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O Che que conheci e admirarei sempre

O General de Brigada Harry Villegas narra suas memórias com Che e tece considerações políticas sobre essa convivência e os anos de atividade revolucionária.
O General de Brigada Harry Villegas narra suas memórias com Che e tece considerações políticas sobre essa convivência e os anos de atividade revolucionária. Por Harry Villegas¹ | CubaDebate – Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera

O Centro de Estudos Che Guevara, em comemoração ao 85º natalício do Che, pediu-me¹ um trabalho para publicá-lo no segundo número da revista Paradigma, pertencente à instituição, dedicada a esse aniversário. Na exposição, deveria abordar os meus vínculos pessoais com o Che durante o tempo em que fui seu companheiro de luta e em outras tarefas que ele encarregou a mim, depois do triunfo da Revolução Cubana – sobretudo durante o processo de construção do socialismo –, assim como na etapa internacionalista desenvolvida desde 1965 no Congo e na Bolívia.

Estava consciente da complexidade e extensão do artigo, não por abarcar muitos anos, mas pela intensidade do que foi vivido nesse período. Graças a uma feliz coincidência, há um tempo fizeram uma entrevista comigo no Centro e ela estava conservada nos arquivos. Pude aproveitá-la para selecionar alguns temas tratados, convencido de que despertariam no leitor um interesse particular, sempre ávido por conhecer vivências expostas por companheiros muito vinculados à vida e obra do Che.

Em 1997, a trinta anos do seu assassinato na Bolívia, estava gravando um documentário baseado na sua estadia na África, especialmente para rememorar o que aconteceu no Congo. O percurso incluía França e Itália; em seguida, Dar-es Salaam, capital da Tanzânia, para passar diretamente ao Congo pelo lago Tanganica, como tínhamos feito em 1965. No momento em que nos encontrávamos na França, recebemos a notícia da descoberta dos restos do Che e de outros combatentes que o acompanharam no seu último enfrentamento. Por tal motivo, decidimos parar o itinerário, cientes das implicações que poderiam surgir em decorrência disso, pois as passagens já tinham sido compradas e o percurso já estava totalmente organizado com a empresa produtora do documentário.

No entanto, apesar do que essa decisão poderia acarretar, expliquei a eles que para mim era inconcebível não estar presente em Cuba quando lá chegassem os restos do Che. Assim, retornei e pude participar da homenagem feita a ele em todo o país, estando no momento da sua chegada em solo cubano.

Pessoalmente, conhecia os trabalhos que estavam sendo realizados na Bolívia por uma equipe de especialistas cubanos com o apoio da Equipe Argentina de Antropologia Forense e do governo boliviano, que havia tomado a decisão de permitir a busca dos guerrilheiros bolivianos, cubanos e peruanos caídos na contenda. Eu participei em reuniões preliminares dirigidas pelo Comandante da Revolução, Ramiro Valdés, onde tratamos de especificar detalhes do que havia ocorrido trinta anos atrás, principalmente das características da zona de combate onde haviam caído alguns companheiros e analisando as versões que haviam sido recolhidas durante todo esse tempo sobre os possíveis locais onde poderiam estar os restos.

Por tudo isso, a notícia da descoberta me sacudiu e não pude pensar em outra coisa que não fosse o regresso a Cuba. Sentia algo muito intenso, vinha à minha mente o tempo em que havia estado ao lado do Che desde muito jovem, sendo quase um menino, convencido de que tinha me tornado um homem ao seu lado e tinha adquirido mais maturidade e muita experiência de vida, além de ter sido meu único chefe na luta insurrecional. Muitos, e muito profundos, eram os laços de afeto que nos uniam e sentia que deveria estar quando chegassem seus restos ao lugar escolhido para o seu descanso, lugar onde tinha materializado sua máxima obra como guerrilheiro, na cidade de Santa Clara.

