Carlos Eugênio Paz foi, antes de tudo, um guerrilheiro. Em verdade, guerrilheiro é o que mais foi. Conheceu Carlos Marighella aos quinze anos, e logo se jogou na luta armada, integrando a Ação Libertadora Nacional (ALN). Tão guerrilheiro foi que até a mãe recrutou. Tão guerrilheiro, que nunca foi pego.
Falecido neste ano, a vida do ex-comandante militar do grupo guerrilheiro, batizado Clemente na luta contra a ditadura, deve chegar em breve aos cinemas brasileiros. “Codinome Clemente“, de Isa Albuquerque, é uma imersão na vida dos homens que, em tempos de ar rarefeito, viveram como guerreiros incógnitos em meio a tudo, a despeito de prêmios multimilionários por suas cabeças. “Em todo filme que realizo busco abrir a lente de minha câmera para personagens significativos que nos dêem elementos para decifrar o ser humano e suas circunstâncias”, diz Isa. “Os personagens me interessam quando trazem singularidade, originalidade e representatividade, como atributos pessoais. Para além de tudo, que despertem controvérsia.”
Controvérsia e elementos para decifrar o ser humano, ao redor Clemente, de fato havia de sobra. Saído do Brasil em 1973 a contragosto, passou por Cuba, União Soviética, Tchecoeslováquia e, enfim, França. Por lá, cursou Música. Tendo vivido os 23 anos anteriores como poucos vivem uma vida inteira, encontrou nos amigos da École Superieur de Musique, de Danse et d’ Art Dramatique, todos mais jovens, os retalhos para costurar um coração com tantos companheiros perdidos. Ainda assim, viveu incógnito àqueles amigos. Considerava que não tinha direito de envolvê-los, tão jovens, em histórias tão duras. “Tenho certeza de que há outros ex-guerrilheiros, sobreviventes da ditadura militar, com vivências tão extraordinárias quanto teve o Carlos Eugênio Paz – o Clemente”, declara a diretora. “Mas, para além de tudo, Carlos Eugênio Paz era um excelente narrador de sua própria trajetória e estava pronto a se revelar. Conheci essa pessoa singular, que esteve entre nós até junho deste ano, por volta de 2004, através de uma amiga comum, a roteirista Duba Elia. Naquela altura ele dava aulas de violão, para seu filho, atividade a que se dedicou desde que retornou de Paris, em 1981.”
A abertura para tratar de sua atuação nos Anos de Chumbo, em contraponto ao silêncio frente aos amigos na França, durante 8 anos, marcou Clemente no seu retorno ao Brasil. Nunca deu um passo atrás quanto ao que fez e o que buscava. Autor de duas memórias romanceadas – “Viagem à Luta Armada” e “Nas Trilhas da ALN” – sempre esteve pronto para revelar, em dezenas de entrevistas, o que havia passado.
Em “Codinome Clemente“, filmado desde 2009 e a partir de mais de 100 horas de gravação, o público poderá imergir, em dias de nuvens negras, na vida do homem que, acossado pela ditadura por anos, faleceu em junho passado em Ribeirão Preto (SP), em virtude de um câncer. Para financiar a distribuição, em um momento em que a ANCINE está “paralisada por questões políticas, administrativas e até religiosas”, de acordo com Isa, a diretora lançou uma campanha de financiamento coletivo, que já conta com mais de 80 apoiadores. “O que era para ser um filme de resgate da História do século XX tornou-se uma espécie de antevisão de um inquietante futuro político para o Brasil e para a América Latina, onde o neoliberalismo selvagem vem agravando as diferenças de classes, destruindo a economia dos países e, em pleno século XXI, quarteladas começam a desbancar governos de esquerda”, declara a diretora sobre o momento. “Antes de falecer, vítima de câncer, Carlos Eugênio Paz despediu-se, por telefone: declarou-se grato pelo meu trabalho frente ao Codinome Clemente e disse que não há mais lugar no mundo para homens como ele. Será?”
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