Desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva em fevereiro para impor uma tarifa de 10% sobre todas as importações, o mundo tem testemunhado uma confusa série de tarifas unilaterais impostas a aliados e adversários dos EUA. No autodeclarado “Dia da Libertação”, em 2 de abril de 2025, Trump lançou uma série de tarifas “recíprocas” sobre 57 países, com a China dentre os mais atingidos por uma tarifa adicional de 34%. Uma semana depois, Trump anunciou em uma publicação na rede social Truth Social um adiamento de 90 dias das tarifas sobre os países que “sob minha forte sugestão, não retaliaram de forma alguma”, enquanto as tarifas sobre os produtos chineses subiram para 125%. A tarifa sobre a China foi então aumentada para 145% em 10 de abril de 2025.
Esses acontecimentos representam a escalada mais radical da guerra comercial dos EUA contra a China até o momento e injetaram uma instabilidade significativa no cenário político e econômico global. As justificativas por trás dos aumentos das tarifas se baseiam em vários motivos, incluindo as supostas práticas comerciais injustas da China e o não cumprimento dos compromissos assumidos em um acordo de compra de produtos dos EUA, bem como um esforço para “ equilibrar as relações” entre os países. São argumentos que encobrem a estratégia mais ampla dos Estados Unidos, que visa conter a ascensão da China como ator geopolítico e econômico. As medidas comerciais também ocorrem em meio aos objetivos mais amplos de Trump de reduzir os déficits comerciais, revitalizar a manufatura doméstica, enfrentar práticas comerciais consideradas injustas, aumentar a segurança nacional e gerar receita. Ainda não se sabe como as amplas ondas de tarifas atingirão esses objetivos na prática.
A China “não ficará de braços cruzados”
A China respondeu com rapidez e determinação à onda de tarifas, anunciando a imposição de uma tarifa simétrica de 34% sobre quase todos os produtos norte-americanos. Essas medidas retaliatórias representam uma escalada significativa da China em relação ao início da guerra comercial de Trump em 2018 e 2019, quando a China havia aumentado gradualmente as tarifas sobre cerca de 110 bilhões de dólares em mercadorias dos EUA. Agora, praticamente todas as categorias de mercadorias dos EUA – agricultura, energia, produtos manufaturados e bens de consumo – enfrentam impostos de importação adicionais na fronteira chinesa. A China concentrou sua resposta em alguns dos setores sensíveis do comércio bilateral, com tarifas pesadas sobre soja, grãos e carne para reduzir a dependência da China dos produtos agrícolas dos EUA. Pequim também aumentou as tarifas sobre automóveis e autopeças fabricadas nos EUA. Da mesma forma, maquinário, produtos químicos, aeronaves e outros produtos manufaturados de alto valor estão na lista de tarifas da China. Além das tarifas, a China também introduziu uma série de outras medidas, desde a renovação das investigações sobre propriedade intelectual das empresas norte-americanas que operam no mercado chinês, novas restrições aos lançamentos de filmes de Hollywood e a suspensão da cooperação na regulamentação do fentanil.
Em seu discurso oficial, Pequim se manteve firme ao indicar que tem “meios abundantes” para retaliar e que “não ficará de braços cruzados” se seus interesses forem prejudicados. O país tem enfatizado constantemente a necessidade de se opor à coerção econômica e proteger a soberania nacional. A China tem sido cada vez mais colocada em uma posição de defender as próprias normas internacionais e estruturas multilaterais que os EUA construíram em seu próprio favor. Isso é evidenciado pela queixa apresentada pela China à Organização Mundial do Comércio, argumentando que as “tarifas recíprocas” dos EUA violam o sistema de comércio internacional.