Tivemos a possibilidade de compartilhar os dias que precederam o ato final com familiares, com companheiros afins, unidos às palavras pronunciadas por Aleidita (Guevara March, filha do Che) no aeroporto, que nos deixou emocionados, em especial a mim — o que foi vivido nesses dias, as manifestações de respeito e admiração do povo no trajeto até Santa Clara, a chegada ao mausoléu, onde participei do primeiro grupo atrás dos restos de Tuma (Carlos Coello), seu leal companheiro desde Sierra Maestra assim como eu, em uma cerimônia de grande solenidade.²

Coube a mim formar parte da força militar que lhe rendeu honras, como chefe do destacamento designado para a cerimônia. Foi uma tarefa muito honrosa que tive que cumprir não sem ter uma sensação muito profunda, e que gostaria de não tê-la feito por causa do seu significado. Eram as boas-vindas e ao mesmo tempo uma despedida, ainda que simbolicamente fosse classificada pelo nosso Comandante em Chefe, Fidel Castro, como um destacamento de reforço pelos seus altos valores morais e o exemplo que nos entregaram.

Meus anos com Che

Com a chegada dos restos do Che a Santa Clara culminava a etapa mais frutífera da minha existência como homem e como revolucionário, porque nela estava presente todo o legado que ele me repassou, além do lado político e militar. Cheguei a considerá-lo como um pai, o era para todos os combatentes que estiveram sempre ao seu lado como um familiar pela integridade da sua forma de ser. Durante a luta foi simpatizando conosco, entendia nossas travessuras por sermos muito jovens, ao ver em nós a possibilidade de nos formarmos e ir nos guiando pelo caminho da revolução, pelo caminho mais justo. Eu tinha 14 ou 15 anos e (Leonardo) Tamayo também. Éramos de origem humilde, pelo que o Che viu em nós potencialidades para converter-nos em futuros quadros da revolução, através da forja constante, e preparar-nos para sermos mais eficientes, uma constante no Che como formador de homens úteis à Revolução.

No triunfo da Revolução, convivi com o Che em todos os momentos de dificuldades e complexidades de um processo revolucionário que se propunha a alcançar a construção do socialismo. Sempre me mantive ao seu lado, mesmo quando estive à frente de uma fábrica como administrador ou em outras missões designadas por ele. Obviamente, essa relação permanente criava vínculos de afeto e carinho muito fortes; ainda que às vezes fôssemos repreendidos e castigados, nos aconselhava e guiava, cimentando-se assim uma relação afetiva que ia além do companheiro de arma ou ao que me correspondia proteger como membro da sua escolta. Nos sentíamos parte da sua família, cultivando em nós os valores que o tornaram um exemplo: a honestidade, a integridade revolucionária, a simplicidade, valores que não são fáceis de alcançar e tampouco na mesma magnitude em que soube cultivar em nós. Fomos formados em princípios que não deveríamos imitar, mas tratar de alcançar: ser fiéis à revolução, à causa revolucionária, à obra que se constrói, a estar dispostos a lutar pela humanidade em qualquer lugar que seja necessário. Todas são mensagens e ideias muito fortes do Che, não só no plano intelectual, mas em sua obra, em sua prática cotidiana, na sua dimensão revolucionária, profunda, deixando-nos um exemplo extraordinário.

Esses princípios formavam parte de um objetivo principal, o de educar-nos quando cometíamos um erro, como nos recapacitava e a analisava conosco o que era o mais correto e como deveríamos atuar. Esse vínculo faz-se, sem dúvidas, mais humano e nos forma de maneira integral no âmbito revolucionário, no profissional, enfim, em um sentido mais intelectual. Sem que nos dissera abertamente, éramos uns privilegiados ao participar de uma preparação cultural que não excluía ninguém. Por exemplo, quando organizou em sua casa, com todo o grupo da sua escolta, uma espécie de escola em que eram dadas aulas para diferentes níveis de ensino e matérias. Eu sabia ler e escrever, tinha cursado o 6º grau e aprendido um pouco de contabilidade antes de unir-me à luta na Sierra Maestra; no entanto, ainda que eu tivesse uma formação superior a dos demais, ele também me obrigava a estudar, a me superar culturalmente e politicamente, e quando não íamos às aulas tomava medidas, nos chamava, explicava a necessidade de fazê-lo e depois nos castigava.

É nesse processo que nos convoca, por termos um nível superior, a frequentar um curso para administração de indústrias, mais como um compromisso moral do que como um verdadeiro conhecimento. Ele sabia que o nível que possuíamos não era o requerido, porém nos pressionou a estudar sob o princípio da honestidade e como verdadeiros revolucionários, deixando o caminho aberto para que, em caso de dificuldades, não hesitássemos em falar com ele. Com esse grau de confiança, de compromisso moral, político e revolucionário, começamos nesse caminho com amor, com dedicação, com mais esforço, mais integração, apesar de não possuir o nível requerido.

