A entrevista às páginas amarelas da Veja do presidente do Supremo Tribunal Militar, general Luis Carlos Gomes Mattos, não surpreende quem tem alguma familiaridade com o que seja o pensamento médio da alta oficialidade das Forças Armadas. O que não apaga o fato de se tratar, dada a importância de seu cargo, de um disparate supremo, uma ameaça aberta lançada na véspera das mobilizações nacionais contra Jair Bolsonaro, que ocorrem hoje em quase 400 cidades pelo País.
O general que preside o tribunal responsável por julgar os delitos militares revela-se, ao menos nas linhas, um hábil transgressor: às vezes transgride normas, a todo momento a verdade, em outras ocasiões a lógica. Numa primeira pergunta sobre a avaliação que o povo faz das Forças Armadas, diz que as pesquisas “mostram a credibilidade do Exército”, e explica que isso se deve ao fato de que “a gente procura fazer as coisas de maneira correta.” Concorro com o general: a dita credibilidade, por excelência, não poderia se dar por um conhecimento do povo de que os militares “procuram fazer as coisas de maneira correta”, e por uma só razão: porque esses que “fazem as coisas da maneira correta” por algum motivo insistem em esconder tudo o que fazem. Como poderíamos alcançar tanta sabedoria se processos internos, como o de Pazuello, têm sobre si sigilos de um século decretados? Se os arquivos da ditadura, que o STM insistiu em manter em segredo, na prática seguem, em sua maioria, fechados? E se historicamente fazem tudo, de conspirações a reuniões para tomar chá, com alta discrição, seja em tribunais, em Alto-Comandos ou em Clubes Militares? Se as Forças Armadas alcançaram um nível tão alto de credibilidade após a redemocratização, é por terem se mantido nas coxias da política nas últimas décadas. Hipótese que se confirma com pesquisas como a da XP/Ipespe, que atestam uma perda de credibilidade do povo em relação às Forças Armadas desde o início do governo Bolsonaro. Ao contrário do que diz o general, os brasileiros parecem aumentar seu desprezo pelos militares na mesma proporção em que os conhecem; o que explica, ao fim, tanto segredo e silêncio.
Gomes Mattos diz que não subiria em um palanque ao lado do presidente da República, como fez seu colega, Pazuello. “Não iria a nada que fosse político-partidário. O único palanque que eu subiria é no Sete de Setembro para assistir ao desfile, se eu fosse convidado”. Mas passa o resto da entrevista, na qual fala como general e presidente do STM, distribuindo elogios ou fazendo campanha aberta pelo presidente; violando, portanto, as normas que deveria fazer prevalecer.
Alguns recortes: “O presidente Bolsonaro é um democrata, fala com o palavreado do povo, mas nada disso com a intenção de quebrar as estruturas, destruir as instituições, dar um golpe”; “Que culpa o presidente tem da Covid? Como é que nós vamos culpá-lo? Ele tomou todas as providências cabíveis”; “Eu acho que ele não demorou [para comprar as vacinas]”; “Ele se elegeu para combater a corrupção. E de todas as maneiras estão tentando atribuir alguma coisa a ele e não conseguiram até agora. Deviam deixar o presidente governar […]; “O povo brasileiro tem de saber votar. […] Votar nas pessoas que vão responder às necessidades do país […] É nisso que o eleitor precisa estar atento. Um governo que faça as coisas sem corrupção”. São muitas as opiniões isentas de caráter político-partidário do general.
Mas o supremo-presidente-general não faz só elogios neutros ao presidente; faz também “alertas” (como aquele de Villas Bôas) à oposição. Diz não ter dúvidas de que ela “está esticando demais a corda […] quando a corda vai arrebentar? Isso eu não sei. […] Tenho a certeza de que nós já suportamos muito”. O general é audacioso com as palavras, mas não se pode acusa-lo de não sabê-las escolher. É consciente, como todos os formados sob a ditadura, das formas como as cordas podem ser usadas; e o uso recorrente da alegoria (o seu companheiro, general Luiz Eduardo Ramos, já havia se valido da metáfora há um ano) é descritiva das condições e posições em que os os fardados querem manter o povo brasileiro: amarrado, se preciso pendurado.