Então todo o ciclo está completo. O Nova Democracia, partido conservador, corrupto e pró-empresarial da Grécia, que foi derrubado pelo partido anticapitalista Syriza em 2015, voltou ao poder nas eleições gerais de 2019, com uma maioria absoluta sobre todos os outros partidos.
O partido Nova Democracia obteve só 40% dos votos. O Syriza sob Alexis Tsipras obteve só 32% dos votos. O comparecimento dos eleitores foi de pouco mais de 57%, a taxa mais baixa desde o fim do regime militar em 1974, o que sugere uma enorme desilusão com todos os partidos. O percentual de votos do Syriza caiu apenas 3,5% em relação à última eleição de 2015, mas a fatia do Nova Democracia subiu de 28% para 40%. Os partidos pequenos (incluindo os partidos dissidentes do Syriza) tiveram um fraco desempenho, embora os ex-social-democratas do Pasok tenham aumentado sua participação de 6,3% para 8%, e os comunistas permanecessem inalterados em 5%. Também um novo partido, MeRa25, criado pelo ex-ministro das finanças do Syriza, Yanis Varoufakis, superou o limite de 3% e terá parlamentares pela primeira vez. O neofascista Aurora Dourado não conseguiu entrar no Parlamento.
Os últimos quatro anos do governo Syriza foram tristes e tumultuados. Eleito para se opor às políticas da Troika (BCE, FMI e UE) e à imposição de cruéis medidas de austeridade contra os gregos em troca de “salvar” seus bancos, os bancos estrangeiros e a dívida do governo, o Syriza a princípio resistiu à Troika. Sob Tsipras e Varoufakis, procurou um acordo com os líderes do euro que não imporia a austeridade. Quando tal acordo foi rejeitado pela Troika e pelos líderes do euro, liderados pela Alemanha e pelos Países Baixos, Tsipras convocou um referendo sobre o “memorando” da Troika: os gregos deveriam aceitar a austeridade ou rejeitá-la? Apesar de uma massiva campanha de propaganda da mídia negocista na Grécia e internacionalmente e da falta de brilho da campanha do Syriza, os gregos votaram 60-40 para rechaçar a Troika. Pouco mais de um dia depois, o governo ignorou o voto e capitulou.
Nos quatro anos seguintes, o governo Syriza tentou implementar devidamente todas as exigências da Troika. As aposentadorias foram reduzidas, funcionários públicos foram demitidos, congelamentos salariais foram impostos, ativos estatais foram vendidos, e os impostos foram elevados drasticamente. Varoufakis renunciou após a capitulação e excursionou pela Europa; e a facção de esquerda do Syriza se dividiu para comandar seus próprios partidos eleitorais – sem sucesso. O governo do Syriza aproveitou a esperança e a expectativa de que, se cumprisse as medidas de austeridade impostas pela Troika, acabaria por poder retomar o crescimento econômico, ganhar algum “espaço fiscal” e “voltar ao mercado” da dívida pública.
Os primeiros empréstimos que o governo obteve da Troika foram usados para pagar os bancos franceses e alemães que detinham bilhões em dívidas do governo grego que virtualmente não valia nada. Após esse resgate do setor privado, os empréstimos seguintes foram usados para cumprir os pagamentos ao FMI, ao BCE e a outros governos dos primeiros resgates. Nesse círculo interminável, mais dívidas foram adquiridas para quitar dívidas anteriores! Nenhum desses recursos foi destinado a aliviar a depressão sofrida pelos gregos em seus padrões de vida. A economia grega entrou em colapso em 30%, as pensões e os salários caíram 40%; milhares de jovens emigraram em busca de trabalho, e os serviços públicos e os empregos foram dizimados. E os mais afetados foram os empregos no setor privado em turismo, indústria e viagens.
Esses sacrifícios recuperaram o capitalismo grego e eventualmente reverteram o declínio calamitoso da produção, emprego e renda? A resposta curta é não. As taxas de desemprego gregas continuam muito altas, especialmente para os jovens.
O investimento de capital entrou em colapso durante a crise da dívida, mas não se recuperou. Os empresários gregos não puderam investir.
Os gastos do governo foram reduzidos pelas medidas de austeridade.