Esse caminho traçado pelo Che exigia um esforço extraordinário da minha parte, tive que aprender como assimilar a indústria que foi atribuída a mim, lidar primeiro com a conclusão da sua construção, depois com a sua implementação e, finalmente, o mais complexo de todos: dirigir a produção de um ramo complexo como era o da cerâmica. Isso levou-me a aprender não só sobre cerâmica, mas também sobre estatística, e começar a produzir até que as coisas foram ficando mais complexas, de tal maneira que me vi na necessidade de dizer-lhe que precisava me aperfeiçoar. Com nossa explicação estava convencido de que eu precisava de uma maior preparação, e foi quando ele me enviou, juntamente com outros companheiros, à escola de administradores criada por ele no Ministério de Indústrias. Obviamente, o nível de exigência foi maior. Ele pedia uma conduta exemplar ao ver-nos como parte da sua equipe e como seus representantes, o que nos obrigava a fazer jus a essa confiança depositada.

Assim transitaram nossas relações, esse vínculo é o que lhe permitiu escolher-nos para acompanhá-lo em diferentes missões internacionalistas. Quando foram escolhidos os companheiros da sua escolta para ir a Salta, na Argentina³, não pude ir por ser muito negro – o problema da mestiçagem em uma operação secreta e tão complexa como essa requeria uma coordenação nos mínimos detalhes –, além de que não podíamos ir todos e deixá-lo sozinho. Assim foram selecionados Hermes Peña, um dos membros da escolta, chefe de uma esquadra, e também Alberto Castellano.

Mais tarde, quando decide participar da ação na África, me seleciona para combater ao seu lado. A luta foi extremamente complexa e o Che, ao menos em minha opinião, em um desperdício de humildade – nunca acreditei que era somente uma humildade de alarde – foi capaz de descer, com seu nível profissional e intelectual, ao nível dos combatentes daquela zona, de interpretar o status social em que se situavam, subordinar-se e sacrificar sua autoridade à decisão superior, para contribuir à libertação desse povo.

Lamentavelmente, não havia compreensão nem apoio necessário por parte dos seus dirigentes, faltando-lhes o sacrifício que uma luta dessa magnitude requer, como o abandono dos privilégios da civilização, de viver comodamente, para converter-se na prática em um animal de montanha. Nenhum desses objetivos foi conquistado, considerando, além disso, que faltou um conhecimento mais profundo sobre a idiossincrasia deles, a psicologia do africano naqueles momentos, o grau de preparação e desenvolvimento, suas aspirações, enfim, um conjunto de elementos que não dominávamos e que, posteriormente, pude compreender quando cumpri missão na Angola, convivendo com uma sociedade um pouco mais avançada.

Minha campanha no Congo junto ao Che

Sem dúvida, 1965 tornou-se um ano decisivo na vida do Che como combatente e revolucionário. Depois de uma longa jornada por diversos países, especialmente pelo continente africano, tomou a decisão de apoiar os revolucionários congoleses na luta pela libertação. Essa campanha, além das questões emocionais, foi para todos nós muito difícil e complexa, levando-nos à desilusão gradual e considerando-a um fracasso, não sobre o Che ou sua responsabilidade, mas sobre a forma que se deram os acontecimentos. A avaliação feita pelo Che em “Passagens da Guerra Revolucionária: Congo”, ao considerar a campanha um fracasso, não pode ser internalizada como algo pessoal. No resultado final estão presentes elementos de caráter interno como o problema tribal, a ausência dos líderes nas zonas de combate, a composição do seu status social, entre outros pontos que dificultavam a compreensão do verdadeiro conceito de nação e muito menos a necessidade de lutar por essas coisas. A tudo isso devemos acrescentar a pressão exercida pela Organização da Unidade Africana (OUA), assim denominada nessa época, para suspender a ajuda a todos os movimentos armados que eles entendiam praticar uma luta fratricida, uma luta entre irmãos, e manter apenas aqueles que, supostamente, lutaram contra a colônia dominante.

