A derrubada militar do governo no Níger foi respondida com ameaças de uma invasão orquestrada pelo imperialismo que poderia desencadear uma guerra em toda a região. A situação está evoluindo rapidamente, e a cada dia que passa há uma intensificação da luta. Todas as pessoas que se opõem ao militarismo dos EUA e apoiam a independência dos povos da África devem prestar muita atenção a essa frente crítica de luta. Esses seis atores chave desempenharão um papel central no resultado dos eventos dramáticos que estão se desenrolando.
O novo governo nigerino
Em 26 de julho, os militares do Níger depuseram o governo pró-ocidental de Mohamed Bazoum. Esse esforço foi liderado pelo comandante da Guarda Presidencial, general Abdourahmane Tchiani. O golpe de Tchiani foi apoiado pela maior parte dos militares, que agora governam o país por meio do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria, formando um gabinete provisório em 10 de agosto. O Conselho ainda está nos primeiros dias de articulação de seu programa político e econômico, mas declarou que seu objetivo é acabar com a dominação neocolonial que o Níger vem sofrendo há décadas sob a França e os Estados Unidos. Essa declaração foi recebida com amplo apoio popular. A expressão mais massiva disso ocorreu em 6 de agosto, quando aproximadamente 30 mil pessoas lotaram um estádio para um ato em repúdio às ameaças de intervenção estrangeira. Também houve protestos combativos na embaixada francesa.
O governo nigerino deposto
Sob o governo de Bazoum, o Níger tornou-se um dos últimos redutos remanescentes da influência militar e política ocidental. Uma aliança militar liderada pela França vem supostamente travando uma guerra contra grupos armados de fanáticos religiosos na região – que estão mais fortes do que nunca – há quase dez anos. Mas à medida que o povo da África Ocidental se levanta contra essa campanha militar e a relação neocolonial que ela pretende proteger, há cada vez menos países dispostos a receber tropas ocidentais. O Comando Africano do Departamento de Defesa dos EUA mantém uma enorme instalação de drones na Base Aérea 201 do Níger, perto da cidade de Agadez. O estabelecimento dessa base foi o maior projeto de construção já realizado pela Força Aérea dos EUA. O Pentágono tem cerca de 1.100 soldados alocados no Níger, e a França tem aproximadamente 1.500. Bazoum está atualmente em prisão domiciliar e enfrenta acusações de alta traição por conspirar com potências estrangeiras para minar a soberania de seu país.
CEDEAO
A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental foi formada em 1975 e atualmente tem 15 estados-membros. Ela sempre funcionou como uma ferramenta para as potências ocidentais coordenarem as políticas de seus regimes-clientes leais na região. A CEDEAO mantém uma “força de prontidão” militar composta por tropas de diferentes estados-membros. Os estados da CEDEAO já suspenderam a participação do Níger na organização e impuseram sanções econômicas contra o país, mas agora ameaçam dar um passo além e realizar uma invasão. As potências imperialistas ocidentais preferem usar representantes regionais como a CEDEAO para realizar intervenções em nome da “democracia” em vez de correr o risco de travar uma guerra direta. Em uma cúpula realizada em 6 de agosto, a CEDEAO concordou em ativar sua força de prontidão, mas ainda não se comprometeu com detalhes específicos para uma intervenção militar.
Governos do Mali, Burkina Faso e Guiné
Uma onda de golpes nos últimos anos estabeleceu um bloco de governos que reivindicaram a soberania de suas nações e buscaram uma política externa e de segurança independente. Em 2021, o coronel Assimi Goïta assumiu o poder no Mali. O coronel Mamady Doumbouya seguiu o exemplo na Guiné no final daquele ano e, em setembro passado, o capitão Ibrahim Traoré tornou-se o presidente interino de Burkina Faso. Eles expressaram sua oposição à fracassada campanha de contrainsurgência liderada pela França e buscaram alianças com outros parceiros, inclusive a Rússia, para proteger seus países. Mali e Burkina Faso declararam que uma invasão do Níger pela CEDEAO seria considerada uma declaração de guerra contra seus países, e a Guiné também é aliada do novo governo do Níger. Esses novos governos – juntamente com o novo governo do Níger – contam com a participação de funcionários civis e militares que ocupavam posições de destaque na elite tradicional, mas que, ao mesmo tempo, estão expressando posições a favor da independência. A partir dessa situação contraditória, várias correntes e trajetórias políticas diferentes podem surgir à medida que os novos governos lidam com a realidade da busca pelo desenvolvimento nacional em um contexto econômico dominado por bancos e corporações ocidentais.
Movimentos populares da África Ocidental
A África Ocidental tem uma longa tradição de movimentos de massa que lutam pela independência e pelo socialismo. As organizações de esquerda observaram as possibilidades políticas que se abriram como resultado dessa onda regional de sentimento anticolonial e o perigo extremo que uma intervenção da CEDEAO apoiada pelo imperialismo representaria. O Movimento Socialista de Gana apontou que ” os verdadeiros beneficiários de um ataque da CEDEAO ao Níger são as forças imperialistas ocidentais. A França está lutando para manter gerações de pilhagem e opressão cruéis que os africanos ocidentais rejeitaram. Sem o urânio nigerino, os custos de eletricidade da França aumentarão significativamente, mergulhando o país em uma crise ainda maior.” A rede regional West African People’s Organization [Organização dos Povos da África Ocidental] exigiu que “a soberania do povo nigerino, em todas as situações, deve ser respeitada, pois somente ele está em posição de decidir a direção futura de seu país, e mais ninguém”. E o Partido Comunista do Benin declarou que “os povos africanos e os da nossa sub-região estão engajados em uma luta até a morte contra as potências imperialistas e, em particular, contra o FrançAfrique [sistema de dominação regional pela França]. Todos aqueles que se opuserem a essa marcha inexorável serão relegados à lata de lixo da história.”
Os governos da França e dos EUA
As potências imperialistas dominantes na região, a França e os Estados Unidos, estão profundamente preocupadas com o fato de seu domínio sobre a África Ocidental estar cedendo em um momento em que todo o continente se tornou uma área prioritária para a nova “grande competição de poder” da Guerra Fria contra a Rússia e a China. A pilhagem dos recursos do Níger é especialmente crucial para a França, que depende muito do urânio do país. Para os Estados Unidos, o Níger é um posto militar importante, pois o Pentágono busca expandir o seu Comando Africano. Eles querem restaurar o antigo governo no Níger, mas têm medo de se envolver diretamente em combates mortais e em uma ocupação potencialmente longa e custosa. Por isso, querem que seus fantoches regionais travem a luta por eles. A ministra das Relações Exteriores, Catherine Colonna, disse que a França “apoia com firmeza e determinação os esforços da CEDEAO para derrotar essa tentativa de golpe”. Há também indicações de que o bem-estar do ex-presidente Bazoum poderia ser o pretexto para uma invasão que seria anunciada ao público como uma missão de resgate. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em 10 de agosto: “Assim como a CEDEAO, os Estados Unidos responsabilizarão o Conselho para a Salvaguarda da Pátria pela segurança e proteção do presidente Bazoum, de sua família e dos membros do governo detidos”.