A letra da canção composta em 1973 pelo grupo chileno Quilapayún volta a ecoar nas ruas América Latina: “El pueblo unido jamás será vencido.”
No Equador, o quinto dia de massivos protestos contra o pacote de medidas de austeridade do presidente Lenín Moreno, exigidas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), fez ressoar também o som arcaico de coturnos e tanques no asfalto. Sob o estado de exceção decretado pelo presidente na semana passada, ao menos 477 manifestantes foram presos e um morto – mas os tiros, ao que parece, estão saindo pela culatra.
Nesta segunda-feira (7), ao contrário do que se esperava, os manifestantes deram um ousado passo à frente, e Moreno deu um largo passo atrás. Tão largo que retirou-se de Quito, transferindo a sede do governo para Guaiaquil, a 420km da capital. De lá, acompanhado do vice Otto Sonneholzner, de comandantes militares e do ministro da Defesa, disse que não recuará, e acusou o ex-presidente Rafael Correa, exilado em Bruxelas, de estar por trás do que seria um plano em conluio com o presidente venezuelano Nicolás Maduro com a “intenção política organizada de romper a ordem democrática.”
Enquanto isso, a Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) declarou que os indígenas que foram às ruas não as deixarão até que as medidas de austeridade e o decreto caiam. “Mais de 20 mil de nós chegarão a Quito para exigir que o governo derrube o decreto”, disse Jaime Varga, presidente do Conaie, prometendo uma greve nacional para quarta-feira (9).
Que fará um governo que, refugiado na costa do Equador – de onde é mais fácil fugir – tem de se enfrentar com uma multidão que toma palácios, sequestra militares e enfrenta os tanques? Que pode fazer, senão recuar?
A alternativa é a força. Se Lenín fala sério em “não recuar”, terá de avançar com o furor dos tanques, que poderão seguir, por cima ou a despeito de seu mandato. Ao mesmo tempo, se a Conaie fala sério em não deixar as ruas, é para os tanques que deve se preparar.
Frente a um governo refugiado no próprio país, a pergunta a se fazer não é se Lenín cairá ou não. É o que virá para sustentá-lo, ou o que virá após sua derrocada. As medidas de austeridade e o estado de exceção não são caprichos do presidente, mas a declaração, da burguesia e da mídia equatoriana, em conluio com o Fundo Monetário Internacional, de que estão dispostos à força máxima – a da exceção – para a aplicação de seu programa mínimo – o da austeridade.
A rebelião no Equador, ainda que ignorada e abrandada pela mídia regional e do mundo, joga o continente de volta ao começo do que se promulgaria o fim da História; aqueles tempos em que, nas ruas, se ouvia Quilapayún e tiros. Não será só no Equador.
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