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Revolta armada: por que Israel não pode esmagar a resistência na Palestina

A próxima Intifada na Palestina será armada, não-faccional e popular, com consequências que são muito difíceis de avaliar.

A próxima Intifada na Palestina será armada, não-faccional e popular, com consequências que são muito difíceis de avaliar. Por Ramzy Baroud – Tradução de Pedro Marin
Manifestantes participam de ato no Reino Unido contra a empresa o fornecimento de drones da empresa UAV Tactical Systems para Israel. (Foto: Great Central Gazette)

Os números podem ser desumanizantes. No entanto, quando colocados em seu devido contexto, eles ajudam a esclarecer questões mais amplas e a responder perguntas urgentes, como por que a Palestina ocupada está no limiar de uma grande revolta. E por que Israel não consegue esmagar a resistência palestina, por mais esforço ou violência que empreenda.

É nesse momento que os números se tornam relevantes. Desde o início deste ano, quase 200 palestinos foram mortos na Cisjordânia ocupada e em Gaza. Entre eles estão 27 crianças.

Se imaginarmos um mapa de calor correlacionando as cidades, os vilarejos e os campos de refugiados das vítimas palestinas da rebelião armada em andamento, veremos imediatamente conexões diretas. Gaza, Jenin e Nablus, por exemplo, pagaram o preço mais alto pela violência israelense, o que faz delas as regiões que mais resistem.

Não é de surpreender que os refugiados palestinos tenham estado historicamente na vanguarda do movimento de libertação palestina, transformando campos de refugiados como Jenin, Balata, Aqabat Jabr, Jabaliya, Nuseirat e outros, em pontos quentes de resistência popular e armada. Quanto mais Israel tenta esmagar a resistência palestina, maior é a sua reação.

Tomemos Jenin como exemplo. O rebelde campo de refugiados nunca deixou de resistir à ocupação israelense desde a famosa batalha e o subsequente massacre israelense de abril de 2002. A resistência continuou lá em todas as suas formas, apesar do fato de muitos dos combatentes que defenderam o campo contra a invasão israelense da Segunda Revolta Palestina, ou Intifada, terem sido mortos ou presos.

Agora que uma nova geração assumiu o controle, Israel está de volta. As incursões militares de Israel em Jenin se tornaram rotineiras, resultando em um número crescente de vítimas, embora com um preço também para Israel.

A mais notável e violenta dessas incursões ocorreu em 26 de janeiro, quando o exército israelense invadiu o campo, matou dez palestinos e feriu mais de vinte outros.

Mais palestinos continuam a ser mortos à medida que os ataques israelenses se tornam mais frequentes. E quanto mais recorrentes são as invasões, mais dura é a resistência, que se expandiu para além dos limites de Jenin, chegando a assentamentos judeus ilegais, postos de controle militares e assim por diante. É de conhecimento geral que muitos dos palestinos que Israel acusa de realizar operações contra seus soldados e colonos vêm de Jenin.

Os israelenses talvez queiram considerar sua violência na Palestina como autodefesa. Mas isso é simplesmente impreciso. Um ocupante militar, seja na Palestina – ou em qualquer outro lugar, aliás – não pode, por definição legal estrita, estar em estado de autodefesa. Esse último conceito só se aplica a nações soberanas que tentam se defender contra ameaças em suas fronteiras internacionalmente reconhecidas ou dentro delas.

Israel não apenas é definida pela comunidade internacional e pela lei como um “Poder Ocupante”, mas também é legalmente obrigada a “garantir que a população civil seja protegida contra todos os atos de violência”, conforme declaração do Secretário-Geral das Nações Unidas em 20 de junho.

A declaração foi uma referência ao assassinato de oito palestinos em Jenin, um dia antes. As vítimas incluíam duas crianças, Sadil Ghassan Turkman, 14 anos, e Ahmed Saqr, 15 anos. Não é preciso dizer que Israel não está investindo na “proteção” dessas e de outras crianças palestinas. É a entidade que está causando o dano.

Mas já que a ONU e outros membros da comunidade internacional se contentam com a emissão de declarações – “lembrando Israel” de sua responsabilidade, expressando “profunda preocupação” com a situação ou, no caso de Washington, até mesmo culpando os palestinos – que outras opções os palestinos têm, a não ser resistir?

O surgimento das Brigadas de Jenin, das Brigadas de Nablus, do grupo Cova dos Leões e de muitos outros grupos e brigadas desse tipo, formados principalmente por refugiados palestinos pobres e mal armados, não é um mistério. Uma pessoa luta quando é oprimida, humilhada e rotineiramente violada. Esse papel tem regido as relações e os conflitos humanos desde o princípio.

Mas a ascensão dos palestinos deve ser perturbadora para aqueles que querem manter o status quo. Um destes atores é a Autoridade Palestina (AP).

A AP perderá muito se a revolta palestina se espalhar para além das fronteiras do norte da Cisjordânia. O presidente da AP, Mahmoud Abbas, que goza de pouca legitimidade, não teria nenhum papel político a desempenhar neste cenário. Sem esse papel, por mais artificial que seja, os fundos estrangeiros se esgotarão rapidamente e a festa acabará.

Para Israel, os riscos também são altos.

As forças armadas israelenses, sob a liderança do inimigo de Netanyahu, o ministro da Defesa Yoav Gallant, querem intensificar a luta contra os palestinos sem repetir a invasão em larga escala das cidades em 2002. Mas a agência de inteligência interna de Israel, a Shin Bet, está cada vez mais empenhada em uma repressão em grande escala.

O ministro das Finanças da extrema direita, Bezalel Smotrich, quer explorar a violência como um pretexto para expandir os assentamentos ilegais. Outro político de extrema direita, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, está buscando uma guerra civil, liderada pelos colonos judeus mais violentos, o núcleo de seu eleitorado político.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que atualmente enfrenta os seus próprios problemas políticos e legais, está tentando dar a todos um pouco do que eles querem, mas tudo ao mesmo tempo. Os paradoxos desse cenário são uma receita para o caos.

Isso resultou na reativação, pelo ministro da Defesa Gallant, dos assassinatos aéreos de ativistas palestinos, pela primeira vez desde a Segunda Intifada. Os primeiros ataques desse tipo ocorreram na região de Jalameh, perto de Jenin, em 21 de junho.

Enquanto isso, a Shin Bet está expandindo sua lista de alvos. Certamente haverá mais assassinatos.

Ao mesmo tempo, o ministro das Finanças Smotrich já está planejando uma expansão maciça de assentamentos ilegais. E o ministro da Segurança Nacional, Ben Gvir está enviando hordas de colonos para realizar pogroms em pacíficos vilarejos palestinos. O inferno de Huwwara em 26 de fevereiro foi repetido em Turmus Ayya em 21 de junho.

Embora os EUA e seus parceiros ocidentais possam continuar a se abster de intervir em supostos “assuntos internos de Israel”, eles devem considerar cuidadosamente o que está acontecendo na Palestina. Não se tratam de negócios como de costume.

A próxima Intifada na Palestina será armada, não-faccional e popular, com consequências que são muito difíceis de avaliar.

Embora para os palestinos uma revolta seja um grito contra a injustiça em todas as suas formas, para pessoas como Smotrich e Ben Gvir, a violência é uma estratégia para a expansão dos assentamentos, limpeza étnica e guerra civil. Considerando os pogroms de Huwwara e Turmus Ayya, a guerra civil já começou.

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