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Níger é o quarto país do Sahel a passar por um golpe anti-Ocidente

Níger agora se junta ao Mali, Burkina Faso e Guiné no grupo de países que viveram nos últimos anos golpes contra o arbítrio ocidental no Sahel africano
Vijay Prashad e Kambale Musavuli
Soldados das Forças Armadas do Níger durante o exercício militar Flintlock, em conjunto com o Comando Africano dos EUA, em Agadez, em 2018. (Foto: Eric Holman / U.S. Army)

Às 3 horas da manhã do dia 26 de julho de 2023, a guarda presidencial do Níger prendeu o presidente Mohamed Bazoum em Niamey, capital do país. As tropas, lideradas pelo general de brigada Abdourahmane Tchiani, fecharam as fronteiras do país e declararam um toque de recolher. O golpe de Estado foi imediatamente condenado pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, pela União Africana e pela União Europeia. Tanto a França quanto os Estados Unidos, que têm bases militares no Níger, disseram que estavam acompanhando a situação de perto. Um conflito entre o Exército, que se posicionou a favor de Bazoum, e a guarda presidencial, chegou a ameaçar a capital, mas logo foi resolvido. Em 27 de julho, o general Abdou Sidikou Issa, do Exército, emitiu uma declaração dizendo que aceitaria a situação para “evitar um confronto mortal entre as diferentes forças que […] poderia causar um banho de sangue”. O general de brigada Tchiani foi à televisão no dia 28 de julho para anunciar que era o novo presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (Conseil National pour la Sauvegarde de la Patrie ou CNSP).

O golpe no Níger ocorre após golpes semelhantes no Mali (agosto de 2020 e maio de 2021), em Burkina Faso (janeiro de 2022 e setembro de 2022) e na Guiné (setembro de 2021). Cada um desses golpes foi liderado por oficiais militares revoltados com a presença de tropas francesas e americanas e com as crises econômicas permanentes infligidas a seus países. Essa região da África – o Sahel – tem enfrentado uma cascata de crises: a seca da terra em decorrência da catástrofe climática, o aumento da militância islâmica devido à guerra da OTAN na Líbia em 2011, o aumento das redes de contrabando para o tráfico de armas, pessoas e drogas pelo deserto, a apropriação de recursos naturais – inclusive urânio e ouro – por empresas ocidentais que simplesmente não pagaram adequadamente por essas riquezas e o enraizamento das forças militares ocidentais por meio da construção de bases e da impune atuação de seus exércitos.

Dois dias após o golpe, o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP) anunciou os nomes dos dez oficiais que o liderarão. Eles vêm de todas as forças armadas, desde o Exército (general Mohamed Toumba) até a Força Aérea (coronel Major Amadou Abouramane), incluindo a Polícia Nacional (delegado-geral Assahaba Ebankawel). Já está claro que um dos membros mais influentes do CNSP é o general Salifou Mody, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e líder do Conselho Supremo para a Restauração da Democracia, que liderou o golpe de fevereiro de 2010 contra o presidente Mamadou Tandja e que governou o Níger até que o antecessor de Bazoum, Mahamadou Issoufou, vencesse a eleição presidencial de 2011. Foi durante o mandato de Issoufou que o governo dos Estados Unidos construiu a maior base de drones do mundo em Agadez e que as forças especiais francesas guarneceram a cidade de Irlit em nome da empresa de mineração de urânio Orano (anteriormente parte da Areva).

É importante observar que o general Salifou Mody é visto como um membro influente do CNSP dada sua ascendência sobre o Exército e seus contatos internacionais. Em 28 de fevereiro de 2023, Mody se reuniu com o Presidente do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark Milley, durante a Conferência dos Chefes de Defesa Africanos, em Roma, para discutir “a estabilidade regional, incluindo a cooperação contra o terrorismo e a luta contínua contra o extremismo violento na região”. Em 9 de março, Mody visitou o Mali para se reunir com o coronel Assimi Goïta e o chefe do Estado-Maior do Exército do Mali, general Oumar Diarra, para fortalecer a cooperação militar entre o Níger e o Mali. Alguns dias depois, em 16 de março, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, visitou o Níger para se reunir com Bazoum. No que muitos no Níger perceberam como um afastamento de Mody, ele foi nomeado em 1º de junho embaixador do Níger nos Emirados Árabes Unidos. Dizem que Mody, em Niamey, é a voz que fala aos ouvidos do brigadeiro-general Tchiani, o chefe de estado em exercício.

