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Emigração em Cuba: ida e volta

Alguns cubanos que uma vez embalaram suas malas para destinos estrangeiros estão fazendo-as novamente, mas de volta para casa.
por Igor Guilarte Fong | Cubahora – Tradução de Gabriel Delandes Alguns cubanos que uma vez embalaram suas malas para destinos estrangeiros estão fazendo-as novamente, mas de volta para casa…
(Foto: Jorge Royan / Wikipedia Commons)

Os cubanos estão por todo o mundo. E não é um exagero. De acordo com registros consulares, há uma presença de antilhanos em cerca de 120 nações e, pelo menos em 70 delas, conseguiram formar colônias importantes.

Três razões fundamentais podem explicar esse processo migratório que, às vezes, tomou caráter massivo e, inclusive, chegou a escalas de crise. Por tradição histórica, Cuba tem sido um país com forte tendência migratória[1]. Quem sabe se até a própria natureza insular infunde em seus habitantes a necessidade de “conhecer outro mundo”. Não seria errado – se é que não está correto – realizar um estudo sócio-psicológico sobre essa hipótese. Mas, de volta às origens cubanas, basta lembrar a famosa emigração crioula do século XIX, que, organizada por Martí, sustentou a guerra de 1895. Por outro lado, em 1959, a ilha estava em segundo lugar no continente – atrás do México – em emissão de pessoas rumo aos Estados Unidos.

A aplicação de sanções econômicas pelo governo norte-americano contra a Pérola das Antilhas, logo a partir do triunfo revolucionário, que se aprofundaram ao se decretar o bloqueio econômico em 1962, delinearam um cenário de restrições severas para o povo cubano. O terceiro fator decisivo foi a Lei de Ajuste Cubano, vigente desde 1966, que, ante as difíceis condições de vida já mencionadas, estimula significativamente as emigrações ilegais e o tráfico de seres humanos.

No entanto, apesar das vicissitudes cotidianas comuns em um país que busca o caminho para o desenvolvimento, e mesmo sob a persistência das sanções unilaterais mencionadas acima, a maioria dos cubanos mantém seu apego à terra que os deu à luz. Esses sentimentos de apego, junto à abertura de novas oportunidades em matéria econômica, segurança e estabilidade sociopolítica que caracterizam o atual panorama da ilha, além do fim da política de pés secos e pés molhados e os sofrimentos que, às vezes, os criollos enfrentam para conseguir uma residência feliz no exterior, estão entre as causas para que muitos cubanos que um dia fizeram suas malas para um destino distante estejam fazendo isso outra vez, mas de volta para casa.

Olhos que te viram ir, olhos que te verão voltar

Com o objetivo de examinar o impacto das mudanças na Política Migratória vigente[2] e atualidade das dinâmicas migratórias de Cuba[3], Mesa Redonda dedicou ao tema um de seus programas do mês de junho passado[4]. Ao realizar sua intervenção, o mestre em ciências Juan Carlos Alfonso Fraga, diretor do Centro de Estudos de População e Desenvolvimento do Escritório Nacional de Estatística e Informação, falou sobre uma diminuição do saldo migratório externo do país e um crescimento no número de cubanos reassentados.

“É um saldo negativo, mas diminuiu. De 2013 a 2016 – entre as entradas de cubanos e estrangeiros que decidiram se estabelecer em Cuba e as saídas –, é de menos 36 mil pessoas no total, mas essa mesma cifra foi a média anual antes da aplicação do Decreto Lei 302, de janeiro de 2013. Outro elemento importante a destacar no período é o aumento do número de pessoas que vieram residir permanentemente em Cuba”, expressou.

A esse respeito, o especialista disse depois que, durante o ano passado, 14 mil pessoas decidiram morar permanentemente em Cuba. “Eles são de todas as idades e ambos os sexos, ainda que haja uma preponderância de pessoas com mais de 50 anos. Estes números revelam uma das maiores taxas nos últimos anos, cuja tendência continua em 2017. Estes são cubanos reassentados e estrangeiros”, especificou.

Essa idéia foi reforçada pelo painelista Ernesto Soberón Guzmán, diretor de Assuntos Consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros. “O número de pessoas reassentadas em Cuba no ano passado é superior à quantidade de pessoas que solicitaram residência permanente entre 2013 e 2015, o que indica o crescente interesse dos cidadãos cubanos em retornar à sua pátria, o que não os impede de, posteriormente, viajar ao exterior”, explicou o funcionário.

