Se os três Reis Magos estivessem viajando este ano com seus camelos em direção ao portão de Belém, é quase certo que teriam se perdido, porque em grandes trechos de sua rota eles não poderiam confiar em sua estrela-guia, pela simples razão de que ela não seria visível. O menino Jesus teria que desistir de seu ouro, incenso e mirra.
Um paradoxo caracteriza nossa sociedade, que sabe infinitamente mais sobre o universo do que qualquer outra na história de nossa espécie, dado que sabemos por que as estrelas brilham, como nascem, envelhecem e morrem, dado que podemos perceber o movimento giratório das galáxias invisíveis a olho nu e ouvir (por assim dizer) os sons da origem do universo emitidos há aproximadamente quinze bilhões de anos. Mas, ao mesmo tempo – e pela primeira vez na história da humanidade –, poucos adultos conseguem reconhecer até mesmo a mais brilhante das estrelas, enquanto a maioria das crianças nunca testemunhou uma noite estrelada. Digo “a maioria” porque a maior parte da população mundial atual, que já passa de 4 bilhões, já vive em áreas urbanas, onde a luz artificial é tão intensa e difusa que ofusca a visão das estrelas.
(Essa é uma forma de contradição que a modernidade produz com uma frequência cada vez maior. No momento em que podemos satisfazer nosso desejo de voar pelo mundo para deitar nus e bronzeados em praias exóticas, o buraco na camada de ozônio torna os raios ultravioleta do sol perigosos e cancerígenos. Enquanto satisfazemos nosso desejo de limpeza — veja meu artigo sobre eliminação de odores —, a água se torna um recurso limitado, e assim por diante.)
O impressionante espetáculo do céu cheio de estrelas é desconhecido para a maioria de nós hoje. Achamos difícil imaginar que a Via Láctea possa cegar em uma noite clara. Raramente olhamos para o céu e, se o fizéssemos, veríamos apenas um punhado de flashes fracos de luz. E pensar que em uma noite clara, em condições de escuridão “normal”, até seis mil corpos celestes são visíveis a olho nu, sendo o mais distante deles a Galáxia do Triângulo, localizada a aproximadamente três milhões de anos-luz de distância (ou seja, a vemos como era três milhões de anos atrás). E isso não é nada comparado aos milhões de objetos celestes localizados milhares de vezes mais longe, cuja existência nos foi revelada por observatórios e telescópios, e que existem em maior número do que nossos olhos cegos pela luz artificial podem perceber agora.
Em Darkness Manifesto (2022), o escritor sueco Johan Eklöf nos conta que em Hong Kong (que é, junto com Cingapura, a cidade mais iluminada do mundo) a noite é mil e duzentas vezes mais brilhante que um céu sem iluminação artificial. Para perceber a enormidade da alteração que introduzimos na superfície do nosso planeta, basta olhar para este mapa da poluição luminosa (é possível aumentá-lo e ver a situação do local onde você vive). Em 2002, o astrônomo amador John Bortle concebeu uma escala de nove graus, que leva o seu nome, para medir a escuridão do céu noturno: o nível 1 corresponde a um “céu escuro excelente”, o nível 3 a um “céu rural”, o nível 5 a um “céu periurbano”; no nível 6 (“céu periurbano brilhante”), apenas 500 estrelas são visíveis a olho nu; no nível 7, (“transição periurbana/urbana”) a Via Láctea desaparece. Nos níveis 8 (“céu da cidade”) e 9 (“céu do centro da cidade”), apenas alguns objetos celestes (planetas próximos e alguns aglomerados de estrelas) são visíveis.
Poderíamos dizer que a iluminação artificial é a inovação industrial que mais profundamente afetou a vida humana. Ela venceu a guerra multimilenar contra a escuridão, afastando o terror da noite, seus pesadelos e seus monstros. Apenas alguns séculos atrás, quando a noite caía, não apenas casas, mas cidades inteiras se entrincheiravam e fechavam suas portas. A noite estava povoada de demônios (Satanás, é claro, era o “Príncipe das Trevas”); era o momento em que as forças do mal se encontravam, quando as bruxas celebravam suas assembleias montadas em porcos ou outros animais, como conta Carlo Ginzburg em seu livro Storia notturna: una decifrazione del sabba (1989).