Contudo, isso não reduziu a dívida do governo em relação ao PIB, que permanece em impressionantes 180% do PIB e permanecerá em um futuro previsível. Todas as medidas de austeridade não causaram danos à dívida do governo constituída para socorrer os bancos estrangeiros, os bancos gregos e outros detentores de dívida do governo grego. O fracasso do setor privado, dos negócios gregos e do capitalismo global foi transferido para as contas públicas e seu povo pelas gerações futuras.
Os imensos empréstimos que o governo grego deve aos líderes da UE (o FMI e o BCE foram pagos) não precisam ser reembolsados durante uma década ou mais, e o custo dos juros dos empréstimos é baixo. Todavia, a dívida não foi amortizada; deve ser reembolsada eventualmente, e o governo grego deve ter um enorme superávit orçamentário para cobrir pagamentos futuros e os juros da dívida e obter novos empréstimos no mercado global.
Toda a estratégia do governo Syriza era que, à medida que o crescimento econômico voltasse à Zona do Euro, ele levantaria o barco grego com outros barcos europeus na maré crescente da recuperação econômica. O “espaço fiscal” seria criado, e os serviços públicos e as aposentadorias poderiam então ser melhorados enquanto não deixavam de cumprir o cronograma de pagamento dos credores.
Contudo, não funcionou assim. O crescimento econômico da Zona do Euro desde a crise da dívida tem sido patético, quase não ultrapassando os 2% ao ano e agora desacelerando rapidamente. Durante a crise da dívida e a eventual capitulação do governo do Syriza, estimei que o crescimento econômico grego teria que ser em média de, pelo menos, 3% ao ano para acabar com a austeridade caso o governo continuasse os seus compromissos com a Troika. Em vez disso, a taxa de crescimento da Grécia foi em média pouco mais de 1% ao ano sob o governo do Syriza. No momento, ela está diminuindo após um breve período acima de 2% para somente 1,3%.
O novo governo conservador assume o poder quando as economias da Zona do Euro e de grande parte do resto do mundo enfrentam uma desaceleração no investimento, no comércio e no crescimento – e uma recessão total, na pior das hipóteses.
A estratégia econômica dos líderes do Syriza de aceitar o programa da Troika, honrando o fardo da dívida e permanecendo na UE, fracassou. O resultado foi uma total desilusão com o Syriza, particularmente entre os jovens. Muitos emigraram da Grécia para procurar trabalho; aqueles que emigraram ou não votaram na eleição ou votaram por uma mudança de governo na forma da Nova Democracia. Os meios de comunicação recorreram a todo tipo de atitudes sobre esses comportamentos.
Como muitos jovens gregos, Tasos Stavridis planeja deixar o país assim que terminar sua graduação em Ciência Política. “Nossa crise financeira durou muito mais do que esperávamos, e estamos tão exaustos”, diz o jovem de 22 anos. “A maioria dos meus amigos também planeja ir embora. Na Grécia, os salários são tão baixos, e a situação econômica é muito ruim”. E o Nova Democracia? “A verdade é que eu os culpo [pela crise] também”, admite Stavridis. “Mas acredito que [o primeiro-ministro] Mitsotákis fez muitas mudanças. Concordo com o plano econômico que esse partido tem, e acredito que isso nos ajudará a sair dessa situação. Devemos nos concentrar no setor privado para melhorar economicamente. Nosso setor público é ineficiente e preguiçoso”, acredita ele. “A última vez que minha família apoiou a esquerda acabou sendo muito pior”, diz Zoe Babaolou, de 19 anos, de Tessalônica, que votou no Nova Democracia nas eleições europeias. “Parece melhor voltar a algo mais seguro”. Babaolou acrescenta: “Nós votamos pela ideologia em 2015 e não vimos nenhuma mudança. Então me interessam mais as medidas econômicas”.
Poderia ter havido uma alternativa à estratégia de Tsripras e dos líderes do Syriza em julho de 2015, quando o referendo para se opor à austeridade da Troika foi apoiado pela maioria do povo grego? Creio que sim. Uma opção proeminentemente impulsionada pela facção de esquerda dos deputados do Syriza era romper com a UE e o euro; reverter para o dracma grego, desvalorizar a moeda, impor controles de capital a qualquer fuga de dinheiro, deixar de pagar a dívida e voltar a aplicar programas de gastos governamentais.
