição imediata, desde que renunciasse seis meses antes da renovação do mandato, uma medida que ele oficializou em 1º de dezembro de 2023.
Ao mesmo tempo, as modificações que o governo Bukele promoveu no poder legislativo consolidaram ainda mais o domínio do presidente sobre a institucionalidade salvadorenha. Ao aprovar a redução de assentos na Assembleia Nacional para 60 e a aplicação da fórmula D’Hondt, o apoio ao Nuevas Ideas (70% nas eleições legislativas) foi ampliado. O parlamento nacional está longe de poder exercer um contrapeso real ao Executivo, em parte porque o novo sistema eleitoral deixou de fora a terceira força mais votada, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), o bloco histórico da esquerda salvadorenha. Assim, depois de suas nomeações para o Judiciário e graças a um desempenho favorável nas eleições legislativas, Nayib Bukele deu a si mesmo uma presidência com quase nenhum contrapeso. Depois de vencer as eleições presidenciais, ele continuará no comando do Poder Executivo; de forma delegada, graças às suas demissões e nomeações, ele controlará o Judiciário; e por meio de seu partido, que é, na prática, um bloco eminentemente personalista, sem facções notáveis ou lutas pela liderança, ele dominará o Poder Legislativo.
O “método” Bukele
Durante vários anos, a vida pública em El Salvador foi marcada por uma palavra praticamente desconhecida do público europeu: mara. Esse conceito se refere às gangues que parasitaram o território salvadorenho e sobrecarregaram as capacidades de repressão e inteligência de um Estado prejudicado por décadas de desinvestimento e pobreza estrutural. A Mara Salvatrucha e a Barrio 18, ambas originárias de Los Angeles, chegaram em massa ao país durante a década de 1990 como resultado de inúmeras deportações realizadas pelo governo dos EUA. Treinadas na “arte” do crime organizado, essas gangues espalharam seus tentáculos por todo o país sem que nenhum Executivo nacional pudesse controlá-las.
Nayib Bukele apresentou seu “método” e o executou durante seu mandato, deixando para trás a ambivalência entre a “mão de ferro” e as negociações características das administrações anteriores, conforme definido por José Ignacio Montero. Por meio de seu agora banal “Plano de Controle Territorial”, que consiste em sete estágios: 1. preparação; 2. oportunidade; 3. modernização; 4. incursão; 5. extração; 6. integração; e 7. uma fase ainda indefinida, Bukele prometeu uma “mão de ferro” e o fim do domínio das mara. E, aparentemente, ele foi bem-sucedido. De acordo com Bukele, El Salvador é agora “o país mais seguro da América Latina”, uma opinião compartilhada, em maior ou menor grau, por vários analistas e jornalistas que viajaram ao país desde a implementação das medidas repressivas.
Entretanto, o “método” Bukele apresenta inúmeras contradições. O punitivismo e a aleatoriedade de algumas prisões geraram acusações contra o governo salvadorenho, que não escondeu os maus-tratos aos prisioneiros ou a natureza arbitrária de algumas prisões, como foi reconhecido quando libertou 7 mil pessoas inocentes que haviam sido presas. Além dos planos de reinserção prometidos para alguns prisioneiros, na prática o Estado salvadorenho tem usado a fome dos detentos como uma arma em sua “guerra” contra as gangues: “há rumores de que eles querem começar a se vingar de pessoas honestas aleatoriamente; se fizerem isso, não haverá nem comida nas prisões por um tempo. Vamos ver quanto tempo seus amigos duram lá dentro. Juro por Deus, eles não comerão nem um arroz e vamos ver quanto tempo duram. Se vocês desencadearem uma onda de crimes, nós tiraremos a comida das prisões”, se dirigiu ele aos líderes de gangues em 2022. De fato, El Salvador é agora um país muito mais seguro para grande parte da população, mas não para as famílias dos detentos (sejam eles de fato membros de gangues ou não).
Comunicação e influência
De maneira complementar, o “método” tem muito a ver com a comunicação de Bukele. A “mão de ferro” contra as gangues e o crime organizado já foi aplicada anteriormente em várias experiências governamentais na América Latina, com maior ou menor sucesso. O que realmente diferencia Bukele de outros governos repressivos do continente é seu uso asfixiante da propaganda em redes, e é a combinação dessas duas lógicas – punitivismo e propaganda intensiva – que define o “Bukele-ismo”. Bukele transformou a comunicação em rede da direita radical. Seus discursos supostamente simples e o uso de formatos verticais oferecidos por plataformas como Youtube, Tiktok ou Instagram não só foram decisivos em seus sucessos eleitorais, mas também influenciaram muito outros atores da extrema direita regional, como Javier Milei. Além disso, o presidente tem se saído particularmente bem em palestras públicas, como nas Nações Unidas. Sua campanha eleitoral é tão permanente que ele transformou sua nova prisão, o Centro de Confinamento de Terrorismo (CECOT), em um centro turístico, convidando a ela criadores de conteúdo em espanhol, como Luisito Comunica e Lethal Crysis.
Nessa nova etapa que o presidente Bukele tem pela frente (com mandato e camiinho livre até 2029), ele enfrenta três prioridades: primeiro, a consolidação de seu modelo repressivo e a prevenção do “efeito rebote”; segundo, a melhoria dos padrões sociais e econômicos para as classes média e trabalhadora de El Salvador; e terceiro, a expansão de sua influência regional e continental. Nesse último campo, ele já tomou algumas medidas. Após a grave crise política e de segurança no Haiti e o consequente estado de emergência declarado no país caribenho, Bukele ofereceu-se para “consertar” a situação se lhe fosse dada a permissão e os recursos econômicos para isso. Essa diplomacia colocada em prática pelo presidente salvadorenho, baseada na especialização de seu mandato e na oferta de uma “exportação” adaptada de seu modelo de segurança, poderia lhe dar maior peso na América Central e na América Latina como um todo. Além disso, a ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, fez referência a Bukele e prometeu seguir seus passos para enfrentar a crise do crime organizado na cidade de Rosário.
Bukele está ganhando terreno na América Central contra lideranças ainda frágeis, como a de Arévalo (Guatemala) ou Xiomara Castro (Honduras), e presidências que estão terminando, como a de Laurentino Cortizo, do Panamá. O foco especial de sua presidência na segurança o consolidou como um dos líderes políticos mais bem avaliados na América Latina e até mesmo no bloco global da direita radical. De fato, sua recente participação na conferência da extrema-direita norte-americana CPAC confirmou uma tendência: com um Milei caótico e um Abascal desbotado, Bukele ganhou destaque apesar da pequenez de seu país. Seu governo se expandirá e ele poderá executar seu plano sem balanços e contrapesos, enquanto continua a expandir sua influência internacional. Em conclusão, a propaganda de Nayib Bukele, que é um fator determinante em seu “modelo”, incentiva a retórica punitivista e possibilita discursos antidemocráticos que se consolidam à medida que a percepção de insegurança se enraíza.
(*) Tradução de Raul Chiliani.