“E nós lembraremos dele pelo que ele era e é – um príncipe – nosso próprio e brilhante Príncipe Negro! Que não hesitou em morrer, porque nos amava tanto.” Foi assim que o lendário ator Ossie Davis terminou seu elogio no funeral de Malcolm X.
Mais de meio século depois, em 18 de novembro deste ano, dois dos assassinos condenados de Malcolm X, Muhammad Aziz e Khalil Islam, foram exonerados. Eles foram incriminados em 1966 e condenados depois de um julgamento encenado.
Justiça atrasada é justiça negada. Muhammad Aziz, agora com 83 anos, passou 20 anos na prisão, enquanto Khalil Islam cumpriu 22 anos.
Ambos homens negros, eles sobreviveram anos em confinamento solitário. Khalil Islam, que faleceu em 2009, nunca viu seu nome ser limpo.
Muhammad Aziz, então conhecido como Norman 3X Butler, e Khalil Islam, então conhecido como Thomas 15X Johnson, foram condenados juntos com Mujahid Abdul Halim. Na época conhecido como Talmadge Hayer ou Thomas Hagan, Halim confessou durante o julgamento ter matado Malcolm X, mas disse que os outros dois réus eram inocentes.
Isso não importava para a polícia e os tribunais. Todos os três réus foram julgados culpados e condenados à prisão perpétua pelo juiz Charles Marks.
A polícia estava tão desinteressada em descobrir quem matou Malcolm X que nem mesmo isolou a cena do crime. um baile foi autorizado a ser realizado na mesma noite e local do assassinato, o Salão de Baile Audubon, enquanto o sangue de Malcolm ainda estava no palco.
Todas as evidências físicas, incluindo uma espingarda de cano curto que foi uma das armas utilizadas no crime, desapareceram.
O juiz Marks recusou uma moção da defesa para divulgar as entrevistas da polícia com centenas de testemunhas oculares. Por quê?
Quando Halim deu os nomes de quatro pessoas que eram seus comparsas assassinos em dois depoimentos, em 1977 e 1978, o juiz Harold Rothwax se recusou a reabrir o caso. A polícia de Nova York e o FBI não investigaram.
Tanto Muhammad Aziz quanto Khalil Islam tinham álibis fortes. Aziz estava em casa com tromboflebite na perna direita. Islam também estava em sua casa quando Malcolm X foi morto, conforme confirmado por um vizinho que o visitou.
O promotor distrital de Manhattan, Cyrus Vance Jr., pediu desculpas pelas condenações dos dois homens. Então, por que Vance não anuncia uma investigação sobre quem ajudou Mujahid Abdul Halim a assassinar Malcolm X?
Vance foi o mesmo que se recusou a processar Dominique Strauss-Kahn, então chefe do Fundo Monetário Internacional, por estuprar Nafissatou Diallo, uma funcionário negra de um hotel. O promotor é filho do ex-secretário de Estado Cyrus Vance, que foi um alto funcionário do Pentágono durante a guerra suja dos Estados Unidos contra o Vietnã e o Laos.
Guerra do FBI contra os negros
Os líderes negros são alvos do governo dos Estados Unidos há mais de um século. O exército considerou o Dr. Martin Luther King Jr. uma ameaça. O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, o queria morto.
Dr. King denunciou a guerra contra o Vietnã. Ele declarou na Igreja Riverside, em Nova York, que “o maior promotor de violência do mundo hoje [é] meu próprio governo”.
Exatamente um ano depois, o Dr. King foi assassinado em Memphis, em 4 de abril de 1968. No mesmo dia, oito Boinas Verdes estavam em Memphis.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Divisão de Inteligência Militar investigou um dos avôs do Dr. King por “atividades subversivas” porque ele fez um sermão contrário à prática de linchamentos.
O FBI manteve a Nação do Islã (NOI) sob vigilância desde o início dos anos 1940. Durante a Segunda Guerra Mundial, o líder da NOI, Elijah Muhammad, foi mandado para a prisão por quatro anos sob a acusação de pedir a seus seguidores que não se registrassem para o alistamento militar.
As Forças Armadas dos EUA na época eram completamente segregadas. Assim como seus bancos de sangue, uma prática semelhante às nazistas.
Em resposta, o jornal afro-americano Pittsburgh Courier iniciou a campanha “Duplo V”, clamando pela vitória sobre os Hitlers “em casa” e no exterior. Outros jornais afro-americanos aderiram à campanha e expuseram o racismo dentro e fora das Forças Armadas. Com o apoio do presidente Franklin Roosevelt, J. Edgar Hoover queria que os editores do jornal fossem julgados por traição.
Durante a caça às bruxas anticomunista do pós-guerra, o FBI tentou destruir todas as organizações progressistas do país. Hoover lançou o COINTELPRO, abreviação de “programa de contraespionagem”. Seu objetivo era o de provocar dissensão dentro dos grupos e entre as organizações.
Junto com o Partido Comunista e o Partido Socialista dos Trabalhadores, COINTELPRO tinha como alvo grupos ativistas do movimento negro. Estes incluíram a Conferência de Liderança Cristã do Sul, liderada pelo Dr. King, a Nação do Islã e o Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento, conhecido como SNCC.
