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Imperialismo, sanções e neoliberalismo: as forças que moldam a imigração EUA-México

Nos EUA, ambos partidos avançam preocupante tendência de explorar a imigração para obter ganhos políticos
Javier Mendoza
Ativistas entregam suprimentos para imigrantes mexicanos em Guadalupe, México. (Foto: Michal Huniewicz / Flickr)

À medida que as temperaturas noturnas caem abaixo de zero no deserto de Sonora, milhares de solicitantes de asilo aguardam no muro da fronteira para que os agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras os transportem para centros de detenção e iniciem seu processo de asilo. Em dezembro de 2023, o setor de Tucson, Arizona, estabeleceu um novo recorde de ocorrências semanais, durante as quais os funcionários federais detiveram mais de 17,5 mil imigrantes em sete dias. Perto da cidade de Sasabe, no sul do Arizona, os solicitantes de asilo costumam esperar dias intermináveis em condições climáticas adversas, com pouquíssima comida, água e suprimentos. Quando os políticos belicistas usam a vida dos solicitantes de asilo como moeda de troca para negociar fundos militares em outros países, eles não reconhecem a crise humanitária e a causa do fluxo de solicitantes de asilo na fronteira sul. 

Atualmente, têm ocorrido debates tensos em Washington sobre a alocação de fundos adicionais para a fronteira; essas alocações foram propostas em conjunto com o aumento do financiamento para a guerra na Ucrânia e ajuda adicional a Israel. Os republicanos estão se recusando a aprovar qualquer orçamento adicional, a menos que a militarização da fronteira seja retomada e as regulamentações de aplicação de asilo sejam endurecidas. Como está atualmente, os imigrantes na fronteira são levados aos centros da Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP), onde iniciam o processo de asilo; no entanto, o processo é irregular e políticas como a Title 42 (a política COVID-19 que Trump usou para recusar requerentes de asilo na fronteira em nome da saúde pública) podem ser implementadas ou dispensadas (como no caso dos requerentes de asilo ucranianos) a qualquer momento. 

A crise da fronteira também está na mídia, já que o Texas provocou um conflito com o governo federal ao usar a polícia estadual e a Guarda Nacional para policiar sua fronteira com o México. Juntamente com o uso da imigração como um instrumento político, isso exemplifica uma tendência preocupante de ambos os partidos explorarem a vida dos solicitantes de asilo para obter ganhos políticos, enquanto a crise humanitária para os imigrantes se agrava.

Crise humanitária na fronteira do Arizona

O Liberation News entrou em contato com uma organização sem fins lucrativos que presta serviços jurídicos e sociais a imigrantes sem documentos e solicitantes de asilo no Arizona. O representante jurídico entrevistado pediu que sua identidade não fosse revelada. Quando perguntado sobre os obstáculos legais pelos quais os imigrantes têm de passar ao buscar asilo, o assistente jurídico descreveu o processo como longo e traiçoeiro.  

“A busca de asilo deve ocorrer na fronteira. É nisso que o asilo e o status de refugiado diferem. O processo é diferente entre adultos, famílias e menores desacompanhados (UACs). No caso dos UACs, eles são enviados para um abrigo de curto prazo após serem processados e detidos pela Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras. Uma vez em um abrigo de transição, eles têm permissão para se reunir com um patrocinador, se aprovado pelo Escritório de Reassentamento de Refugiados. Simultaneamente, eles agora têm um processo legal contra eles, no qual devem se defender das alegações de imigração que lhes foram apresentadas.”

O assistente descreveu como a estrutura do sistema dificulta a vida dos solicitantes de asilo e como o objetivo da estrutura é tornar quase impossível a jornada pelos tribunais de imigração. “Como as violações de imigração são consideradas uma infração civil, os imigrantes não têm direito a um advogado público, como é legalmente obrigatório no tribunal criminal”, continuou o assistente jurídico. Esses obstáculos institucionais são criados para incentivar os imigrantes a se auto-deportarem e retornarem ao seu país de origem.  

“Ouvi crianças que contaram histórias de abuso da patrulha de fronteira”, disse ele. “A maioria dos menores que chegam em busca de asilo sofre abuso verbal, interrogatórios, detenção sem alimentação adequada e agressões. Há menores que foram chutados pela patrulha de fronteira, esmurrados e deixados do lado de fora, no frio, por mais de 72 horas.” 

