Em 23 de Janeiro de 1968, a Marinha do Exército Popular da Coreia capturou uma fragata americana perto de Wonsan, no mar a leste da República Popular Democrática da Coreia (a partir de agora, RPDC ou Coreia do Norte). O Pueblo era uma nau de tecnologia de ponta, pesando 1.000 toneladas de pura tecnologia de recolhimento de informações (espionagem) e com uma tripulação de 83 membros, a qual estava alegadamente conduzindo operações de vigilância eletrônica das bases militares norte-coreanas. Como resposta a uma das maiores humilhações nos 176 anos de história das forças navais estadunidenses, o Conselho de Segurança Nacional (CSN) norte-americano decidiu, na reunião conduzida em 24 e 25 de janeiro, tomar medidas retaliatórias e despachou forças militares para cercar a Coreia do Norte. Mais tarde, o CSN assinou um documento se desculpando por suas ações hostis e prometendo não mais repeti-las.
O Choson (O Pictorial Coreano), um livro ilustrado mensal publicado em Pyongyang, publicou uma história sobre o incidente do Pueblo em seu número de janeiro de 2004 e enfatizou que “o Império Americano não deveria se esquecer da lição de 35 anos atrás e deveria conhecer a vontade resoluta do Choson de hoje”. A Difusora Central Coreana também se referiu ao acidente de maneira desafiadora, declarando que “a pior tragédia da América é que ela não conhece a Coreia do Norte” e que “em um confronto contra a Coreia do Norte, a América só conseguirá desgraça e morte”. Durante os exercícios militares conjuntos de 1999 entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, Pyongyang moveu o Pueblo de Wonsan pela costa leste, através do estreito coreano no Sul e subindo o rio Taedong a oeste para o colocar em exposição pública. O navio agora serve como encarnação da “história viva”, lembrando os norte-coreanos da ameaça americana e do imperativo de defender seu país. O Pueblo também serve como um útil aviso para todos os adversários da RPDC, contra os quais a ideologia nortista da Juche (chuch’e) de autoconfiança é constituída.
A Coreia do Sul e os Estados Unidos, entretanto, ainda não absorveram totalmente o “pesadelo Pueblo”. À época do incidente, os Estados Unidos requisitaram à União Soviética que usasse sua influência sobre seu antigo “Estado satélite” para o convencer a entregar a tripulação capturada e o navio. Porém, a influência soviética se provou uma miragem, visto que Pyongyang se manteve firme face à pressão soviética e às demonstrações de força americanas. Lentamente, os americanos perceberam que a Coreia do Norte talvez não fosse o regime títere que eles imaginavam. Esse despertar brutal foi seguido, alguns anos depois, pela publicação de Comunismo na Coreia. Os autores, Robert A. Scalapino e Chong-sik Lee, proveram um ponto de vista alternativo à percepção americana prevalecente sobre a Coreia do Norte. Kim Il-Sung não era simplesmente um fantoche entronado pelos soviéticos, mas um líder comparável a vários outros comunistas que haviam lutado ativamente pela liberação do jugo do imperialismo japonês. Não obstante, o livro só foi longe o bastante para fornecer um estudo “relativístico” da RPDC e parou antes de traçar as raízes históricas e experiências pós-guerra da Coreia do Norte que pudessem dar conta do enfrentamento de Pyongyang quando do incidente do Pueblo e dos eventos subsequentes. Ao fim e ao cabo, tanto Comunismo na Coreia quanto os trabalhos subsequentes sobre o Norte falharam em ajustar as contas com o Juche, o princípio guia que define a RPDC como independente de pressões exteriores, insistente em seus próprios modos e mestra de seu próprio destino.
