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Colômbia: a paz com o ELN é possível?

Após 33 anos de idas e vindas nas negociações de paz entre o Estado e o Exército de Libertação Nacional (ELN), perspectiva da paz avança na Colômbia.
Após 33 anos de idas e vindas nas negociações de paz entre o Estado e o Exército de Libertação Nacional (ELN), perspectiva da paz avança na Colômbia. Por Helberth Croachí | Primera Línea – Tradução de Pedro Marin
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, durante o Terceiro Ciclo de Diálogos de Paz com o ELN, em Havana. (Foto: Andrea Puentes / Presidencia de Colombia)

O Exército de Libertação Nacional (ELN) da Colômbia é uma organização insurgente fundada em 1964, o que significa que vem travando 59 anos de luta político-militar, apesar de sua possível derrota militar ser anunciada a cada mandato presidencial. Como isso não aconteceu, vale a pena perguntar se não seria melhor optar pelo diálogo e pela negociação política: por que não buscar as transformações econômicas, políticas, culturais, ambientais e éticas que o país exige por meio de um grande Acordo Nacional? Parece que agora está surgindo uma nova oportunidade para esse caminho.

O Estado colombiano, reconhecido por muitos como “a democracia liberal mais antiga do continente americano”, deixou passar 26 anos desde o nascimento do ELN para, em meio a um confronto militar fratricida, fazer as primeiras tentativas de negociação política durante o governo de César Gaviria (1990-1994), no âmbito do Comitê de Coordenação da Guerrilha Simón Bolívar, que havia surgido como uma organização insurgente desde 1987. Essas conversações foram realizadas em Caracas (Venezuela) e em Tlaxcala (México), sem chegar a uma conclusão bem-sucedida.

Mais tarde, durante o governo de Ernesto Samper (1994-1998), novas abordagens foram buscadas por meio da Frente Internacional do ELN. Isso levou a conversações em Madri (Espanha) e nas cidades alemãs de Mainz e Wurzburg. Assim, em 1997, chegou-se ao “Acordo de Puerta del Cielo”, no qual a participação da sociedade no processo de negociação foi incorporada ao projeto de uma “Convenção Nacional” que, segundo o acordo, deveria ser “um processo com vários espaços de diálogo, com a capacidade de colocar propostas por parte dos representantes do Estado, da sociedade e das guerrilhas que dele participem”.

Também foi proposto que a Convenção buscaria “elaborar as bases de um acordo político sobre reformas e transformações sociais, com vistas à democratização do Estado e da sociedade. Seu desenvolvimento será realizado por meio dos mecanismos indispensáveis de natureza administrativa ou legislativa, e até mesmo por meio da organização de uma Assembleia Nacional Constituinte”. No entanto, devido a vazamentos de informações sobre o processo, as conversas foram congeladas.

Nos anos seguintes, durante os governos de Andrés Pastrana (1998-2002) e Álvaro Uribe (2002-2010), as negociações com o ELN foram retomadas sem nenhum acordo ou participação cidadã. Essa situação serviu para justificar a luta contra a insurgência com a implementação do Plano Colômbia e a política de Segurança Democrática, o que implicou para a Colômbia uma maior perda de soberania em termos geopolíticos, bem como violações sistemáticas dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. O resultado desse esforço de guerra também não mudou o cenário anterior: o ELN não estava morto.

Juan Manuel Santos, após os convulsivos esforços de guerra de seu tempo como ministro da Defesa de Álvaro Uribe, quando se tornou presidente (2010-2018), aplicou uma mudança na estratégia política e militar e iniciou um novo processo de negociação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e o ELN.

No caso do ELN, essa organização retomou o espírito do que havia sido acordado com o governo do presidente Samper em 1997, buscando a participação da sociedade e o progresso nos seis pontos das negociações em Quito (Equador), que se focavam em: 1. Participação da sociedade civil na construção da paz; 2. Democracia para a paz; 3. Transformações para a paz; 4. Vítimas; 5. Fim do conflito armado; e 6. Implementação.

Essa agenda permaneceu suspensa até a chegada ao governo do presidente Gustavo Petro e da vice-presidente Francia Márquez, o que demonstra que já se passaram três décadas desde as primeiras negociações e a guerra contra o ELN não foi resolvida nem com sua eliminação física nem com o abandono da luta armada. Será que devemos insistir, então, em prolongar a guerra, ou em construir o direito à paz com justiça social, por meio da negociação política e com a participação dos cidadãos?