Grupos locais de ajuda humanitária, como o No Más Muertes (NMM), responderam à crise na fronteira fornecendo alimentos, água, roupas e abrigo aos solicitantes de asilo que estão presos no deserto. O NMM, em colaboração com a filial de Tucson do Party for Socialism and Liberation, fez uma convocação para que os membros da comunidade de Tucson doassem suprimentos e roupas para serem enviadas diariamente ao muro da fronteira.  Durante anos, a CBP perseguiu os voluntários da NMM por meio de intimidações e prisões. A CBP declarou que não tem capacidade para atender as necessidades humanitárias do grande volume de pessoas que cruzam a fronteira, mas a realidade é que a agência optou voluntariamente por não fornecer ajuda suficiente. 

Em um Tweet, a NMM descreve a falta de resposta da CBP como “negligência armada”. 

“Por que não houve uma resposta governamental mais coordenada à crise humanitária que se desenrola em campos de detenção a céu aberto ao longo da fronteira? A resposta é negligência armada. Qualquer ação que torne a busca de asilo mais humana é vista como um ‘incentivo’ para que mais pessoas venham, o que é o oposto da estratégia de prevenção por meio da dissuasão da fronteira dos EUA. O objetivo é o sofrimento. O objetivo é a violência”, declarou a organização

O imperialismo dos EUA como causa direta da imigração

Embora seja importante observar que a imigração é influenciada por muitos fatores, inclusive a busca por oportunidades econômicas, bem como a instabilidade política e as condições sociais no país de origem, é inegável que o imperialismo norte-americano tem desempenhado um papel enorme na formação dos fluxos migratórios nos últimos anos. O aumento de imigrantes vindos do Sul Global é um resultado direto da exploração econômica e da instabilidade política causada pelas potências imperialistas. 

Na última década, aumentou o número de imigrantes da Venezuela e de Cuba, dois países sob sanções desumanas impostas pelos Estados Unidos.  

A economia da Venezuela é altamente dependente do petróleo. Consequentemente, quaisquer restrições ao comércio de petróleo da Venezuela, como as sanções econômicas impostas pelos EUA, têm um impacto desastroso na economia do país. O povo da Venezuela se enfrenta com a decisão de sair ou suportar as consequências debilitantes dessas sanções, como escassez de alimentos, inflação, deterioração da educação, escassez de água e eletricidade e falta de medicamentos e higiene.

Em 2017, o número de residentes nascidos na Venezuela nos EUA era de pouco mais de 350 mil pessoas. Entre 2022 e hoje, o número de venezuelanos que cruzaram a fronteira dos EUA saltou de 189.520 para 262.633. Não é coincidência que 2017 tenha marcado o início desse aumento; 2017 foi o ano em que o governo Trump implementou novas rodadas de sanções contra a Venezuela, incluindo a Ordem Executiva 13808, que proibiu o comércio de títulos venezuelanos e o acúmulo de novas dívidas pelo governo nacional e pelas empresas petrolíferas. 

Com relação a Cuba, desde 1962, o cruel embargo que os EUA impuseram à ilha a impediu de comercializar com outras nações e ter acesso a recursos externos. Notavelmente, em 2021, Cuba desenvolveu sua própria vacina contra a COVID-19, mas teve dificuldade em distribuí-la devido à escassez de seringas, diretamente resultante das sanções. A grande maioria das pessoas que deixam Cuba o fazem por causa da asfixia econômica causada pelas sanções. Apesar do que a mídia ocidental quer que as pessoas acreditem, o governo socialista de Cuba não é o principal motivo da migração. Quase 87% dos cubanos apoiam o Partido Comunista de Cuba.  

Além disso, um grande número de solicitantes de asilo na fronteira também é do Oriente Médio e do Norte da África. A maioria deles busca o status de refugiado devido à violência política e à agitação em seus países de origem, causadas pela intervenção dos EUA, como foi visto nos últimos 20 anos no Iraque, na Líbia, na Síria e em outros lugares.

A opressão de imigrantes e solicitantes de asilo pode ser atribuída ao sistema capitalista. As táticas cruéis implementadas pelo imperialismo no exterior são trazidas de volta para casa para aterrorizar os solicitantes de asilo na fronteira. Hoje, vemos as pessoas saírem às ruas em apoio à luta palestina, mostrando que ninguém será totalmente libertado até que todos sejamos livres. Do México à Palestina, todos os muros precisam ser derrubados.

(*) Tradução de Raul Chiliani.

Liberation News o Liberation é o jornal do Party for Socialism and Liberation (PSL), dos Estados Unidos.

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