Este artigo busca traçar as origens históricas passadas das instituições políticas norte-coreanas centradas no Juche. Na atual atmosfera polarizada, a qual permite apenas narrativas pró ou anti-Norte, não é fácil fazer avançar uma compreensão alternativa da divisão da Península Coreana e do estabelecimento da RPDC.[1] Felizmente, dois desenvolvimentos recentes facilitaram esta tarefa. Primeiro, um pode se guiar pela emergente literatura sobre os primeiros períodos da RPDC – ainda que muitos estudos se mantenham superficiais e parciais – produzidos particularmente por uma nova geração de acadêmicos nos Estados Unidos e na Coreia do Sul. Em segundo lugar, a abertura de fontes previamente não disponíveis, como os arquivos da Política Imperial Japonesa e os arquivos tomados pelo Exército Norte-Americano na Coreia durante Guerra da Coreia, ambos revelando profusamente sobre as origens e o caráter da formação do governo norte-coreano. Muitos relatos tradicionais ignoraram esses documentos.[2]
Este artigo rejeita tanto os argumentos da “sovietização”, populares nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, como da “revolução autopropelida”, tese defendida por acadêmicos norte-coreanos e narrativas oficiais do Norte. Em vez disso, ele articula uma perspectiva sintética de que a formação estatal do Norte é melhor compreendida como o resultado de interações recursivas entre estrangeiros – que buscavam exercer influência para configurar o Norte – e coreanos, particularmente o grupo de guerrilha antinipônico comandado por Kim Il-Sung, que lutou para manter sua autonomia. O Estado Juche do Norte emergiu desse cabo de guerra. Após tratar sobre o período desde a gênesis do movimento comunista coreano até os conflitos armados antinipônicos da década de 1930, este artigo apresenta as circunstâncias sobre as quais a Guerrilha Antinipônica emergiu como o centro da política norte-coreana e estabeleceu uma nação em meio às políticas de cooperação e conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. Para condensar a discussão dos problemas do período de libertação esse artigo se limita à Conferência de Ministros Estrangeiros de Moscou e ao minjukijiron (argumento da base democrática). Ao remate, o artigo situa a emergência das instituições políticas do Norte no ainda inexplorado contexto histórico das contendas entre norte-coreanos e soviéticos sobre “unidade” e “subordinação”, “autonomia” e “criação”.
“Sovietização” ou “Revolução Autopropelida”
O Governo Militar dos Estados Unidos na Coreia primeiro introduziu a perspectiva do governo norte-coreano pós-libertação como um “Estado satélite” ou “títere” da União Soviética. Já em 29 de setembro de 1945, um oficial norte-americano descrevia a situação no Norte como “sovietização”:
“Nesse meio tempo, existe pouco conhecimento das ações políticas ou das políticas de ocupação das forças russas ao Norte. Eles retiraram os japoneses e criaram governos locais, os quais funcionam estritamente sobre a base de um partido único. Existe mais que uma probabilidade de que eles venham a sovietizar a Coreia do Norte assim como sovietizaram o Leste Europeu.”[3]
Essa visão foi fortalecida por estudos produzidos por agências governamentais norte-americanas, bem como por acadêmicos sul-coreanos. O Departamento de Estado, por exemplo, em um estudo produzido com base em materiais e testemunhos coletados na Coreia do Norte no final da década de 1950, caracterizou o regime do Norte como um “satélite soviético”.[4] A teoria da sovietização, que a academia americana havia originalmente desenvolvido sobre o contexto do Leste Europeu, foi sistematicamente aplicada à Coreia do Norte por acadêmicos como Yang Homin, Dae-sook Suh, Robert Scalapino, Chong-sik Lee e Erik van Ree. Ela proporcionava um enquadramento conceitual dentro do qual esses acadêmicos conferiam um sentido às suas respectivas observações sobre a RPDC.[5] Para os americanos que travavam da Guerra Fria, a teoria da sovietização fazia parecer óbvio que o governo da Coreia do Norte não era um ator autônomo e que a União Soviética era a responsável por dirigir a divisão da Península Coreana.
Muitos fatos, todavia, se uniram para dar crédito à teoria da sovietização. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os militares soviéticos avançaram rumo à Coreia do Norte e permaneceram como força de ocupação lá por alguns anos, guiando o regime recém-estabelecido rumo a um modelo de desenvolvimento stalinista. Começando pelo período de luta armada antinipônica, os comunistas norte-coreanos, liderados por Kim Il-Sung, tinham um histórico de apoio à União Soviética sob slogans como “Protegeremos a União Soviética com armas!” Ademais, os norte-coreanos desejavam um novo sistema político – um que diferisse da democracia burguesa – e um sistema econômico que fosse guiado não pelo mercado, mas por planejamento central, e não pelo lucro capitalista, mas por aspirações de elevar os meios de vida. Como um resultado, a teoria da sovietização acabou sendo o único e mais convincente roteiro conceitual para se entender a Coreia do Norte.