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Saldos migratórios em Cuba vs. Nascimentos:

•Entre 1930 e 1950: mais de 35.145 pessoas
•1960: – 62.379 pessoas / 211 mil nascimentos
•1961: – 67.468 pessoas / 232 mil nascimentos
•1962: – 66.000 pessoas / 249 mil nascimentos

Principais êxodos migratórios:
•Camarioca, 18 de setembro de 1965 a 1971: 268 mil pessoas
•Mariel, 15 de abril a 31 de outubro de 1980: 125 mil pessoas
•Crise dos balseiros, 1994: 32.699 pessoas[/button]

De acordo com o programa televisivo, mais de 670 mil cidadãos fizeram pelo menos uma viagem no exterior nos últimos quatro anos (de 2013 a dezembro de 2016). 78% deles fizeram pela primeira vez e apenas 9% decidiram não retornar ao país dentro do prazo estabelecido de 24 meses; ou seja, emigrou. Isso apóia a teoria da chamada circularidade do êxodo nacional. Hoje, os cubanos não viajam em debandada para “ficar”, mas vão e vem… e vão.

Em essência, as novas medidas que foram implementadas em Cuba – como a liberalização da autogestão ou a reforma da lei de imigração – contribuíram para uma redução de maneira considerável das partidas definitivas, e a fazer com que um bom número de cubanos radicados em lares estrangeiros decida retornar para reconstruir a vida em sua terra natal.

Volta ao Éden?

Os cubanos em números significativos estão retornando de uma costa distante, como diria o poeta matanceiro.

“Eu fui para os Estados Unidos porque minha esposa conseguiu, mas fiquei muito tempo lá fora. Estou bastante cansado e velho. Então, antes de me tornar um fardo para os meus filhos e já que é possível, eu preferi regressar”, confessa Miguel, de 76 anos. Não é o único. Entre os 14 mil cubanos citados que escolhem o reassentamento, predomina o grupo geracional com mais de 50 anos. Tampouco se trata de uma decisão desatinada. Em Cuba, pode se viver confortavelmente com as pensões de aposentadoria que são cobradas nos EUA e, claro, aproveitar os benefícios da assistência médica. Nunca é tarde se a felicidade é boa, diz um provérbio de rua; e alguns parecem ter isso claro.

Outros também voltaram – menos velhos – porque simplesmente não quiseram trabalhar, não se “enquadraram” ou não se adaptaram para lidar com atos de discriminação e exploração trabalhista. Não se esqueça de que muitos, reprimidos por necessidades materiais, são lançados em vôo confundidos pelos típicos cantos de sereia e, quando eles aterrissam, eles entendem que a realidade pode ser diferente do sonho.

A julgar pelos motivos que os fizeram optar pelo retorno, puderam se “classificar” vários tipos de reassentados. Há o que regressa por problemas de saúde ou de outra índole pessoal, o derrotado ou envergonhado por não ter conseguido “triunfar” no Primeiro Mundo, aquele que a nostalgia o “mata”, o arrependido pelo tempo que passou separado da família e por ter ficado ausente quando a filha completou 15 anos ou quando o pai morreu, o que traz uma mão na frente e outra atrás por ter hipotecado tudo.

Porém, igualmente, está aquele que retorna com uma solvência econômica inquestionável que o facilita a adquirir propriedades e outros bens materiais e a investir em um negócio. “Eu vivi por um ano na Itália, mas não me acostumei com o clima, nem com o abuso que nós latinos sofremos. Trabalhei o máximo que pude na minha profissão de engenheiro, mas consegui retornar com capital suficiente para comprar um carrinho”, diz Leonardo, 34.

Dentro deste último grupo, sem dúvida, é possível derivar uma “subclassificação” especial de reassentado: o que vai-e-vem-e-vai. É aquele que não abandona “de todo” a sua cidadania e patrimônio adquiridos no país onde morou tantos anos de sua vida. Nesses casos, caberia perguntar então se eles realmente vieram com a aspiração de se reintegrar “completamente” em Cuba.

Alguns que vêm, outros que vão; é o fluxo natural e constante dos seres humanos. Os cubanos não estão de costas ao exercício desse direito universal. Por X ou por Y, eles saem para “conhecer o mundo” ou para materializar anseios pessoais de prosperidade. Para alguns, Cuba é um “nunca-jamais”, para outros é um paraíso. O certo é que, no além-mar, não é segredo: “de Cuba se sente falta.”


Fontes:

[1] http://www.cubahora.cu/politica/cuba-y-el-regreso-migratorio
[2] http://www.cubahora.cu/politica/entran-en-vigor-nuevas-medidas-migratoriasinfografia [3] http://www.cubahora.cu/politica/miradas-a-un-tema-complejo
[4] http://mesaredonda.cubadebate.cu/mesa-redonda/2017/06/15/flujo-migratoriocubano-video/

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