Essa medida atingia apenas os países de língua portuguesa, porque os outros tinham um status de semi-colônia, como era o caso do Congo. Baseava-se no princípio de manter as fronteiras herdadas do colonialismo e não apoiar lutas internas que levassem à suposta fragmentação do país e da África em geral – sem dúvidas, foram elementos que nos influenciaram.

Essa decisão envolveu um conjunto de ações por parte da OUA, entre elas o confisco de todos os meios que possuíamos, como as lanchas localizadas no lago para o transporte dos alimentos que chegavam de Cuba. Dentro do pedido oficial mais complexo, um dos acordos tomados foi o de impedir nosso movimento pelo território da Tanzânia e impossibilitar que se convertesse em base extrema da nossa retaguarda, aspecto que a direção da Revolução tentou suspender, sem sucesso.

Além de tudo isso, havia o fato de não contar com um chefe nativo para assessorar, e que pudesse realmente se colocar diante das centenas de combatentes de diferentes tendências que se concentraram na zona. Havia ruandeses, congoleses de diversas tribos com costumes diferentes e sem homogeneidade em relação a como combater; só o pequeno grupo de assessores cubanos estava apto para sustentar a reunião.

É por todos esses elementos que concordo com a justa conclusão da luta nessa época, portanto não a considero uma derrota do Che ou de Cuba. Faltavam condições essenciais para conquistar a vitória. Talvez, se os líderes estivessem presentes, combatendo e aglutinando suas forças, teria sido efetiva a presença dos cubanos nas frentes, em todos os grupos guerrilheiros, e se teria alcançado um mínimo de coesão, levando-nos a uma luta mais profunda, a uma luta mais ampla que teria derivado, finalmente, na tomada do poder.

É claro que além de tudo isso deve-se considerar o papel que assumiria o imperialismo, porque não ficaria de braços cruzados. Penso que teria aumentado a participação mercenária, a preparação de forças nativas e a sua intervenção por meio dos países europeus, entre eles os belgas, francesas e, em última instância, de maneira direta.

Da nossa parte, havia uma tropa armada e apta a transmitir experiências, mas no plano social não foi fácil assimilar essa realidade tendo em conta o nível cultural e político que nós, cubanos que acompanhavam o Che, possuíamos. Em parte, poderia haver a decepção do Che ao sublimar um pouco a sua concepção sobre os revolucionários cubanos, ao não ter em conta sua composição – muitos dos quais não haviam atuado na luta guerrilheira, mas como combatentes na luta contra bandidos – além de possuírem um baixo nível de instrução que lhes impedia de compreender a realidade imperante, muito adversa e hostil nas relações sociais, com costumes totalmente diferentes, o que requeria dos nossos homens um esforço maior para que assimilassem o seu entorno. A verdade é que nem todos os cubanos puderam entender a realidade do que estava acontecendo ao seu redor.

Essa realidade em seu conjunto, ao ser avaliada pelo Che – desde seu ponto de vista –, se interpretada de forma objetiva, conhecia o peso dos quatrocentos anos de exploração colonial, da miséria e de um povo carente de uma noção exata do que é uma nação, da nacionalidade e de um verdadeiro sentido de pertencimento. Para o nativo, seu mundo era a etnia e suas decisões estavam determinadas pela aprovação da sua participação na luta se a tribo o autorizava, ainda que nessa zona fosse feito um recrutamento voluntário, nunca obrigatório, como depois pudemos observar em outras partes da África. Apesar dessa vantagem, faltava-lhes uma verdadeira consciência sobre o seu papel, houve momentos em que nos levantávamos cercados por uma montanha de fuzis porque eles tinham largado as armas e quando o Che lhes perguntava respondiam que não queriam continuar a combater.

Diante dessas questões, o Che decidiu reunir os homens para tentar convencê-los. Antes entrava de acordo com algum companheiro, explicando-lhe que iria ofendê-lo, chamando-lhe de covarde e que sua atitude era de mulher para que reagisse contra e se defendesse, dizendo que não eram mulheres, e assim voltassem a tomar os fuzis. Quando chegou o momento, fez um discurso em francês, disse as ofensas como foi combinado, mas um dos garotos que tinha que falar se esqueceu de fazê-lo, e nisso o Che diz: “fulano, você não tinha ficado de pegar as armas?” e o garoto responde “sim, não se pode ser covarde, não se pode ser mulher!”, e todo mundo seguiu o garoto e recolheu os fuzis. Com esses truques conseguia alguma incorporação, o que mostra como conseguiu interpretar a psicologia dos combatentes congoleses.