Mais tarde, o COINTELPRO travou uma guerra de extermínio contra o Partido dos Panteras Negras. Conforme mostrado no filme “Judas e o Messias Negro,” o FBI plantou seu informante, William O’Neal, dentro do Partido dos Panteras Negras de Illinois. O’Neal foi crucial para a polícia de Chicago poder assassinar o presidente da seção de Illinois, Fred Hampton, além do outro pantera, Mark Clark, em 4 de dezembro de 1969.
Edgar Hoover enviou um telegrama ao escritório do FBI em Nova York em 6 de junho de 1964, exigindo que eles “façam algo a respeito de Malcolm X”. Oito meses e meio depois, o brilhante Príncipe Negro foi assassinado na frente de sua família e de uma audiência de 400 pessoas.
Permitindo o assassinato de Malcom X
Malcolm X foi assassinado no Salão de Baile Audubon em 21 de fevereiro de 1965. Agora chamado de Centro Educacional e Memorial Malcolm X & Dr. Betty Shabazz, está localizado no bairro de Washington Heights de Manhattan, Nova York.
Uma semana antes, em 14 de fevereiro, a casa de Malcolm X e de sua família no Queens foi atacada com uma bomba incendiária. A polícia se recusou a investigar. Foi plantada uma garrafa cheia de gasolina na casa, para implicar que o próprio Malcolm tivesse ateado o fogo.
Sempre havia pelo menos meia dúzia de policiais na frente de qualquer lugar onde Malcolm X falava, numa tentativa de intimidação. No entanto, uma semana depois que Malcolm e sua família quase morreram, havia apenas um policial estacionado na entrada do Salão de Baile Audubon. Outros policiais foram mantidos escondidos nas proximidades.
O conhecido jornalista Jimmy Breslin recebeu uma dica da polícia de que deveria comparecer à reunião no Salão Audubon. A polícia de Nova York sabia o que iria acontecer?
Cyrus Vance disse que, “por ordem do próprio diretor J. Edgar Hoover, o FBI ordenou que várias testemunhas não contassem à polícia ou aos promotores que eram na verdade informantes do FBI”. Além disso, havia policiais disfarçados na plateia, pertencentes ao Bureau de Serviços Especiais (BOSS), o Esquadrão Vermelho da Polícia de Nova York.
Várias pessoas atiraram contra Malcolm. Nenhum dos agentes do FBI e dos policiais dentro do salão fez qualquer coisa para tentar evitar o assassinato. Também não foram responsáveis pela prisão de Talmadge Hayer (Mujahid Abdul Halim), o único assassino detido.
Hayer foi ferido por Reuben Francis, um assessor de Malcolm X, e então capturado por membros da plateia. O policial na porta e dois outros que passavam em uma viatura prenderam Hayer.
A primeira edição do antigo New York Herald Tribune publicou a matéria de Jimmy Breslin, que afirmava que dois suspeitos foram presos. Os “dois suspeitos” foram transformados em “um suspeito” em edições posteriores do Tribune e de outros jornais da cidade de Nova York.
Quem era o segundo suspeito e por que a mídia e a polícia o fizeram desaparecer? (“The Assassination of Malcolm X” de George Breitman, Herman Porter e Baxter Smith, 1986)
Entre os agentes da BOSS presentes estava o detetive Gene Roberts, que se infiltrou na equipe de segurança de Malcolm. Roberts pode ser visto em fotos ao lado do mortalmente ferido Malcolm X, cuja cabeça estava no colo do ativista asiático-americano Yuri Kochiyama.
Gene Roberts, o “Brother Gene”, mais tarde se infiltrou no Partido dos Panteras Negras. Com seu testemunho mentiroso tentou incriminar, no tribunal, o grupo conhecido como “Panther 21”. Um dos réus era a militante Afeni Shakur, a mãe de Tupac Shakur.
Nesse caso o júri levou duas horas para absolver os Panteras, acusados de tentar bombardear lojas de departamentos e o zoológico do Bronx. Por mais improváveis que tenham sido essas acusações, não são muito diferentes das alegações usadas para prender árabes e muçulmanos após o 11 de setembro.
O promotor do caso, Chris Christie, usou sua participação na trama do Fort Dix Five [caso em que autoridades do estado norte americano teriam orquestrado um suposto atentado terrorista] para se eleger governador de Nova Jersey.
“Poder demais”
A mídia capitalista sempre insistiu que o assassinato de Malcolm X foi o resultado de suas diferenças com Elijah Muhammad. Malcolm deixou a Nação do Islã em março de 1964.
O que a mídia nunca menciona é que o FBI e os departamentos de polícia locais tentavam destruir a Nação do Islã. Dezenas de milhares de negros pertenciam à NOI.
A polícia de Los Angeles atacou a Mesquita nº 27 em 27 de abril de 1962. O secretário da mesquita, Ronald X Stokes, foi baleado no coração e morto. Seis outros membros da NOI ficaram feridos, incluindo William X Rogers, que ficou paralisado. Como no caso recente de Kyle Rittenhouse, a polícia alegou “legítima defesa”.
