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Marçal deve ir ao segundo turno, e debate na Globo é central para definir quem irá com ele

Ação espetacular prometida por Pablo Marçal desde o início da campanha poderá se materializar no debate da Globo desta quinta-feira

Pedro Marin
O candidato Pablo Marçal gesticula e olha diretamente para a câmera durante debate Folha/UOL. No seu paletó, há um adesivo com seu número: 28.
O candidato Pablo Marçal (PRTB) durante debate entre os postulantes à Prefeitura de São Paulo promovido pela Folha e UOL, no auditório do UOL na Faria Lima, região central da cidade, na manhã desta segunda (30). (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

Iniciei e terminei meu último artigo sobre as eleições paulistanas com uma referência à passagem d’O Príncipe na qual Maquiavel descreve como César Bórgia, após se apoderar da Romanha, indica Ramiro de Lorca para comandar a região. Tendo este último imposto a ordem na Romanha por vias sanguinolentas, como queria o duque, Bórgia o demite e mandá matá-lo, cortando seu corpo ao meio e expondo-o em praça pública, decapitado, junto de um bastão e uma faca. Maquiavel diz que “a ferocidade daquele espetáculo fez o povo ficar, ao mesmo tempo, satisfeito e estupefato”. A citação aparecia no início do artigo, em referência à cadeirada desferida por Datena contra Marçal, mas também no fim, antevendo o que Marçal faria após ter seu personagem quebrado pelo ato de Datena: “A ver qual espetáculo feroz o coach-candidato buscará produzir nas próximas semanas para deixar o povo satisfeito e estupefato frente à urna.” Alguns dias depois, no debate no Flow, um assessor de Marçal, Nahuel Medina, desferiu um soco feroz contra o rosto de Duda Lima, marketeiro de Nunes, no que aparentemente foi uma ação premeditada.

Ocorre que a lista de espetáculos ferozes não acaba por aí. Marçal, desde o início da campanha, vem prometendo um grande feito para o último debate antes das eleições municipais, a ocorrer hoje, na TV Globo, às 22h00. A esta altura, a três dias dos eleitores se encontrarem com as urnas, mesmo uma falsificação grotesca pode garantir a Marçal sua ida ao segundo turno; e tomando em conta a amplitude de inimizades que o candidato-coach construiu ao longo de sua campanha, somente uma vitória poderá livrá-lo de uma implacável perseguição da Justiça e das polícias, estimulada pelos vários atores cujos planos Marçal, com sua ascensão, pôs em risco.

Mas, mesmo que Marçal não recorra a estes métodos escusos, é quase certo que estará no segundo turno. As pesquisas da última semana divergem nos números, mas todas apontam uma situação de empate técnico entre Nunes, Boulos e Marçal: na AtlasIntel, Boulos tem 29,4%; Marçal 25,4%; Nunes 22,9%. Na Datafolha, Nunes liderava com 27%; seguido de Boulos, com 25%; e Marçal, com 21%. Na Quaest, Nunes tinha 24%; também seguido de Boulos, com 23%; e Marçal, com 21%. Na Real Time Big Data, era Boulos quem liderava, com 26%; seguido de Nunes e Marçal, ambos com 25%. Mais importante do que o empate é o fato de todas as pesquisas terem captado uma queda de Nunes, com um crescimento de Boulos e Marçal: isto é, embora os números possam variar, a tendência do movimento parece se confirmar em todas as pesquisas.

Por que, então, digo que é muito provável que Marçal esteja no segundo turno, mesmo com a maior parte das pesquisas apontando-o ou atrás de todos, ou empatado com Nunes?

É que Marçal foi o único candidato que, desde o início da campanha, conseguiu construir-se como o favorito a ser premiado por aqueles que só decidem seu voto dias antes da eleição ou mesmo só de frente da urna. Este é um movimento histórico, observável em toda eleição no Brasil, e bastante relevante nas eleições municipais. Na pesquisa AtlasIntel, que aponta segundo turno entre Boulos e Marçal, este público é de 2,5% (entre Brancos/Nulos e aqueles que não sabem em quem votarão). Na Quaest, que aponta Nunes e Boulos no segundo turno, é de 15%. Na Datafolha, são 9%. Na Real Time Big Data, em que Nunes e Marçal empatam na disputa pela vaga, são 7%. Este eleitor normalmente é advindo das classes mais baixas e tem pouca confiança na política, e qualquer movimento seu, num cenário tão apertado, decide o pleito. Por Marçal ter centrado sua comunicação neste público de uma forma radical – mais radical, ao menos na forma, que o candidato à esquerda –, e por ter se tornado, efetivamente, o ator principal dos debates e das polêmicas nesta campanha, sempre sob a aura do “antissistema”, é que provavelmente conquistará uma parte desse voto, que de outra forma ou seria anulado ou iria para o candidato que estivesse no santinho entregue ao eleitor na esquina do local de votação. É mais por isso – e não tanto pelo voto envergonhado, embora este também não seja desprezível – que é muito provável que Marçal esteja no segundo turno; o que, caso Marçal consiga fazer da Globo, hoje, mais um palco para seus espetáculos, só se converterá numa certeza.

Nunes também pode surpreender com este mesmo público, dado que tem a máquina na mão, que nas eleições municipais costuma se materializar em peruas distribuindo dinheiro e cestas básicas nas periferias. E não é desprezível que, nos últimos anos, a centro-esquerda tenha crescido nos dias imediatamente anteriores às eleições, por meio do esforço militante que consegue mobilizar. Mas, quanto a este último ponto, parece limitado o impacto que pode ter neste público desinteressado e de classe baixa, que nesta eleição não só é o mais importante, mas efetivamente o decisor máximo do resultado, especialmente levando em conta que a campanha de Boulos, desde o início, não pareceu privilegiar a mobilização de suas próprias bases.

Caso Nunes e Marçal acabem se confrontando num segundo turno, qualquer esforço de análise será simplesmente pedagógico; serão dois projetos destrutivos para São Paulo e para o futuro do Brasil em disputa, sem que se possa delinear sequer qual seria “menos pior”. Caso o segundo turno fique entre Nunes e Boulos, a campanha psolista parece bem preparada – afinal, foi este cenário que moveu sua estratégia desde o início. E caso Boulos e Marçal passem, não será disputa fácil, embora muitos apostem que este seja o melhor cenário para o psolista: é verdade que as simulações de segundo turno das pesquisas apontam sempre para a vitória de Boulos neste cenário (48% a 40% na AtlasIntel; 47% a 38% na Datafolha; 41% a 36% na Quaest; 40% a 39% na Real Time Big Data), mas o segundo turno é outra campanha, na qual Boulos não poderá ignorar Marçal nos debates, e na qual o candidato-coach terá, além de suas redes e suas ações espetaculares nos debates, também o tempo de rádio e TV com o qual não contou até aqui. Neste cenário, parece mais factível um esforço de moderação por parte de Marçal – como ele já tem feito –, com o objetivo de reduzir sua reprovação do que uma radicalização de Boulos que fosse capaz de converter os setores populares e com uma inclinação antissistêmica que, então, teriam concedido o bilhete para o segundo turno a Marçal.

Veremos se nosso simulacro disforme e pervertido de Bórgia produzirá seu espetáculo, e quem, senão ele mesmo, fará o papel de Lorca.

​​(*) Pedro Marin é fundador e editor-chefe da Revista Opera. É editor de Opinião de Opera Mundi, autor de “Aproximações sucessivas – O Partido Fardado nos governos Bolsonaro e Lula III”, “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”, e co-autor de “Carta no Coturno – a volta do Partido Fardado no Brasil”.

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