A corrupção e o Ocidente

Uma fonte altamente informada no Níger nos diz que o motivo pelo qual os militares agiram contra Bazoum é que “ele é corrupto, um peão da França. Os nigerinos estavam fartos dele e de sua gangue. Eles estão prendendo os membros do sistema deposto, que desviaram fundos públicos, muitos dos quais se refugiaram em embaixadas estrangeiras”. A questão da corrupção paira sobre o Níger, um país com um dos depósitos de urânio mais lucrativos do mundo. A “corrupção” de que se fala no Níger não se refere a pequenos subornos de funcionários do governo, mas a toda uma estrutura – desenvolvida durante o domínio colonial francês – que impede o Níger de estabelecer a soberania sobre suas matérias-primas e sobre seu desenvolvimento.

No centro da “corrupção” está a chamada “joint venture” [empresa conjunta] entre o Níger e a França, chamada Société des mines de l’Aïr (Somaïr), que é proprietária e opera o setor de urânio no país. Surpreendentemente, 85% da Somaïr pertencem à Comissão de Energia Atômica da França e mais duas empresas francesas, enquanto apenas 15% pertencem ao governo do Níger. O Níger produz mais de 5% do urânio do mundo, mas seu urânio é de altíssima qualidade. Metade das receitas de exportação do Níger provêm das vendas de urânio, petróleo e ouro. Uma em cada três lâmpadas na França é alimentada por urânio do Níger, ao mesmo tempo em que 42% da população do país africano vive abaixo da linha da pobreza. O povo do Níger tem visto sua riqueza lhes escapar por entre os dedos há décadas. Como marca da debilidade do governo, ao longo da última década, o Níger perdeu mais de 906 milhões de dólares em apenas 10 processos de arbitragem movidos por corporações multinacionais perante o Centro Internacional para Solução de Disputas sobre Investimentos e a Câmara de Comércio Internacional.

Países africanos que viveram golpes anti-Ocidente nos últimos anos: Guiné, Mali, Burkina Faso e agora Níger. (Imagem: OperaMundi / maps.stamen)

A França parou de usar o franco em 2002, quando passou a usar o sistema do euro. No entanto, quatorze ex-colônias francesas continuaram a usar a Communauté Financiére Africaine (CFA) como moeda, o que dá imensas vantagens à França (50% das reservas desses países têm de ser mantidas no Tesouro francês e as desvalorizações francesas da CFA – como em 1994 – têm efeitos catastróficos sobre os países que a utilizam). Em 2015, o presidente do Chade, Idriss Déby Itno, disse que o CFA “puxa as economias africanas para baixo” e que “chegou a hora de romper a corda que impede o desenvolvimento da África”. Atualmente, fala-se em todo o Sahel não apenas sobre a retirada das tropas francesas – como ocorreu em Burkina Faso e no Mali -, mas também sobre o rompimento do domínio econômico francês sobre a região.

O novo não-alinhamento

Na Cúpula Rússia-África de 2023, em julho, o líder de Burkina Faso, o presidente Ibrahim Traoré, usou uma boina vermelha que lembrava o uniforme do líder socialista assassinado de seu país, Thomas Sankara. Traoré reagiu fortemente à condenação dos golpes militares no Sahel, e também a uma recente visita de uma delegação da União Africana ao seu país. “Um escravo que não se rebela não merece piedade”, disse ele. “A União Africana deve parar de condenar os africanos que decidem lutar contra seus próprios regimes títeres do Ocidente.”

Em fevereiro, Burkina Faso sediou uma reunião que incluiu os governos de Mali e Guiné. Na pauta está a criação de uma nova federação desses estados. É provável que o Níger agora seja convidado para essas conversas.

(*) Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. É redator bolsista e correspondente-chefe da Globetrotter. É editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. É membro sênior não residente do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin da China. Escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus livros mais recentes são Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

(*) Kambale Musavuli, natural da República Democrática do Congo (RDC), é uma importante voz política e cultural congolesa. Radicado em Acra, Gana, ele é analista de políticas do Centro de Pesquisa sobre o Congo-Kinshasa.

(*) Tradução de Pedro Marin.

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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