Por exemplo, essa foi a opção apresentada pelo economista socialista e deputado do Syriza, Costas Lapavitsas, na época. Lapavitsas assumiu uma posição de princípio contra a capitulação e rompeu com Syriza. Porém, ele argumentou que: “a solução óbvia para a Grécia neste momento, quando considero a economia política, a solução ideal, seria uma saída negociada. Não necessariamente uma saída contestada, mas uma saída negociada”. Isso envolveria uma amortização de 50% da dívida contraída com a UE e a proteção da nova moeda grega (desvalorizada em apenas 20%) com liquidez do BCE.
Minha posição então era que, mesmo que a Troika concordasse com tal “saída negociada”, o que era um ponto discutível; e mesmo que o novo dracma grego só se depreciasse em 20% (extremamente improvável), a economia grega ainda estaria de joelhos, incapaz de restaurar os padrões de vida da maioria. A desvalorização e o aumento dos preços afetariam qualquer ganho obtido com exportações mais baratas. Lapavitsas pareceu reconhecer isso quando disse na época: “Os salários devem subir, mas, mesmo que eles aumentem, não voltarão para onde estavam. Não é possível no momento. Precisamos de uma estratégia de crescimento”.
Entretanto, Lapavitsas se opôs a uma estratégia de crescimento baseada no planejamento socialista. “Eu não acho que o Syriza deva sair com um amplo e extenso programa de nacionalizações neste momento. O que é necessário é nacionalizar os bancos, é claro. E para garantir que as privatizações de energia parem, a eletricidade em particular. Isso tem que cessar. E que a privatização de outros ativos importantes seja interrompida. Precisamos articular uma estratégia de crescimento e recuperação de imediato fora do euro e depois ter um plano de desenvolvimento de médio prazo”. Para mim, a estratégia de que a Grécia abandonasse o euro implementando, em primeiro lugar, um amplo programa keynesiano de gastos e deixando as medidas socialistas para depois não poderiam funcionar porque as forças do capital internacional e doméstico permaneceriam intocadas.
Na minha opinião, havia outra opção: um amplo e extenso programa para substituir o capitalismo. Para mim, o capitalismo grego precisava ser substituído, dentro e fora do euro. Isso significaria a propriedade pública de todas as grandes empresas e do capital estrangeiro na Grécia; uma mobilização democrática dos trabalhadores para controlar seus locais de trabalho e a economia com um plano de investimento e produção. Um Syriza socialista poderia então apelar por apoio ao movimento trabalhista mais amplo na Europa para forçar seus governos a abandonarem a imposição da austeridade, cancelar a dívida e iniciar um programa de investimento em toda a Europa que incluísse a Grécia.
Tal estratégia teria mais apoio de trabalhadores gregos e de outros países do que uma que se concentrasse em condenar o euro como o problema. Afinal, sempre houve uma maioria de gregos favorável à permanência no euro e na UE. A Grécia é uma economia capitalista pequena e fraca; não pode ter sucesso sem que o resto da Europa o tenha; e isso também se aplica a uma Grécia socialista. Porém, pelo menos, o povo grego teria o controle sobre seus próprios bens de capital e a alocação de mão de obra.
Contudo, sejam quais forem os méritos de uma opção keynesiana ou marxista em 2015, agora temos o retorno do governo pró-empresarial, corrupto e liderado pela dinastia do Nova Democracia, que originalmente presidiu o colapso financeiro e a recessão em 2010. O programa do governo Mitsotákis é privatizar, reduzir impostos para os ricos e encorajar o investimento estrangeiro, ao mesmo tempo mantendo os salários e aposentadorias baixos e os serviços do governo no nível mínimo – neoliberalismo, se você quiser chamá-lo assim.
O objetivo real é aumentar a lucratividade do capital grego como solução econômica e esperar que o capitalista invista na Grécia. Segundo o banco de dados AMECO da UE, o retorno líquido do capital na Grécia despencou 35% de 2007 a 2012. Sob o governo Syriza, a lucratividade recuperou 20%, mas ainda está 15% abaixo do pico de 2007. O objetivo do novo governo será continuar o trabalho do Syriza para salvar o capitalismo, mas com energia extra e um toque de vingança. Enquanto isso, uma nova recessão global se aproxima.
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