Passados os anos, tivemos conhecimento de algumas explicações sobre a presença do Che no Congo por parte de dirigentes que haviam alcançado o poder. Falaram do grande trauma que isso lhes causou, sentiam-se mal por não conceber que um dirigente de tamanha importância estivesse combatendo ali e eles estivessem fora. Ou seja, havia um complexo de inferioridade, de retração, que nunca foram capazes de superar no momento mais necessário.

No caso dos combatentes cubanos, alguns não estiveram à altura como o Che desejava. Faltava entusiasmo porque não entendiam o motivo da luta, a razão de estarmos carregando armamento e de sair para as linhas defensivas enquanto os nativos se imunizavam com a dawa, um fetiche que usavam contra a morte, nem porque os chefes não estavam presentes. Lembrem-se que nós, latino-americanos, temos o costume de contar com o caudilho, o chefe, sempre à frente. Na história dos cubanos sempre tivemos homens da grandeza de Fidel combatendo: Antonio Maceo, que saía primeiro carregando sua machete, Máximo Gómez, Ignacio Agramonte, enfim, todos os nossos heróis da independência, sempre os primeiros.

Na nossa luta definitiva pela independência, Fidel sempre afirmava que o Che tinha o mérito de ter sido o primeiro em tudo, no Granma, na luta, e tudo isso para nós, cubanos, latino-americanos, é imprescindível, é vital. Essas diferenças marcam o soldado, porque não duvidamos da formação intelectual dos líderes congoleses de então; muitos eram poetas, escritores e convertiam-se em líderes, mas nunca nas ações de combate.

Essa realidade desencorajava e houve cubanos que sugeriram ao Che o retorno, inclusive um membro da sua escolta que estimava muito já tinha decidido ir. Certamente, tudo isso produziu nele um desencanto maior, embora já não pensasse assim no momento da despedida, mantém uma análise mais precisa e avalia as perspectivas que vê na luta futura no continente africano.

A partir dos acontecimentos, decide prosseguir em outros cenários, selecionando Papi (José Ma. Martínez Tamayo Mbili), Tuma (Carlos Coello, Tumaini), Braulio (Israel Zayas, Azi), Morogoro (Octavio de la Concepción de la Pedraja) e a mim para acompanhá-lo. Embora ainda não tivesse um lugar definido para ir, tinha plena convicção de seguir lutando pela independência dos nossos povos, isso formava parte dos seus princípios e nada, nesse sentido, o desencorajava.

Pelo que aconteceu, tenho pensado que ele extraiu uma experiência amarga que o levou a retomar algo que sempre tinha dito: que a ajuda deveria ser condicionada. Não o fez no Congo, colocou-se à disposição de pessoas que não entendiam esse gesto e a humildade com que o realizou.

É assim que decide retornar à América, com a convicção de que desta vez a ajuda deveria ser condicionada, razão pela qual se produz na época a contradição com Mario Monje, secretário do Partido Comunista Boliviano. Ao contrário do Congo, onde não se encontrou um chefe de uma tribo ou um filho, talvez aí teríamos encontrado alguém que tivesse a convicção de chegar a ser um líder natural para conduzir a emancipação do seu povo, ainda que sinceramente esse líder nunca tenha aparecido.

A campanha guerrilheira na Bolívia

A realidade do que aconteceu no Congo fez com que, na Bolívia, Che fosse com uma concepção mais ampla, de criar uma frente ampla onde todo homem honesto, revolucionário, com consciência, pudesse incorporar-se à luta sem detrimento das suas posições políticas ou religiosas, apenas pela disposição de lutar pelo seu país, pela sua independência.

