O que segue é parte de uma entrevista concedida por Aldo Fornazieri no dia 21 de março de 2018 ao editor da Revista Opera, Pedro Marin, e ao colunista André Ortega. A entrevista integral consta no livro “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”, escrito por Pedro Marin, que será lançado em São Paulo no próximo dia 5. Já é possível adquirir exemplares assinados durante a pré-venda.
Pedro Marin: O que o Sr. pensa nas eleições como uma estratégia para reverter o golpe? Porque tem se apostado muito nisso, desde que o Temer entrou no governo já se falava em “Diretas Já!” e coisas assim. O que o Sr. pensa disso?
Aldo Fornazieri: Eu julgo que fazer uma aposta única nessa estratégia é acreditar na famosa bala de prata. Quer dizer, se você ganhar, tudo bem — mas se você não ganhar… Você fica na mão, fica na chuva, perde quase tudo, fica com baixa capacidade reativa no momento seguinte. Porque você sai da eleição com um sentimento de derrota, com frustração popular, e não aproveitou o tempo para fazer aquilo que é crucial: organizar forças. Ninguém fala em organização de força hoje, nem Ciro, nem Manuela, nem Lula, nem Boulos. Essa parte está sendo terrivelmente negligenciada pelas esquerdas. O que se fala hoje? Na defesa do nome do Lula, o direito de ele ser candidato, na defesa do nome do Boulos, na defesa do nome da Manuela e na defesa do nome do Ciro. Quer dizer, nós giramos em torno de nomes. Sequer há uma discussão programática significativa Eu não a vejo, ao menos publicamente.
É um jogo de defesa e ataque, e esse jogo é muito ruim para constituir força. Então eu acho que deveriam se aproveitar da eleição para organizar força, politizar e defender, fincar a bandeira de um programa nacional para o país. A esquerda não tem contribuído de forma significativa para a constituição de um projeto estratégico para o país, o que é uma grande debilidade porque o projeto estratégico dá um norte, dá uma orientação, e é o eixo para a articulação de forças em torno dele. Deveria ser o eixo da direção e do convencimento. A relação entre força e convencimento é fundamental para quem disputa o poder, mas, infelizmente, as esquerdas querem convencer a partir de uma retórica relativamente vazia, e isso é um elemento de fragilidade porque no momento seguinte, em um momento de adversidade, as pessoas não acreditam na retórica vazia, porque percebem que não há uma substância que possa dar uma relativa segurança a elas no sentido de fazer uma aposta neste ou naquele rumo.
Pedro Marin: A discussão, por exemplo, se é ou não golpe…
Aldo Fornazieri: Esse debate está superado. Acredito que foi uma disputa importante em torno dessa questão, e vejo que se firmou a ideia de que foi um golpe. Me parece que na ciência social, na historiografia, esse debate foi ganho pela visão de que se tratou de um golpe. Nas universidades e nos centros de formação e produção de conhecimento prevalece a visão de que foi um golpe. Então foi um debate importante, mas hoje, se ele foi ganho, não faz muito sentido insistir nele. É preciso partir para um outro momento. É no vislumbre desse outro momento que se verifica uma dificuldade enorme nas esquerdas no sentido de se posicionar corretamente. Eu entendo, por exemplo, que nesse momento os ativistas e militantes não têm uma direção por parte dos partidos políticos; há uma comando firme com propósitos definidos, claros.
Em torno da questão do Lula, por exemplo, as bases petistas não sabem o que fazer, porque o partido aprovou uma resolução esses dias que não tem repercussão nenhuma; “defender o Lula na rua”, na antevéspera do risco de uma possível prisão. Assim como, na Reforma da Previdência, foram fazer manifestação no dia 22 de fevereiro, acho, quando já tinham tirado a Reforma da pauta de votações no Congresso. Então é terrível isso, as esquerdas estão correndo atrás do prejuízo e chegando atrasadas. Estão encurraladas num defensivismo estratégico. As esquerdas não derrotaram a Reforma da Previdência, foi uma auto-derrota do governo em si, que foi incapaz de costurar uma coalizão de apoio. Isso precisa ficar claro, senão as pessoas vão se enganando, se iludindo, e nos momentos de confronto decisivo as esquerdas sempre perdem se continuarem nesse tipo de auto-enganação.