Patriotismo não é só um sentimento, é uma ação
Internamente, a guerra comercial gerou ampla atenção do público chinês, inclusive nas plataformas de mídia social da China. De 4 a 11 de abril, a hashtag “As contramedidas da China estão aqui” acumulou mais de 180 milhões de postagens na plataforma Weibo em menos de uma semana. As plataformas de mídia social chinesas, como Weibo, Xiaohongshu e Zhihu, ficaram repletas de expressões patrióticas de apoio à forte postura do governo, representadas por publicações como “Patriotismo não é apenas um sentimento – é uma ação”. Enquanto isso, o aumento do preço dos produtos importados também motivou os consumidores chineses a optarem por alternativas domésticas, com um usuário escrevendo: “Quem precisa do Starbucks quando temos o Luckin Coffee? Por que comprar um iPhone quando você pode comprar um Huawei? Esqueça a Tesla, opte pela BYD”. Outros expressaram ceticismo quanto à eficácia das tarifas dos EUA na proteção de sua economia e dos interesses de seu povo, e demonstraram confiança de que a China pode resistir a essas escaladas. Fazendo eco a essa opinião, um usuário escreveu: “Parabéns aos EUA por receberem uma tarifa de 34% sobre todos os seus produtos! Felizmente, pouquíssimas coisas que os chineses comuns comem ou usam vêm dos EUA”. A cada escalada dos EUA, as vozes que inicialmente clamavam por negociações também vão dando lugar à unidade esmagadora entre o povo chinês que as tarifas provocaram.
Embora os EUA sejam um importante parceiro comercial, não são o único parceiro comercial da China. Aprendendo com a guerra comercial iniciada durante o período do primeiro mandato de Trump, a China tem fortalecido constantemente sua produção e consumo domésticos e diversificado seu comércio nos últimos anos, estratégias que estão começando a dar resultados. As exportações chinesas para os EUA em 2023 constituíram cerca de 2,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB), caindo dos 3,5% há apenas cinco anos. O valor combinado das exportações e importações entre a China e os EUA é de cerca de 688,3 bilhões de dólares em 2024, representando cerca de 3,7% do PIB da China, o que, embora significativo, não é decisivo para a economia chinesa. Enquanto isso, os países da Iniciativa do Cinturão e Rota foram responsáveis por 50% do comércio exterior total da China em 2024, em comparação com 44% em 2021. O comércio dentro da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), que inclui os membros da ASEAN, Japão e Coreia do Sul, além de outros, representa 30% do comércio total da China, crescendo 6,3% de 2021 a 2023.
Apesar desses ganhos, ainda há desafios estruturais. Os setores de alta tecnologia ainda dependem de cadeias de suprimentos alinhadas aos EUA para componentes essenciais, incluindo semicondutores avançados e software especializado. Enquanto isso, os influxos de investimento estrangeiro direto mostraram sinais de desaceleração em meio a tensões geopolíticas e preocupações com o risco regulatório.
O Sul Global em um cenário de incertezas
As medidas comerciais de Trump não se limitaram à China. Países da Ásia e da América Latina, incluindo Vietnã, Camboja, México e Brasil, também sofreram tarifas mais altas sobre mercadorias que vão de produtos têxteis a aço, passando pelos produtos agrícolas. As economias menores podem ter menos meios e disposição política para retaliar essas medidas unilaterais punitivas, especialmente diante das táticas de mão forte do governo Trump, que o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, resumiu assim: “Não retalie e você será recompensado”. Nesse contexto, as estruturas de cooperação Sul-Sul estão recebendo mais atenção, juntamente com pedidos renovados para fortalecer o comércio no âmbito do BRICS, do RCEP e de outras plataformas multilaterais.
A trajetória da guerra comercial continua incerta. Por um lado, o governo Trump parece comprometido com uma estratégia agressiva de dissociação econômica, independentemente dos custos para as cadeias de suprimentos globais. Por outro lado, é provável que a China redobre o fortalecimento econômico interno e continue estabelecendo laços com parceiros comerciais fora da órbita dos EUA, priorizando especialmente os países do Sul Global. O que está cada vez mais evidente é que as antigas premissas da integração econômica global estão se desgastando; enquanto isso, a agressão imperialista dos EUA está em plena exibição.
No dia 8 de abril, relembrando as palavras do presidente Xi Jinping de 2018, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, publicou a seguinte citação em sua mídia social: “Uma tempestade pode agitar um lago, mas não pode agitar o oceano. O oceano já resistiu a inúmeras tempestades – desta vez não é diferente.”
O fato de a China ter se mantido firme contra essa tempestade, caracterizada pela beligerância e intimidação dos EUA, é algo de importância política, não apenas para o povo chinês, mas para os países do Sul Global.
(*) Tradução de Raul Chiliani