A teoria da sovietização, entretanto, tinha um número de falhas severas. Para começar, o governo da Coreia do Norte não era um “governo vagão”[6] como muitos dos governos do Leste Europeu. Os comunistas coreanos não só tinham apoio popular no Norte, mas eles também mantiveram cuidadosamente uma distância da força de ocupação soviética desde seu início. Mesmo na devastação do período pós-Guerra das Coreias, Pyongyang manteve sua atitude desafiante perante tanto seu inimigo de guerra, Washington, como seu aliado, Moscou. Pyongyang era combativa o bastante, já então, para ganhar a rara distinção de ser rotulada por Moscou (muito antes de George W. Bush usar o mesmo rótulo meio século depois) como um “Estado pária – o último país com um sistema stalinista e certamente o país mais isolado do mundo”. A Coreia do Norte pode ser muitas coisas, mas um satélite soviético não é uma delas.
Se os Estados Unidos e a Coreia do Sul estão dominados pela teoria da sovietização, o Norte oferece uma visão oposta. Bem cedo, acadêmicos no Norte desenvolveram a teoria Juche, que explica a formação do regime do Norte em termos de uma revolução democrática popular autóctone.[7] O Norte a oferece enquanto narrativa oficial, traçando as raízes históricas do regime até a luta armada antinipônica que Kim Il-Sung organizou e liderou.[8] De acordo com a versão oficial, a RPDC resultou da “Árdua Marcha” executada pelas guerrilhas antinipônicas que travou uma luta armada de liberação, independente dos comunistas chineses e soviéticos. A ajuda externa raramente é reconhecida como se qualquer admissão de ajuda fosse comprometer a pureza da luta autóctone e autocentrada que fundou e sustenta o país.
As narrativas oficiais do Norte, entretanto, incorrem em dificuldades, assim como a teoria americana da sovietização. Os acadêmicos norte-coreanos não providenciam os detalhes das ações tomadas pela guerrilha de Kim Il-Sung imediatamente antes e depois da mesma se deslocar para a Coreia do Norte com medo que tais detalhes pudessem expor os limites da teoria da “revolução autopropelida”. Tampouco eles discutem, pelas mesmas razões, as influências exercidas e as mudanças forçadas pela União Soviética. A história oficial do Norte revela um viés de seleção bem orquestrado sobre fatos desconfortáveis – por exemplo, sobre as eleições separadas realizadas em 1948, para que Pyongyang não fosse acusada de ter pressionado pelo estabelecimento de um governo separado, consolidando, portanto, a divisão entre as Coreias. Ademais, normalmente se encontra o refrão de que a lacuna entre os objetivos políticos declarados de Pyongyang e os resultados factuais fora preenchida pelo gênio individual de Kim Il-Sung.
Este artigo busca não explicar o caráter único de um indivíduo, mas analisar a estrutura social e o curso da história que propiciou a formação da estrutura de autoridade norte-coreana. Ao analisar o estabelecimento do sistema norte-coreano, deve-se evitar por um lado a perspectiva da sovietização e, por outro, a perspectiva da revolução autopropelida, ambas as quais colocam uma ênfase unilateral em um aspecto particular daquilo que é inerentemente uma complexa interação entre atores divergentes. A atual crise econômica do Norte[9] provê um caso em exame de ambas essas perspectivas, nenhuma das quais explica o problema que se tem à mão. Por exemplo, acadêmicos da Coreia do Sul e Estados Unidos, que enfatizam a dependência do Norte de forasteiros, explicam a crise econômica em termos de problemas internos com a perspectiva de revolução autopropelida do Norte. Acadêmicos da Coreia do Norte, por contraste, que salientam a autossuficiência de seu sistema, localizam as causas de suas dificuldades econômicas em fatores externos. Para se desenvolver um argumento coeso e coerente, este artigo busca ir além desses enquadramentos unilaterais.