Elementos essenciais para entender as negociações atuais com o ELN

Como resultado das negociações políticas entre o ELN e o atual governo, um processo de ciclos contínuos já foi definido como metodologia de trabalho.

No primeiro ciclo, que ocorreu em Caracas (Venezuela) de 21 de novembro a 13 de dezembro de 2022, quatro pontos foram acordados: i). Manter os seis pontos da agenda acordada com o presidente Santos; ii). Institucionalizar a Mesa de Negociação; iii). Estabelecer ações humanitárias; e iv). Realizar pedagogia e comunicação com vistas à participação cidadã. Até o momento, não houve progresso nesse último ponto.

O segundo ciclo, que ocorreu no México entre 13 de fevereiro e 10 de março de 2023, foi um dos mais importantes na história das negociações entre o Estado e o ELN, principalmente por causa de seu conteúdo programático, que poderia ser o caminho para mobilizar a participação cidadã nas seguintes questões:

• Foi estabelecida uma visão compartilhada da paz.
• O capitalismo e seu modelo de desenvolvimento genocida e desapropriação foram questionados.
• O tráfico de drogas e a corrupção foram incorporados como fatores condicionantes da crise institucional e do modelo de sociedade que rompeu com a ética do bem comum.
• Os partidos optaram por convocar os setores sociais a trabalhar com base na mobilização social para construir um grande Acordo Nacional que leve os cidadãos a atualizar e garantir as agendas de transformação que a situação social, política, econômica e cultural do país exige.
• Foi acordado que a participação dos cidadãos (ausente nas tentativas anteriores de negociação) deve ser ampla, democrática, diferenciada, deliberativa e levar em conta os contextos regionais e locais.
• Foi enfatizado que, para que haja garantias legais e mobilização social na construção da paz, o narco-paramilitarismo deve ser desmantelado.
• Foi definido o trabalho dos países garantidores e acompanhantes, bem como a metodologia da Mesa de Negociação, que permite espaços para participação na Mesa e nas delegações sem o risco de criminalização.
• Foi definido que os acordos parciais alcançados devem ser aplicados imediatamente e depois incorporados em um grande acordo.
• Foi proposto que o processo de negociação e suas conquistas se tornem políticas de Estado e que, enquanto houver progresso nas conversações, as partes não se aproveitem do cenário para avançar militarmente.

A terceira rodada de negociações, realizada em Havana (Cuba), terminou em junho passado e aprovou um cessar-fogo bilateral nacional e temporário por seis meses, com o intuito de continuidade. É o mais longo já acordado entre as partes na história. O elemento central da agenda de negociações também foi definido: a participação da sociedade por meio de um mecanismo inovador, com a criação do Comitê Nacional de Participação (CNP), que será composto por diferentes setores e organizações da sociedade para trabalhar no desenho metodológico de como a participação nos territórios poderá ser baseada no reconhecimento dos contextos, da diversidade e dos interesses que serão decisivos no processo de negociação, Esse é o espírito do que foi acordado no segundo ciclo e dos seis pontos da agenda geral de negociação, e será decisivo na atualização das agendas de transformação com o objetivo de forjar um Acordo Nacional que vá além do processo eleitoral e aprofunde as transformações (reformistas e estruturais) que a Colômbia requer.

Entretanto, é preciso ressaltar que o processo de negociação não tem sido linear e tranquilo. Ele leva tempo, é rochoso e espinhoso, é marcado pela desconfiança mútua e enfrenta uma opinião pública desfavorável; no entanto, o governo e os delegados do ELN superaram vários obstáculos e mantêm a vontade de continuar trabalhando em prol de uma solução política negociada que vá além da visão simplista de calar as armas e promover a pacificação.

A isso se soma a complexa dinâmica da guerra no país. Os atores na mesa de negociações também enfrentam outros atores armados, ligados especialmente à complexa rede narcoparamilitar, sua possível aliança com setores das Forças Armadas e os planos de um “golpe brando” contra o governo e a paz, o que coloca em risco constante as negociações, seus acordos e as tentativas de diminuir a escalada do conflito e promover a paz com justiça social.

Chegou a hora de o Congresso da República da Colômbia fazer com que o bem comum da paz seja uma prioridade. Juntamente com os cidadãos, devemos trabalhar para nos aproximar da mesa de negociações e habilitar todos os canais e mecanismos de participação, para que as demandas historicamente não atendidas e as novas necessidades dos territórios sejam o conteúdo programático da política pública e da transformação que nos permitirá alcançar um grande Acordo Nacional para que a paz deixe de ser uma esperança e se torne uma realidade.

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