Essa definição era a prioridade, por isso tenta unir todas as forças de esquerda, com independência das circunstâncias que propiciaram o surgimento de um partido comunista pró-China, outro que se desprendeu desse mesmo partido ou de outras tendências. O importante era buscar a maior ordem entre as forças a participar, fossem eles os montoneros e outras organizações, como era o caso da Argentina. Enfim, o Che começa a estabelecer uma série de vínculos e relações com homens dispostos e convencidos da necessidade de mudança revolucionária. Assim surge um projeto que não se limita apenas à Bolívia, por isso inclui os cubanos e trata de criar uma frente coordenada com uma figura central que, a partir desse país, pudesse expandir-se aos demais territórios. Isso é o que Monje não entendeu, é onde sua posição se limitava apenas ao âmbito local; é, em suma, a avaliação que fiz da estratégia proposta desde o início.

Creio que na Bolívia o Che tratou de organizar e ampliar as bases de apoio com outros grupos. Não penso que tenha sido um erro incorporar o grupo de Moisés Guevara; da sua gente estavam Simeón Cuba, Willy (que morre fielmente junto a ele), e o próprio Moisés morreu com inteira dignidade, combatendo, assim como outros companheiros do seu círculo. É certo que houve alguns traidores, mas eles também estavam dentro do próprio partido comunista boliviano, enfraqueceram-se alguns como Camba (Orlando Jiménez Bazán), Antonio (Domínguez Flores, León), o cozinheiro; no entanto, outros como Serapio (Aquino Tudela, Serafín) se destacaram e morreram dignamente. Uma grande lição, porque não se pode julgar a todos de forma igual por algumas atitudes negativas.

Che, dirigente político

Estou convencido de que a qualidade mais importante do Che é como dirigente político, porque se desenvolveu qualidades como chefe militar foi por considerar que essa era a via para alcançar seus objetivos políticos, ou seja, não ser um quadro militar por sê-lo, mas pela necessidade de dominar essa arte para alcançar objetivos superiores, sintetizados em obter uma pátria mais justa sob as bandeiras do socialismo.

Nessa concepção estavam presentes os ideais de Bolívar e Martí, mas somados ao ideal socialista, porque não se pode construir uma república com todos e para o bem de todos, como expôs Martí, sem eliminar a exploração e as injustiças. Essa sociedade poderia ser denominada bolivariana, martiana o fidelista, mas o importante é que fosse mais justa, dirigida ao aperfeiçoamento do ser humano. É aí onde encontramos a verdadeira essência do Che, da sua vida e obra.

Essa foi a qualidade que Fidel sempre viu, por isso o selecionou para ações maiores, como ao colocá-lo à frente da campanha de Las Villas, uma zona complexa e integrada por várias organizações que lutavam contra a tirania mas com posições e interesses diversos.

Che nessas circunstâncias demonstrou que, com suas decisões, prevalecia o critério de formar homens honestos, capazes de lutar pela sua pátria com armas na mão para converter-se, depois, em dirigentes da revolução no poder. Desde sua chegada a Escambray, território montanhoso da antiga província de Las Villas, formou uma pequena escola para instruir os combatentes, conseguiu coordenar e integrar todas as forças guerrilheiras do território com independência de seus objetivos particulares, propiciando acordos de organização no combate entre eles, delimitação de zonas, entre outras ações.

Pode-se afirmar que se pregou um exemplo quando nossa chegada a Las Villas ocorreu. Regras foram impostas para combater em lugares onde as forças acantonadas no entorno não haviam estado, como foi o caso da tomada de Güinía de Miranda que, após estar em Escambray por doze dias, o Che decidiu atacar, e assim sucessivamente em Jíquima, Banao e outros lugares da zona.

Essa projeção política do Che demonstra, no meu ponto de vista, seu brilhantismo ao alcançar a unidade entre interesses tão diversos e, além disso, converter-se no chefe indiscutível que se formava para futuras disputas. Suas qualidades organizativas são testadas tanto em Sierra Maestra como em Las Villas, na criação de indústrias de guerra, num jornal e na rádio, encarregados de informar e formar politicamente os combatentes. A disciplina e a ordem se impunham nos acampamentos com o predomínio de sinais de civilização que permitiam à guerrilha ter um mínimo de  condições: um forno para fazer o pão, um anfiteatro para as conferências, as reuniões, um arsenal de armas, tudo com o critério de incentivar a criação e a eficiência no combate. Não era o mesmo lançar uma granada com a mão que atirá-la com um cartucho que alcançasse de 150 a 200 metros de distância.