Iluminar cidades tem sido uma prática padrão há mais de três séculos, muito antes da invenção da iluminação elétrica. Os antigos romanos conheciam a iluminação noturna, mas levaria um milênio até que as lamparinas a óleo aparecessem nas ruas das cidades. Talvez não seja coincidência que o Iluminismo tenha sido contemporâneo da iluminação urbana; sua definição da “Idade das Trevas” talvez não fosse uma mera metáfora. O “príncipe iluminado” impôs a iluminação centralizada, também para fins de vigilância. Em Disenchanted Night: The Industrialization of Light in the Nineteenth Century (1988), Wolfgang Schivelbusch detalha a “iluminação química” que levou à moderna teoria da combustão de Antoine Lavoisier, em virtude da qual as chamas não alimentam, como se supunha, de uma substância chamada flogisto, mas sim do oxigênio do ar. Com ela começa a história moderna da iluminação artificial, com seus medos e suas metáforas: “A luz produzida pelo gás é pura demais para o olho humano e nossos netos ficarão cegos”, temia Ludwig Börne em relação aos lampiões a gás em 1824, enquanto Julen Janin afirmava em 1839: “O gás substituiu o Sol”. A iluminação também era um meio de controle: os primeiros alvos das revoluções de 1830 e 1848 foram os postes de luz. Uma nova profissão também surge: o acendedor de lampiões, que acende os lampiões a gás nas ruas e se torna uma figura literária, como em O velho lampião de Andersen (1847) e O acendedor de lampiões de Dickens (1859). O pequeno príncipe (1943), de Saint-Exupéry, ao chegar ao quinto planeta, encontra apenas um poste e um acendedor:
“Quando pousou no planeta, saudou respeitosamente o acendedor:
— Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?
— Eu executo uma tarefa terrível. É o regulamento — respondeu o acendedor. — Bom dia.”
A lâmpada de filamento de carbono que Thomas Edison apresentou em 1878 na Feira Mundial de Paris acabou com a iluminação a gás e tornou-se o novo sol artificial, tão ofuscante quanto sua contraparte natural. Schivelbusch cita o seguinte texto médico de 1880:
“No meio da noite, vemos o surgimento de um dia claro. É possível reconhecer o nome de ruas e lojas do outro lado da rua. Mesmo as expressões faciais das pessoas podem ser vistas claramente a uma grande distância e, o que é particularmente notável, o olho se adapta imediatamente e com o mínimo de esforço a essa iluminação intensa.”
Com a eletricidade, a humanidade conquista a noite, abolindo-a. Deslocam-se as horas de jantar, de convívio social, de lazer e de trabalho, e assim, na fábrica onde se trabalha de dia, passa a ser também possível o “turno da noite”. Um novo ritmo passa a regular todo o cotidiano, o que, no entanto, cria problemas, porque ele entra em conflito com o nosso ritmo circadiano (derivado do latim circa diem, “ao redor do dia”).
Ao fazer desaparecer a noite, alteramos o ritmo de produção das hormônios, em particular a melatonina, que regula o ciclo sono/vigília e é sintetizada pela glândula pineal na ausência de luz. Quando anoitece, sua concentração na corrente sanguínea aumenta rapidamente, atingindo um máximo entre 2 e 4 horas da manhã, para diminuir progressivamente antes do amanhecer. Assim, nos meses de inverno é normal que os níveis de melatonina fiquem elevados por longos períodos, enquanto no verão ocorre o contrário, quando os dias são mais longos e claros. Segundo o site Dark Sky, a melatonina tem propriedades antioxidantes, induz ao sono, fortalece o sistema imunológico, reduz o colesterol e ajuda no funcionamento da tireoide, pâncreas, ovários, testículos e glândula adrenal. Ela também ativa outros hormônios como a leptina, que, por sua vez, regula o apetite.
A exposição noturna à luz artificial, principalmente à luz azul, inibe a produção de melatonina, e uma luz de apenas oito lux é suficiente para interferir no seu ciclo. E isso tem influência sobre a insônia e, portanto, também o estresse e a depressão e, por meio da desregulação da leptina, a obesidade. Alguns estudos mostram que os turnos noturnos aumentam o risco de câncer (a melatonina e sua interação com outros hormônios ajudam a prevenir tumores). Assim, é compreensível que a iluminação artificial tenha gerado o termo “poluição luminosa”.
Tudo isso preocupa muito a nós, humanos, mas o efeito em outros seres vivos é muito mais dramático, porque afinal somos animais diurnos. Como escreve Eklöf: “nada menos que um terço de todos os vertebrados e quase dois terços de todos os invertebrados são noturnos, então é depois que nós humanos adormecemos que ocorre a maior parte da atividade natural, na forma de acasalamento, caça, decomposição e polinização”. As presas dos predadores noturnos têm muito menos chance de escapar. Diz-se que os elefantes, que também são diurnos, estão se tornando noturnos para evitar caçadores furtivos. Sapos e rãs coaxam à noite para acasalar; sem a escuridão, sua taxa de reprodução despenca. As tartarugas marinhas vivem nos oceanos, mas seus ovos eclodem nas praias à noite e os filhotes encontram a água identificando o horizonte brilhante que brilha acima dela, enquanto a luz artificial os afasta da costa: só na Flórida isso mata milhões de tartarugas recém-nascidas a cada ano. Milhões de pássaros morrem todos os anos ao colidir com prédios e torres iluminadas; as aves migratórias noturnas se orientam com a lua e as estrelas, mas a luz artificial as desorienta e elas se perdem no caminho de volta para casa.
