A Revista Opera tem o prazer de apresentar ao público brasileiro a série portuguesa de ficção científica ‘42, escrita por João Camargo, pesquisador de mudanças climáticas e militante do movimento por justiça climática, e ilustrada pelo cartunista, pintor e ilustrador Nuno Saraiva. A série, escrita em português de Portugal, já foi publicada em espanhol, e será publicada em inglês e italiano. A versão brasileira fica por conta da Revista Opera.
“’42 começa no fim. O futuro em que se conseguiram travar os piores cenários de mudanças climáticas começa na Lisboa de 2042, uma cidade muito transformada em quase tudo: transportes, energia, alimentação, água, lixo, o Rio Tejo e a comunidade. Em vez do exercício linear da construção de uma descrição limpa, higiênica, contada apenas pelo lado vencedor e com poucas contradições, desde ‘a’ até ‘b’, em ’42 vamos ter retratos do que aconteceu em Lisboa e em cidades por todo o mundo, testemunhos, notícias, documentos dos anos loucos em que quase tudo mudou. Guerras, migrações em massa, traições, episódios trágicos e heróicos, revoluções, transformações, um pouco de tudo aconteceu para chegarmos a 2042 e haver novamente esperança no futuro.”
Os episódios da série serão publicados semanalmente. A seguir, o prólogo.
Prólogo
A temperatura média global do planeta em 2041 foi de 15.2ºC, subindo depois de três anos consecutivos em queda. São 1.4ºC acima da época pré-industrial. Em 2042, a temperatura está mais alta do que no ano passado.
Nas últimas décadas já chegamos a 15.6ºC, a temperatura mais elevada registrada no planeta nos últimos 120 mil anos, provavelmente a mais alta em 3 milhões de anos.
Segundo o WCS, Serviço Mundial do Clima, que compila e divulga as estatísticas meteorológicas, atmosféricas e climáticas de todo mundo, as emissões de gases com efeito estufa em 2041 foram de 24,4 Gt de dióxido de carbono equivalente, voltando aos níveis de emissões globais do ano de 1970. O objetivo do Tratado Mundial do Clima é que em 2050 as emissões sejam menos que metade disso.
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é de 430 partes por milhão, tendo decrescido lentamente na última década.
Há 7,5 bilhões de habitantes no planeta.
Lisboa
Alexandre pousa a cabeça no colo de Lia, a sua companheira. Estão em casa, na Rua da Cruz de Santa Apolónia, junto às margens do rio Tejo. Lia está grávida de sete meses.
– António, se for menino. – diz Alex, cujo pai, falecido há dois anos, tinha o mesmo nome.
– E Marta se for menina?
– Não. Marta não.
– Porquê? Era o nome da sua mãe. – responde Lia, espantada. Os pais dela estão vivos, mas Alex perdeu os seus na última década. Lia sabe que os pais de Alex eram militantes ecomunistas desde o início do movimento, mas Alex não costuma falar sobre isso.
– Se for menina, podemos chamá-la Carolina. Ou Catarina.
– Eu gosto muito do nome Marta. Além disso, seria uma homenagem à sua avó.
– Uma homenagem? Quem é que vamos homenagear?
– Ela não foi uma revolucionária do movimento? Uma organizadora que ajudou na Grande Mudança?
– Talvez. Mas na verdade não sei. Sei o que o meu pai fez por aqui, mas ele nunca me contou o que é que ela fez depois de partir. Lembro-me de nos deixar quando eu tinha quinze anos e de só a ver uma vez mais. E, dessa vez, ela não me disse quase nada. Foram dez anos sem chamadas por telefone, sem vídeo, sem cartas. Sem mãe. Nada até chegar a notícia de que morreu e do seu funeral, cheio de pessoas que eu não conhecia.
– E você não quer saber mais?
– Ah, não. Tenho mais o que fazer. Ela fez as suas escolhas e eu não fiz parte delas. Felizmente o meu pai ficou. Ficou por mim. E foi muito importante para o que aconteceu aqui, apesar de nunca ter querido que ninguém lhe fizesse homenagens. – Uma lágrima escorreu pelo rosto de Alex. – A partida dela também o destruiu e amargurou, especialmente no fim da vida.
– OK, meu amor. Também gosto de Carolina. Ou Antónia? – Lia beijou-lhe a mão e ele sorriu com uma careta. – Mas acho que você precisa saber o que aconteceu.
– Tentei durante anos, mas o meu pai nunca me ajudou.
– Nosso bebê merecia saber a história da sua família.
– É você que quer saber, não é, enxerida? – disse ele, rindo.
Lia deu uma palmada no ombro do seu companheiro.
– Sim, também estou curiosa e quero saber. Se fosse a minha família, com certeza não ia parar até descobrir tudo.
– Vou pensar nisso. Talvez depois da criança nascer.
– Pensa. Eu ia gostar muito.
Em maio de 2042, o António nasceu.