Já no triunfo revolucionário, essas qualidades se manifestam em todas as responsabilidades que lhe são atribuídas: no Departamento de Instrução Revolucionária onde se prioriza a instrução do Exército Rebelde, quase em boa parte analfabeto; cria também a revista Verde Olivo, com o objetivo de capacitar politicamente os soldados. A partir dessa posição, desenvolve algumas ideias que já havia tentado na Guatemala, quando as forças mercenárias invadiram o país e foi derrocada a revolução. Essas ideias não eram outra coisa que a necessidade de entregar armas ao povo para sua defesa. Criam-se as milícias revolucionárias sob o comando de um oficial que fez parte da sua coluna durante a guerra, Rogelio Acevedo, jovem capitão do nosso exército.

Da mesma forma, começa a organizar uma força integrada por jovens, em parte que não tivessem uma tendência política concreta, que não tivessem trabalho ou não estavam estudando, como uma forma de incorporá-los ao processo revolucionário. É assim que surge a Associação de Jovens Rebeldes, liderada por um destacado jovem da sua coluna, o comandante Joel Iglesias.

Tudo isso fala da obra multiplicadora do Che; lutar por um homem mais culto, capaz de se autodirigir, elementos presentes no pensamento martiano e que se encontram nas concepções avançadas do Che. Razões que explicam com clareza sua adesão à linha política sustentada no Programa do Moncada, como uma forma de materializar suas ideias.

Posteriormente, à frente do Departamento de Industrialização do INRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária), é atribuída a tarefa de formar os quadros, essencialmente políticos, através de cursos especializados. Cria escolas e um conjunto de vias complementares para alcançar uma maior preparação política e ideológica, aprofundando no conhecimento da história da nossa pátria, no ideário martiano, convencido de que se compreende melhor a concepção de um só partido desenvolvida por Martí que a exposta por Lenin, ainda que tivesse menos fundamentos teóricos. Na prática, podia-se entender com maior claridade a razão de proclamar a guerra necessária, primeiro para Cuba e depois para Puerto Rico. São princípios assumidos pelo Che e que explicam, em parte, sua concepção internacionalista.

Obviamente, quando é nomeado ministro da Indústria já tem uma melhor projeção de como enfrentar e desenvolver o seu trabalho. Começa a tarefa de buscar os quadros mais bem preparados, com maior nível cultural dentro das nossas fileiras rebeldes – é quando incorpora Alberto Fernández Montes de Oca, Pachungo ou Pacho, Jesús Suárez Gayol, Rubio, homens selecionados após integrarem o grupo de guerrilheiros cubanos na Bolívia, e outros companheiros da sua coluna. Não estavam tecnicamente preparados para as responsabilidades atribuídas, mas prevaleceu neles o desejo e a vontade de contribuir ao desenvolvimento de uma obra extraordinária, com o apoio e a confiança que o Che depositou no cumprimento das tarefas.

Tudo o que foi anunciado até aqui explica porque Fidel, desde o início, o nomeia para responsabilidades de caráter econômico, independentemente das piadas que circularam quando em uma reunião Fidel pediu um economista para a direção do Banco, Che levantou a mão, ele lhe perguntou se o era e Guevara respondeu que não, que era comunista. Outras tarefas de tipo internacional para divulgar a obra da revolução também lhe foram atribuídas: foi o primeiro a visitar os países socialistas, alguns países que conformavam o Pacto de Bandung, antecedente do MNOAL (Movimento dos Países Não-Alinhados), ações que, de uma forma ou outra, tinham sido estimuladas por ele para que fossem executadas. Isso fala por si só do quão profundo era o seu pensamento e sua ação política, presentes para as futuras gerações através dos discursos proferidos em Punta del Este em 1961, nas Nações Unidas em 1964 e em Argel em 1965, entre outros, que formam parte das suas projeções internacionais mais destacadas.

Acredito que o Che realiza uma contribuição extraordinária à Revolução Cubana, como expôs Fidel ao descrevê-lo como extraordinariamente culto e com uma elevada formação ideológica. Sua afiliação política para mim era a de um revolucionário, não havia pertencido a nenhum partido, unindo-se ao nosso apenas quando ele foi criado dentro do nosso processo, foi um arquiteto da sua unidade como fez em Las Villas no devido tempo.

