Não que hajam gurus genuínos ou inofensivos, é claro. Ainda assim, governos em todo mundo provavelmente não lamentarão a morte recente de Gene Sharp, amplamente conhecido como o pai de tumultuosas “revoluções coloridas” na memória recente. A sua partida também não deverá ser motivo de tristeza por massas amontoadas pelo mundo, que foram cinicamente iludidas pelas falsas promessas desse guru criado pela mídia e seus zelosos e corruptos colaboradores locais. Eles não têm motivo para ser gratos por serem instrumentalizados para a troca de uma algema pela outra – a última sendo frequentemente pior do que a primeira.
Curiosamente, foi justamente o apito do establishment, o “The New York Times”, que maliciosamente lamentou a morte do “rebelde” Sharp como um “filho de pregador cujo evangelho de luta não-violenta inspirou revoluções de veludo que derrubaram ditadores em quatro continentes, [que] morreu em 28 de janeiro em sua casa em Boston. Ele tinha 90 anos.”
As coisas são, é claro, consideravelmente mais complexas do que isso.
Ele foi sistematicamente falseado ao público como um acadêmico modesto, tímido e de bom coração, ligado de forma passional à risível agenda humanista de guiar os oprimidos para levar a frente a bandeira da democracia e derrubar ditadores em todo o mundo. Mas num palco mais amplo Sharp foi, na realidade, um uma figura institucional fundamental no que se refere a construir a estrutura teórica para uma onda de “revoluções coloridas” nas últimas duas décadas. Ao lado de seu ajudante, Col. Robert Helvey, um funcionário da inteligência que virou um “acadêmico” (como Sharp), ele trabalhou no “modelo” para uma avalanche de operações de subversão política em ao menos “quatro continentes”, como sua homenagem póstuma no “The New York Times” disse. Até o momento, o modelo que eles criaram foi aplicado em mais de uma dezena de golpes bem sucedidos, e diversos golpes fracassados.
Gene Sharp e o Col. Robert Helvey são os principais teóricos dessas revoluções pseudo-democráticas, dirigidas de cima, que são preparadas de maneira profissional para enganar o olho não treinado, fazendo-o imaginar que o que se passa são rebeliões espontâneas que começam de baixo. Suas dissertações populares sobre o tema, como o “Self-liberation” e “From Dictatorship to Democracy”, podem ser facilmente encontradas na internet por qualquer um que as deseje ler. Assim como as “revoluções” que eles apoiaram, Sharp e Helvey também criaram audaciosamente uma carapaça falsa para si. Eles dissimularam figuras benignas instaladas em nichos arcanos do mundo acadêmico, apaixonadamente comprometidos com a causa da democracia pura. Na verdade, no entanto, eles pertenciam e operavam em um meio inteiramente diferente, de agências de inteligência levadas a conspirações políticas.
Como o analista político francês Thierry Meyssan notou astutamente, “Sharp sempre foi presente em qualquer lugar onde os interesses norte-americanos foram postos em risco.” Que coincidência! Seu colaborador, Helvey, havia servido em uma base norte-americana no Myanmar e, também coincidentemente (sem dúvidas!) isso foi em um tempo em que o movimento “pró-democracia” doméstico estava se firmando naquele país. Sua tarefa era tomar o poder e realinhar as políticas do Myanmar à órbita política do Ocidente. Nada disso é segredo, e pode ser facilmente verificado com alguns cliques na internet.
A primeira e fundamental lição da doutrina de Sharp é a de que a “mudança” (sempre entendida exclusivamente como o reajuste das políticas do estado escolhido, para que se adaptem aos requerimentos e ditames da Aliança Atlanticista) não é conseguida somente encorajando a população a reconhecer que vive na miséria e fazê-los protestar quanto a isso. A mudança – de acordo com Sharp – é conseguida por meio de “planejamento estratégico [que] pode contribuir para que a aplicação da luta não-violenta seja significantemente mais efetiva que protestos e resistência sem planejamento estratégico.” O que parece ser um lugar-comum, apesar de ser uma ideia grávida de profundas implicações práticas. Essa concepção pressupõe uma operação séria, que nem é espontânea nem emocional, mas preparada com cuidada, medida e calculada. Alvos potenciais, instrumentos e vítimas de tal operação deveriam ignorar a carapuça “inocente” da retórica de Sharp, e prestar atenção na substância sem piedade de seu projeto.
O próximo ponto no qual Sharp insistiu, que também merece atenção por parte das suas vítimas, que normalmente estão dispostas a subestimar seus oponentes “não-violentos”, é algo que Sharp chama de “pensamento estratégico.” De acordo com Sharp, esse conceito se refere à “habilidade de fazer análises realistas do que deveria ser feito para a situação ser alterada e para que se alcance o objetivo desejado […] Esses planos deverão incluir análises sobre como o conflito de grande duração se iniciará, como as atividades se desenvolverão, e como as sub-estratégicas e campanhas individuais por questões limitadas devem contribuir para que se alcance, finalmente, o objetivo principal.”