No começo dos anos 1990, um novo tipo de literatura que reconhecia tanto a influência forçada dos soviéticos como as dinâmicas internas da sociedade norte-coreana, surgiu, sintetizando ambas para explicar a trajetória do desenvolvimento do Norte.[10] Esse grupo de acadêmicos explicam a emergência do sistema norte-coreano em termos de fatores externos, como as origens da divisão da Coreia na Guerra Fria, bem como de fatores internos, como a tradição confucionista, o controle colonial japonês, o atraso da estrutura socioeconômica coreana e o sin kukka kõnsõl undong (Movimento de construção da nova nação). Graças aos seus esforços, o processo de formação estatal entre 17 de dezembro de 1945 e 9 de setembro de 1948 é agora melhor compreendido.[11]
Para avançar ainda mais nossa compreensão, é importante traçar historicamente quais condições sociais herdou o exército de guerrilha antinipônico – o principal ator envolvido na formação do Estado. De igual maneira, uma perspectiva sintética ainda é necessária, uma que explique a formação estatal do Norte enquanto um processo dinâmico de fatores internos e externos enredados em uma relação causal recorrente. A falha dos trabalhos existentes em explicar a resiliência do Norte joga luz sobre essa necessidade. Se o Norte é, como argumentam alguns acadêmicos atuais, um governo estabelecido e sustentado pela União Soviética, por que ele não colapsou com a União Soviética como tantos outros “satélites” no Leste Europeu? Como é que o Norte, supostamente enquanto um regime títere da União Soviética, agora acusa Moscou de revisionismo e chama por uma “luta contra o revisionismo”? Ao mesmo tempo, como é que o Norte, supostamente um Estado autossuficiente, depende tão profusamente de fatores externos que, na sua ausência, levam a um colapso de sua agricultura? Qualquer explicação da formação do Estado do Norte deve confrontar esses problemas.
A população norte-coreana temia o Exército soviético desde o primeiro dia de sua chegada e mesmo os comunistas coreanos mantiveram uma relação tênue com ele. O Exército soviético chegou como uma força de ocupação e fez esse fato ser conhecido pelos coreanos ao dar ordens e estabelecer diretivas. O Exército soviético depredou a economia do Norte ameaçando a subsistência de cidadãos comuns e exerceu livremente seu poderio militar, pondo em perigo suas vidas.[12] Enquanto atos criminosos cometidos por soldados soviéticos individuais não duraram, a União Soviética continuou a, por exemplo, expropriar plantas industriais, desmontando e enviando para a União Soviética os geradores elétricos da maior subestação de geração de energia, Sup’ung, no que era, à época, a Coreia. Tal atividade foi conduzida, supostamente, para coletar indenizações de guerra contra o Japão. O tamanho da expropriação soviética pode ser inferido de um relatório que reconhece que o comando de ocupação diretamente controlava a produção em 38 fábricas de indústria pesada e – pelos cinco meses cobertos no relatório – enviou 8.535 toneladas de bens dessas fábricas para a União Soviética sem nenhum tipo de compensação.[13]
Apesar da União Soviética tentar estabelecer empreendimentos conjuntos, a Companhia Marítima Choson-Soviética e a Companhia de Petróleo Choson-Soviética são representantes do que ocorreu entre ambos os países. Essas companhias foram uma ferramenta para que os soviéticos assumissem o controle, sem investimentos extensivos, das principais industrias do Norte e abastecessem a União Soviética com recursos e produtos norte-coreanos. Os soviéticos tentaram até mesmo arrendar os três portos de Chongjin, Najin e Unggi da mesma forma que os britânicos haviam arrendado Hong Kong. A maior parte dos empréstimos fornecidos pela União Soviética eram esboçados para “fortalecer as posições econômicas soviéticas na Coreia do Norte”. Por fim, os empréstimos foram usados para pagar pelos gastos que os soviéticos incorreram ao produzir bens nas fábricas que seu Exército havia confiscado e para enviar tais produtos de volta à União Soviética. Os soviéticos não pagaram compensação pelos bens norte-coreanos que levaram.[14]
Os norte-coreanos reagiram de uma forma previsível.[15] Eles viam os soviéticos com desprezo, tanto que a palavra rosûkke (russos) se tornou um termo depreciativo. Esses sentimentos de traição e ressentimento serviram como as sementes das quais slogans patrióticos cresceriam e se espalhariam. Um dos slogans popularizados chamava os norte-coreanos a defender sua identidade nacional: “mesmo que leiamos escritas estrangeiras, nossa mente deve ser enraizada em nosso próprio país”. Foi a partir desse ressentimento e desdém que o ethos do Juche se desenvolveu. Em oposição ao outro soviético, a nação norte-coreana nasceu. Em 3 de novembro de 1946, pela primeira vez, na Península Coreana o povo norte-coreano participou em eleições para os comitês provinciais, citadinos e de condados. Depois que o Comitê do Povo da Coreia do Norte foi estabelecido em 22 de fevereiro de 1947, os coreanos cada vez mais exerceram seu poder de tomar decisões e expressaram suas identidades de forma mais assertiva, com pouca consideração pela influência soviética. Essa mudança na balança de poder nas relações Coreia do Norte-soviéticos pode ser vista pelas lentes da mudança na quantidade de literatura soviética que foi traduzida e publicada na Coreia do Norte durante esse período.