Seu próprio balanço dos anos passados como dirigente do processo cubano, que mal ultrapassou os seis anos, o levou a afirmar ter cumprido o seu dever como revolucionário e a tomar a decisão de marchar a outras terras por considerar irreversível o processo revolucionário cubano, como enfatiza no seu ensaio “O socialismo e o homem em Cuba” e na carta de despedida lida por Fidel em 1965, quando o Partido Comunista Cubano foi constituído.

Começa uma nova etapa e desenvolve um profundo pensamento militar integrado pelo próprio pensamento militar da Revolução Cubana e as experiências e contribuições concretas de Fidel e Raúl, sistematizando-as e generalizando-as. Exemplos precisos encontram-se no seu livro Guerra de Guerrilhas e no seu artigo “Guerra de guerrilhas: um método”, de onde extrai experiências e sintetiza-as com grande capacidade política ao conceber o guerrilheiro como um reformador social e como um revolucionário consequente.

Esse pensamento é o que define Che como um verdadeiro revolucionário, dentro da sua condição de reformador social, despido de egoísmo, de vaidade, apenas o egoísmo de ser útil à pátria, à revolução latino-americana e mundial. É esse o Che que conheci e admirarei para sempre.

¹ – Harry “Pombo” Villegas (1940 – 2019) nasceu no dia 10 de maio de 1940 de uma família de camponeses pobres de Yara, cidade em Sierra Maestra; aos 14 anos, em 1954, apoiava as ações de sabotagem da Juventude do Partido Ortodoxo contra a ditadura de Fulgêncio Batista e aos 15 anos se juntou a uma célula clandestina do Movimento 26 de Julho, movimento político da guerrilha liderada por Fidel Castro em Sierra Maestra. Mais tarde, em 1958, se juntou aos guerrilheiros incorporando-se a Quarta Coluna liderada por Ernesto “Che” Guevara. Mais tarde, quando formou a Coluna 8 “Ciro Redondo” também sob o comando de Che Guevara, Harry Villegas já havia se convertido em um de seus homens de confiança e passou a integrar sua escolta. A partir daí, Pombo seguiria como parte de um grupo de confiança de Che e ocupou posições importantes no processo de organização econômica da Revolução. Depois, combateu ao lado de Che no Congo e na Bolívia. Mais tarde, Villegas seria um dos líderes da missão militar cubana em Angola, lutando aos lado dos angolanos e namíbios contra o ataque militar do regime do apartheid da África do Sul. Mais tarde, seria membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, deputado da Assembleia Nacional e um dos dirigentes da Associação Cubana de Combatentes da Revolução. Faleceu 29 de dezembro de 2019.

² – Nota do editor: optamos por uma alteração devido um aparente erro na redação original, onde lê-se que “Los días que precedieron al acto final, tuvimos la posibilidad de compartir con familiares, con compañeros afines, unido a las palabras pronunciadas por Aleidita (Guevara March, hija del Che) en el aeropuerto, que nos hizo estremecer, en especial a mí. Creo que lo vivido en esos días, las manifestaciones de respeto y admiración del pueblo en el trayecto hacia Santa Clara, la llegada al Mausoleo, donde participé en el primer grupo detrás de los restos de Tuma (Carlos Coello), su leal compañero desde la Sierra Maestra igual que yo, en una ceremonia de gran solemnidad.”

³ – Nota do editor: Uma parte da escolta de Che se juntou a um grupo de argentinos que, formado por Che, seguiria o comando do jornalista Jorge Masetti (alias Comandante Segundo) na formação de um foco no noroeste argentino, núcleo de um Exército Guerrilheiro do Povo. O foco foi derrotado, uma parte dos guerrilheiros morta, desaparecida e outra aprisionada. Os restos mortais de Hermes Peña foram encontrados em 2005, foram devolvidos a Cuba e ele foi enterrado no Memorial Ernesto Che Guevara, em Santa Clara. Alberto Castellano ficou preso na Argentina até 1968, tendo lutado em Angola entre 78 e 79, em 82 foi assessor militar na Nicarágua – vive em Cuba e é coronel das Forças Armadas Revolucionárias.

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