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Aprendendo com o México

Sheinbaum vencerá eleições do domingo no México, apesar da “correlação de forças” e do “avanço global da direita”, por uma razão simples: AMLO faz disputa política
Alfredo Serrano Mancilla
A candidata do Morena e provável sucessora de López Obrador no México, Claudia Sheinbaum, durante comício em Iztapalapa, na Cidade do México. (Foto: Morena Sí / Facebook)

Passam-se os dias, as semanas e os anos, e o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (AMLO) continua tendo um apoio majoritário. Ele tem contado com uma imagem sido positiva, sólida e estável durante todo o seu mandato. E não importa qual pesquisa você consulte. Todas elas concordam com o mesmo veredito: dois terços da população estão com AMLO.

O princípio é básico, mas não simples: fazer política. Sim, política. Essa palavra, amaldiçoada por muitos, que AMLO valoriza contra a corrente daqueles que a consideram uma reminiscência do passado.

Para o presidente mexicano, a política é uma arte nobre. Isso é algo que ele diz constantemente e, o que é ainda melhor, ele se esforça para colocar isso em prática de várias maneiras. 

Em primeiro lugar, ele parte de convicções; sem elas, não se pode fazer política. Isso não significa ser dogmático, mas também não significa ser moderado ou um fanático do centro. Pelo contrário, ele defende ideias, valores e princípios. E essa matriz ideológica lhe serve como uma âncora sólida sempre que precisa lidar com uma conjuntura complexa. É assim que se move taticamente. Faz o que é necessário, mas sem deixar de avançar naquilo que definiu previamente como estratégico.

Isso, aliás, tem um correlato imediato: permite que ele identifique o adversário político sem ambiguidade. Essa é uma questão fundamental para evitar a confusão entre os cidadãos toda vez que tiverem de tomar partido, seja na hora de votar ou, simplesmente, no cotidiano de uma discussão familiar.

Em segundo lugar, ele não subestimou a importância da gestão para que sua palavra tenha credibilidade. O atual governo da Quarta Transformação (4T) – como ele mesmo se define – teve conquistas muito notáveis nas esferas social e econômica. As melhorias no bem-estar social foram acompanhadas de bonança macroeconômica. Hoje, por exemplo, sua moeda, o peso mexicano, é a moeda que mais se valorizou na América Latina.

Outro bom exemplo é a chamada “austeridade republicana”, que ele conseguiu implementar graças à seguinte equação: aumentar a receita sem modificar a matriz tributária. Como ele fez isso? Eliminando a maioria dos gastos tributários desnecessários, injustos e ineficientes. Ele também reduziu muito o nível de evasão fiscal e eliminou os gastos supérfluos da casta política (AMLO continua viajando em avião comercial depois de cinco anos e meio no cargo – não mudou de ideia depois de quatro meses após sua posse).

Terceiro, ele se comunica sem frivolidade. Ele não deu atenção a nenhum desses manuais modernos de comunicação política que sempre abusam de clichês intermináveis e fazem com que a política se esvazie da política. AMLO fala diariamente (por meio das Mañaneras) e responde a tudo; em cada explicação, ele combina lições históricas com dados atuais, não se esquiva de nenhuma controvérsia, é pedagógico em cada questão e define a agenda política. E, além disso, se ele acha que precisa de mais de uma hora para responder a uma pergunta difícil em detalhes, ele o faz. E, mesmo assim, ele é, sem dúvida, um dos principais youtubers da América Latina em termos de número de visualizações.

Em quarto lugar, ele entende que as questões eleitorais são resolvidas no campo da política. Ou seja, logo que chega o período de campanha, a primeira coisa que faz é ir ao Congresso para propor uma reforma constitucional para recuperar o espírito da Constituição Mexicana de 1917, propondo mudanças estruturais muito significativas para o futuro do país (salários, soberania, saúde, educação, aposentadoria, etc.).

Em quinto lugar, ele sabe que, sem uma batalha cultural, é impossível sustentar um processo de transformação no futuro. Sua base está no humanismo mexicano. A partir daí, ela redefine símbolos antigos e cria novos. O orgulho de ser mexicano é certamente uma de suas principais bandeiras.

Em sexto lugar, ele exerceu um pragmatismo inteligente. Isso não significa desistir de sonhar; tampouco significa viver fazendo genuflexões. Em outras palavras, não se pode fazer política sem conhecer a realidade. Por exemplo, não se pode ignorar o fato de que o México tem uma enorme fronteira com os Estados Unidos. AMLO nunca foi ingênuo diante desse fato óbvio e, portanto, teve de fazer política externa levando em conta essa dificuldade. Ele pode ter tido que ceder em algumas questões, mas nunca abriu mão da soberania. E, graças a isso, conseguiu ser ainda mais autônomo em sua política externa em relação à América Latina (veja exemplos como o resgate de Evo durante o golpe, a desqualificação de Dina Boluarte como presidente do Peru ou o asilo para os perseguidos políticos do Equador).

Em sétimo lugar, AMLO deu prioridade máxima à criação de um “movimento” capaz de gerar tensões criativas (como diria Álvaro García Linera). Atualmente, o Morena (Movimiento de Regeneración Nacional) está no centro da política no México. Ele tem uma militância altamente instruída, organizada e muito ativa. Isso é crucial para uma disputa eleitoral, mas fundamentalmente para fazer política no território, no mundo acadêmico, nas redes, etc.

Por esses e outros motivos, o tão mencionado “avanço da direita global” não tem lugar no México. Apesar do enorme poder midiático opositor; apesar do poder judiciário jogar contra; apesar do poder econômico apostar em outro modelo; apesar desses argumentos típicos que são usados em outras latitudes para explicar a chegada do inevitável, no país asteca isso não está acontecendo.

Desculpem o spoiler: as alternativas conservadoras e neoliberais (seja Xóchitl Gálvez ou Álvarez Máynez) não conseguirão derrotar a candidata do Morena nas eleições presidenciais de 2 de junho. Claudia Sheinbaum será a próxima presidente do México por causa de tudo o que foi descrito acima; e também porque é uma mulher altamente treinada e qualificada, técnica e politicamente, com um longo histórico e experiência reconhecida (ela governou a Cidade do México) e com lealdade comprovada, tanto a AMLO quanto à estrutura ideológica do espaço político ao qual ela pertence.

(*) Tradução de Raul Chiliani

CELAG Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica

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