Estudantes que, antes de descobrir Sharp, estudaram Lênin, irão inevitavelmente reconhecer nas reflexões do ideólogo da “revolução democrática não-violenta” a influência do conceito Leninista do “programa máximo e programa mínimo.” Seguindo no mesmo espírito leninista, Sharp disse que “um fator importante quando se formula uma grande estratégia é o teste da capacidade da campanha de resistência no que se refere a se esta vai enfraquecer ou fortalecer o poder do oponente.” Especificamente neste aspecto, “atos de não-cooperação (também chamado de boicote) social, econômica ou política constituem grandes possibilidades dentre os métodos de luta não-violenta disponíveis.” Em outras palavras, o objetivo da construção da operação política pseudo-revolucionária é conseguir a paralisação dos meios de defesa e instituições do sistema escolhido, o que facilita enormemente na tarefa de demolí-lo.
No que se refere à espontaneidade do processo, Sharp ensinou que “os primeiros passos de uma luta de grande duração que tem como foco acabar com uma ditadura deverão, portanto, ser altamente limitados e encenados com cuidado.” A palavra “encenado” nos diz muito. Ela deriva da terminologia teatral. Um sinônimo político bom seria “maquinado.”
Sharp agora está pronto para administrar o golpe mortal contra o governo escolhido. Os “pilares de suporte” enfraquecidos do regime (existem seis fundamentais, de acordo com ele), são atacados pelo assalto concentrado da infantaria de ONGs locais – de acordo com o comentarista russo Mikhail Leontyev, por meio de “recrutamento banal – uma mistura complicada de egoísmo, carreirismo, intimidação e chantagem.” Uma vez que o trabalho esteja completo, com algumas poucas exceções, a multidão rebelde é desmobilizada empurrada para longe ad acta. Foi exatamente o que aconteceu com quase todos os cinicamente utilizados membros do movimento sérvio “Otpor” depois de 2000, que teve Sharp como seu padrinho e que executou com sucesso o golpe anti-Milosevic, para o benefício dos controladores ocidentais. A maior parte de seus recrutas nunca mais apareceram; coisas similares ocorreram na Ucrânia e em outros países.
Esclarecidos, evitando qualquer análise comparativa das condições reais nos países imperialistas que os patrocinam, demagogos e agitadores profissionalmente treinados que atuam sob a inspiração de Sharp são ensinados a utilizar habilmente dificuldades e deficiências locais em seus países de origem. O objetivo é ganhar controle da energia de descontentamento, para canalizá-la de forma destrutiva, exatamente como o manual prescreve. Essa é a essência da Tecnologia da Mudança Política de Sharp.
Para resumir. O “idealista” Gene Sharp pintou uma imagem radiante da “nova ordem política [que] possibilita que melhorias progressivas aumentem e sejam alcançadas, como pode ser requerido pelas necessidades da sociedade e decisões populares. O caminho será aberto para a construção de um sistema democrático, livre e durável.”
No entanto – e não que alguém tenha pedido que ele o fizesse, mas se alguém pedisse – Sharp não seria capaz de citar qualquer país, com evidências, que foi “liberado” graças à aplicação de seu “modelo” exposto em manuais subversivos que ele escreveu. Completamente desconhecida é a terra feliz onde, depois de ter sido submetida à aplicação das doutrinas de libertação de Sharp, foram detectadas quaisquer “melhorias progressivas” ou onde alguma coisa parecida com a tomada de decisão popular foi observada.
Estudantes que ainda assim consideram entrar na sua “escola da democracia” devem se lembrar que Gene Sharp, durante a sua vida, pode ter sido um charlatão, mas que seus ensinamentos não se mantiveram completamente estéreis. Eles de fato conseguiram certos frutos, ainda que não aqueles cujos mentores prometeram ou que seus ajudantes esperavam. Os resultados reais vão de terras devastadas economicamente, socialmente ou politicamente, como a Sérvia e Ucrânia, ao colapso geral, como na Geórgia sob a liderança do boneco pró-ocidental Saakashvili, para citar somente alguns exemplos.
O destino destes e de outros países sem sorte, selecionados para o tratamento de Sharp e alvos de incessantes golpes dos mercenários das ONGs locais (financiadas principalmente por Soros, aliás) sem dúvidas foi lúgubre. Para ser justo, é necessário apontar que em termos do resultado final – que é a destruição de regimes antimperialistas não-conformados, a aplicação, por si só, da tecnologia subversiva da Sharp não é ruim. Trata-se somente de um componente, de um menu maior, de mecanismos ofensivos que são usados de modo combinado para alcançar a derrubada ou a implosão de governos desobedientes. Com amplo suprimento de dinheiro via Soros para abastecer o entusiamo (ou a avareza) da infantaria de rua de Sharp, satanização internacional na mídia, isolamento das lideranças do país, desestabilização financeira e econômico e pressão externa, bem como um paciente processo de recrutamento de inteligência de longo-termo e a corrupção de figuras locais e instituições para que se inicie a “revolução colorida”, pouco foi conseguido somente ao se seguir as supostas “lições brilhantes” de Sharp.
Sem patrocínio estatal, o “Instituto Albert Einstein”, de Gene Sharp, e suas lições não chegariam a lugar algum.
Sharp é uma fraude. Seus manuais de ação política mostraram não serem instrumentos nem independentes nem novos de ação política, mas, ao contrário, somente mais uma operação ilusionista de propaganda para prover cobertura e servir de distração para todos os métodos clássicos de intervenção imperialista.