Os piores efeitos são sofridos por insetos. De acordo com um estudo de 2017, a biomassa total de insetos diminuiu 75% nos últimos vinte e cinco anos. Os motoristas estão cientes disso há muito tempo devido ao chamado “efeito para-brisa”. O número de insetos que ficam esmagados na frente dos carros é muito menor do que nas décadas anteriores. Existem muitas causas para essa queda, mas a iluminação artificial com certeza é uma delas, pois a maioria dos insetos são noturnos, como as baratas. Nós não nos damos conta, mas as cidades iluminadas são um importante destino migratório para os insetos do campo. A luz também perturba seus rituais reprodutivos. As mariposas são exterminadas por sua atração pela luz, mas não se deve esquecer que elas polinizam mais plantas do que as abelhas (cujos números também estão diminuindo). O problema da polinização é tão grave que, como conta Eklöf, há alguns anos, fotos de um pomar em Sichuan, na China, mostravam trabalhadores com escadas polinizando flores à mão. Trabalhando rápido, um deles poderia polinizar três árvores por dia; uma pequena colméia pode fazê-lo cem vezes mais rápido.
Outro efeito colateral da iluminação artificial é que, quando você vai para uma área sem iluminação, a escuridão é mais escura, por assim dizer, porque o olho demora para se adaptar e reativar os bastonetes (sensíveis à intensidade da luz) e desativar os cones (sensíveis às cores) da retina. O olho humano é um dos sentidos mais precisos, capaz de perceber um único fóton, o que, segundo cálculos, equivale a uma câmera de 576 megapixels. Assim, à noite, quando nossos olhos se adaptam a níveis de luz muito baixos, podemos enxergar muito bem. Com a lua cheia, podemos caminhar rapidamente por um caminho íngreme, mas a luz artificial nos cega para tudo o que acontece no escuro que facilmente teríamos visto em tempos anteriores. Aqui está outro caso em que a revolução tecnológica dá e tira ao mesmo tempo.
Uma consequência imprevista de tudo isso é que a poluição luminosa criou um turismo da escuridão, que busca lugares (agora raros) onde a escuridão é total e no horizonte não se percebe a menor reverberação das luzes de uma cidade, por mais longe que esteja. Grandes somas de dinheiro e energia podem ser gastas na busca do que trabalhamos tanto para derrotar: a escuridão. Como nos conta Paul Bogard em The End of Night: Searching for Natural Darkness in an Age of Artificial Light (2013), para encontrar a escuridão em Las Vegas é preciso ir ao Vale da Morte, um dos lugares mais escuros do continente norte-americano, onde, escreve Bogard, a luz da Via Láctea é tão brilhante que projeta sombras no solo, enquanto o brilho de Júpiter é brilhante o suficiente para interferir em sua visão noturna. Foi no deserto do Atacama, um dos lugares mais escuros do planeta, que aconteceu a ZeroNights em 2012, a primeira conferência mundial em homenagem à escuridão com a presença de astrônomos, neurobiólogos, zoólogos e artistas.
Assim, formou-se uma comunidade de “amantes do escuro”, que tem seus próprios livros de culto, como Em louvor da sombra (1933), de Junichiro Tanizaki, um verdadeiro elogio à penumbra, único ambiente que permite capturar todas as nuances, com seus grupos — como a Dark Sky Association, fundada por um punhado de astrônomos americanos em 1988 — e com seus santuários, parques e reservas. De acordo com um de seus estudos interessantes, os amantes do escuro afirmam, de forma contraintuitiva, que a iluminação pública pode diminuir a segurança, ao facilitar a visualização de vítimas e propriedades. A luta deles é nobre e corajosa, mas as perspectivas de sucesso são duvidosas, dada a fome de luz que consome nossa espécie. Por falar em consumo, as lâmpadas LED consomem muito menos energia do que as lâmpadas de incandescência e por isso utilizam-se muitas mais, o que aumenta a emissão total de luz. Calcula-se que nos EUA e na Europa luzes desnecessariamente fortes ou mal direcionadas (apontando para o céu ou outros espaços que não precisam ser iluminados) geram emissões de dióxido de carbono equivalentes às produzidas por 20 milhões de carros, no entanto, a cada ano a porção iluminada do planeta cresce inexoravelmente. Sei que é banal fazê-lo, mas não posso deixar de pensar nas duas coisas que, para Immanuel Kant, “enchem a mente de admiração e espanto sempre novos e cada vez maiores, quanto mais frequente e constantemente refletimos sobre elas: o céu estrelado sobre minha cabeça e a lei moral dentro de mim”. Poderia Kant ter imaginado que o céu acima de nós em algum momento não estaria mais cheio de estrelas? O que nos leva a nos perguntar se a lei moral que carregamos dentro de nós também desaparecerá ou se já se perdeu.