Pesquisar
, ,

Sobre bebês, casamentos e democracias iliberais

Existe uma relação entre o fascínio pela realeza e o declínio da democracia? De muitas maneiras, a resposta é sim.
por Daniel Warner | CounterPunch – Tradução de Gabriel Deslandes
(Foto: WikiCommons)

As primeiras páginas dos jornais mostram fotos de um bebê real britânico e a preparação para um casamento real em uma das democracias mais antigas do mundo, enquanto na Polônia, Hungria, Áustria e outros países, estão sendo levantadas questões sérias a respeito do declínio da democracia. Por que as pessoas são tão fascinadas pelo nascimento do príncipe Louis Arthur e pelo casamento de Meghan Markle e do príncipe Harry na Grã-Bretanha, enquanto, ao mesmo tempo, lamentamos a ascensão de governos autocráticos em outros países? Existe uma relação entre o fascínio pela realeza e o declínio da democracia?

De muitas maneiras, a resposta é sim. A realeza e a autocracia reduzem a imagem de um país a uma figura central. Em vez da bagunça do governo regido pelo povo – nunca realmente se sabe quem está no comando –, a realeza e autocratas simbolizam um regime muito mais claro e definitivo. Embora seja politicamente correto dizer que um país é governado pelo povo, que ele é o soberano, há um anseio inato por algo mais parcimonioso. As pessoas estão seguras sabendo especificamente quem está no comando.

Por exemplo, quando o governo da Grã-Bretanha está em agitação quanto ao Brexit e às fraquezas da primeira-ministra Theresa May e seu governo conservador, a realeza representa um retorno fascinante a uma tradição nobre. Embora a rainha tenha pouco poder político nos dias de hoje, há segurança em saber exatamente quem é o próximo na linha do trono. É muito mais interessante falar sobre o que Meghan vai vestir no casamento ou por que Sarah Ferguson foi esnobada na recepção do que descobrir o que a sucessora de Amber Rudd como ministra do Interior fará a respeito do escândalo Windrush ou da imigração.

O fascínio britânico pela realeza está em contradição direta com uma cultura democrática que data de, pelo menos, 1215 e da Magna Carta. Contudo, o fascínio por indivíduos que representam o poder é mais do que apenas um problema britânico. Faz parte do atual declínio da democracia trazido pela globalização

Em tempos de insegurança, os governantes dominantes e os símbolos de autoridade proporcionam segurança. A ascensão do fascismo após a Primeira Guerra Mundial esteve diretamente ligada à insegurança da Grande Depressão. Hoje, que hora melhor para exaltar um bebê real e um casamento real do que quando o futuro da Grã-Bretanha e o futuro da União Europeia estão sendo questionados? Que melhor maneira de ignorar as provações e tribulações da instabilidade do que mergulhar nas vidas da nova geração glamorosa de futuros monarcas?

As situações na Hungria, Polônia e Áustria também refletem uma busca por segurança. As pessoas elegeram líderes de direita ante aos enormes desafios da migração. E a União Europeia não se mostrou a resposta no nível supranacional. A UE continua a ser uma burocracia sem rosto, sem líder simbólico no comando. A dissolução do poder entre seus membros não só causa confusão sobre quem está no comando, mas é necessariamente lenta e ineficiente, características que as pessoas rejeitam em tempos de deslocamento radical. Com mudanças rápidas, soluções simples atendem à necessidade de segurança do público.

“Queremos nossa liberdade e queremos isso agora”, exigiu John Lewis para os afro-americanos na Marcha de 1963 em Washington. Ironicamente, a ascensão dos autocratas e o interesse avassalador por bebês e casamentos reais parecem exigir exatamente o oposto. “Queremos estar seguros com líderes fortes”, votaram o povo da Polônia, Hungria e Áustria nas últimas eleições. Quanto aos britânicos, seu fascínio pela família real tirou o Brexit e a imigração das primeiras páginas.

Não são os governantes autocráticos ou as famílias reais que estão o coração do problema atual das democracias. O problema para as democracias é quando as pessoas se sentem inseguras e se voltam para os outros em busca de respostas. Para o povo ser verdadeiramente soberano, ele deve entender e promover sua própria soberania, não a dominação alheia.

Continue lendo

6x1
Escala 6x1: as desculpas esfarrapadas contra a redução da jornada de trabalho
ratzel
Ratzel e o embrião da geopolítica: a viagem ao Novo Mundo
proclamacao republica
Rodrigo Goyena: “a Proclamação da República foi feita entre oligarquias”

Leia também

sao paulo
Eleições em São Paulo: o xadrez e o carteado
rsz_pablo-marcal
Pablo Marçal: não se deve subestimar o candidato coach
1-CAPA
Dando de comer: como a China venceu a miséria e eleva o padrão de vida dos pobres
rsz_escrita
No papel: o futuro da escrita à mão na educação
bolivia
Bolívia e o golpismo como espetáculo
rsz_1jodi_dean
Jodi Dean: “a Palestina é o cerne da luta contra o imperialismo em todo o mundo”
forcas armadas
As Forças Armadas contra o Brasil negro [parte 1]
PT
O esforço de Lula é inútil: o sonho das classes dominantes é destruir o PT
ratzel_geopolitica
Ratzel e o embrião da geopolítica: os anos iniciais
almir guineto
78 anos de Almir Guineto, rei e herói do pagode popular