Como a tabela 1 mostra, o número de publicações traduzidas, produzidas pelo Departamento de Propaganda do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores e pela Choso Munhwa Hyophoe (Associação Cultural Coreano-Soviética), aumentou dramaticamente entre 1946 a 1947,[16] mas diminuiu consideravelmente em 1948. Ao mesmo tempo, a União Soviética promovia ao mundo a superioridade de seu sistema socialista energicamente, e a Coreia do Norte estava em uma posição apta a receber a “cultura avançada” soviética. A diminuição na tradução e publicação de literatura soviética, portanto, reflete uma diminuição da influência soviética sobre a Coreia do Norte. Ademais, o declínio nas publicações marxistas-leninistas, combinado com o fato que o Partido dos Trabalhadores da Coreia tinha um “número muito diminuto de ideólogos marxistas”[17] providenciou um chão fértil para o pensamento “no estilo coreano” e para a ideologia nacional estabelecerem suas raízes.
Os anos 1950 foram uma época de provação para o povo norte-coreano. Tendo sofrido um grau de devastação sem paralelos durante a Guerra da Coreia, eles foram deixados com desafios inevitáveis da reconstrução a partir das cinzas. Seus desafios se tornariam ainda mais complexos pela recusa soviética de providenciar toda a assistência necessária.[18] Os coreanos se tornariam ainda mais ressentidos vez que consideravam o comportamento soviético com uma traição do combativo povo norte-coreano.[19] Com a subida de Kruschev ao poder, as relações norte-coreano-soviéticas azedariam ainda mais. A União Soviética utilizava seu status de grande potência e exercia pressão para interferir nos negócios internos norte-coreanos. À medida que Pyongyang resistia, Moscou acusava o regime desafiador de ser uma “sociedade fechada” e “isolacionista”, usando os mesmos termos que o Ocidente invocaria décadas depois para criticar o Norte.[20]
Em resposta, desde a metade até o final da década de 1950, o governo norte-coreano caracterizou a interferência soviética em seus negócios como “revisionismo moderno”. Sua oposição a esse revisionismo criou o momentum necessário para estabelecer o princípio Juche de “fazer as coisas do nosso jeito”. Como resultado, a Coreia do Norte desenvolveu um sistema único, diferente daquele dos Estados socialistas do Leste Europeu. Ainda que a Coreia do Norte possa dividir algumas das características básicas do Estado moderno e algumas das características comuns aos Estados socialistas, suas características peculiares resultam de suas primeiras interações com a União Soviética. Apenas no contexto histórico da luta do Norte contra ambos os “seus principais inimigos”, os Estados Unidos e seu suposto patrono, a União Soviética, é que se pode começar a entender a ênfase da RPDC na centralização ao redor de seu líder, “tradições e realizações revolucionárias”, a estratégia de sucessão e a “arte da liderança”.[21] Em resumo, o Juche, como instituição central norte-coreana, emergiu a um só tempo da oposição e da concordância com a União Soviética.
[rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]Notas:
[1] – A República Popular Democrática da Coreia é o nome formal do estado estabelecido em 9 de setembro de 1948, o qual essa localizado na região norte da Península Coreana sobre o paralelo 38 (a linha de demarcação militar estabelecida em 1953). Dos 221,336 km² que perfazem a área terrestre total da Coreia a RPDC ocupa cerca de 55% ou 122,762 km². Em 2000, sua população era de 22.963.000. Suas áreas administrativas se constituem de duas cidades controladas pelo governo, nova províncias, um cidade especial, 25 cidades e 148 condados. Desde junho de 2004, a RPDC mantém relações diplomáticas com 155 países.Gwang-Oon Kim, “The Making of the North Korean State”, no Journal of Korean Studies, Volume 12, no. 1, pp. 15-42. Copyright, 2007. Responsáveis da Columbia University, na cidade de Nova York. Todos os direitos reservados. Republicado com permissão do detentor dos direitos autorais e da presente editora, Duke University Press. www.dukeupress.edu
* Gwang-Oon Kim é um pesquisador sênior no Instituto Nacional de História Coreana.