Malcolm X foi a Los Angeles para falar no funeral de seu amigo Ronald X Stokes. Duas mil pessoas compareceram ao funeral. Essa atrocidade foi uma das faíscas que levaram ao Levante de Watts em 1965.
A polícia de Nova York nunca perdoou Malcolm X pelos 2600 membros da NOI que cercaram a 28ª delegacia do Harlem em uma noite de abril de 1957, exigindo justiça para Hinton Johnson, espancado violentamente pela polícia.
A polícia foi forçada a mandar Johnson para o Hospital de Harlem. Após o sinal de Malcolm, os milhares de muçulmanos e seus apoiadores se dispersaram.
Um policial disse ao editor do Amsterdam News, James Hicks, que aquilo era “poder demais para um homem só ter”, referindo-se a Malcolm X. “Ele pretendia dizer [poder demais] para um homem negro ter”, disse Hicks. (“The Death and Life of Malcolm X” de Peter Goldman.)
O verdadeiro patrão daquele policial – os super ricos – se sentiam da mesma maneira. Wall Street não gostou do apoio de Malcolm X ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Saúde, em sua movimentação com os funcionários do hospital de Nova York.
E os super ricos com certeza não gostaram dele dizendo “mostre-me um capitalista e eu mostrarei uma sanguessuga.” O revolucionário negro declarou: “Estamos vendo hoje uma rebelião global dos oprimidos contra os opressores, dos explorados contra os exploradores”.
A CIA tentou envenenar Malcolm X?
Certas coisas que aconteceram com Malcolm X durante o último ano de sua curta vida estavam fora do alcance de qualquer membro da NOI. Em julho de 1964, Malcolm quase morreu de intoxicação alimentar no Cairo e teve que fazer uma lavagem estomacal.
Nenhum dos outros que comeram junto de Malcolm adoeceu. As impressões digitais da CIA estão por todo lado. Essa, que é a maior rede terrorista do mundo, tinha seu próprio departamento de envenenamento.
Seu chefe era Sidney Gottlieb, o mesmo homem que tentou matar Fidel Castro com toxinas. Gottlieb voou para o Congo em 1960 e entregou um kit de envenenamento ao chefe de estação da CIA, Larry Devlin. O alvo era Patrice Lumumba, primeiro líder da República Democrática do Congo. O presidente Eisenhower autorizou o assassinato de Lumumba.
Leia também – Sidney Gottlieb: O “envenador-em-chefe” da CIA
Malcolm X passou meses na África denunciando a opressão do povo negro nos Estados Unidos. Ele agia como um “esquadrão da verdade” de um homem só, algo ao qual as embaixadas dos EUA não sabiam como responder. Com o apoio dos governos africanos, Malcolm procurou apresentar essas violações dos direitos humanos às Nações Unidas.
Assim como Che Guevara, o líder afro-americano visitou Gaza e expressou sua solidariedade ao povo palestino. Malcolm se encontrou com Che quando ele falou nas Nações Unidas em 1964.
Malcolm X foi o único líder negro de renome nos Estados Unidos a denunciar o linchamento em massa dos seguidores de Patrice Lumumba. Paraquedistas belgas e mercenários brancos atacaram Kisangani, então chamada de Stanleyville, em novembro de 1964, matando e estuprando milhares de africanos. O então presidente norte-americano Lyndon Johnson forneceu aviões Hércules C-430 para transportar estes terroristas.
Em 9 de fevereiro de 1965, 12 dias antes de ser assassinado, Malcolm X foi detido no aeroporto de Orly em Paris e deportado da França. Malcolm havia falado na França antes, sem incidentes. Acreditou-se que o presidente Charles de Gaulle temia que Malcolm X fosse assassinado em solo francês, e não queria ser culpado por isso.
O Pentágono tinha razões especiais para silenciar Malcolm X. Em 1965 e 1966, um quinto de todas as mortes em combate dos EUA no Vietnã eram soldados e fuzileiros navais negros.
Oficiais racistas forçaram os soldados negros a realizar as tarefas mais perigosas. O amigo de Malcolm, o boxeador Muhammad Ali, arriscou ir para a prisão ao se recusar a matar vietnamitas.
O alto escalão militar deve ter temido que Malcolm X liderasse uma campanha de resistência à guerra no Vietnã, que encontraria apoio não apenas da comunidade negra, mas também de asiáticos, indígenas, latinos e brancos pobres.
O assassinato de Malcolm foi uma tragédia para todos os trabalhadores e oprimidos. Assim como foi o de Che Guevara.
Malcolm X se tornou uma inspiração para todos que lutam contra o capitalismo e o racismo.
A exoneração de Muhammad Aziz e Khalil Islam exige uma investigação sobre quem foram os assassinos parceiros de Mujahid Abdul Halim, e sobre quem permitiu que o assassinato acontecesse. O principal suspeito é o governo dos EUA.
Se o governo capitalista se recusa a investigar a si mesmo, o povo deve encontrar a verdade por quaisquer meios necessários.